Isaac Warden Lewis
I
As festas atraem
muitas pessoas adultas. Algumas pessoas são atraídas por festas desde pequenas.
Elas adoram aniversários, natais, anos novos, baladas, carnavais e mais programas
nos finais de semana. Desde pequena, Esmeralda Figueira era uma dessas pessoas
que adoravam festas. Para ela, um ano deveria ser trezentos e sessenta dias de
festas. Sua mãe a matriculara num Jardim de Infância aos três anos de idade
para estudar. As aulas no Jardim de Infância “Raios de Luz” resumiam-se em
brincadeiras e festas todas as semanas. Quando Esmeralda foi transferida para
uma escola aos sete anos para aprender a ler, escrever e contar foi um
verdadeiro trauma para ela. Não havia brincadeiras e nem festas. Ela não gostou
da escola. Levou três anos para aprender a ler e escrever algumas palavras.
Contar tornou-se um desafio acima de suas capacidades mentais. Ela acabou sendo
transferida para outra escola para alunos problemáticos. Aos quinze anos,
conseguiu terminar as primeiras séries do Ensino Fundamental. Sua mãe foi
aconselhada a matricular a filha numa escola noturna para terminar as últimas
séries do Ensino Fundamental. Logo Esmeralda mostrou interesse em frequentar a
escola noturna. Para ela, os professores e as professoras eram pessoas chatas,
só pensavam em passar e explicar matérias e mais matérias. Muitos alunos e
muitas alunas só pensavam em estudar, estudar e estudar. Mas havia algumas
colegas que se tornaram amigas de Esmeralda. Elas também não gostavam de
estudar e muito menos fazer esforços para aprender qualquer coisa. Elas sabiam
onde e quando havia festas, baladas, programas divertidos. Esmeralda aprendeu
que deveria sempre levar uma blusa extra em sua mochila para ir a essas festas.
Esmeralda reencontrou as alegrias dos tempos de jardim de infância. A escola
noturna era uma festa. A vida voltou a ser festa, divertimento e alegrias.
Houve somente um contratempo no final do ano. Ela e suas amigas foram reprovadas.
Teriam de repetir a mesma série no ano seguinte. Isso não preocupou muito
Esmeralda Figueira. “Afinal de contas quem precisa saber em que hemisfério fica
seu país? Qual a diferença entre um vegetal e um animal? O Brasil foi
descoberto ou foi invadido? Como se escrevem tais e tais palavras: com ch ou
com x? Como devemos pronunciar palavras escritas com e? Devemos pronunciar
escola ou iscola, sequer ou siquer, descobrir ou discobrir? Caxias foi um herói
ou um genocida? Por que devemos nos esforçar para entender as coisas, como
informavam alguns professores?” Esmeralda parou de pensar.
II
Durante as
férias escolares, ela continuou frequentando festas e baladas com suas amigas e
com o seu namorado. No retorno às aulas, Esmeralda retomou seu desinteresse
pelas aulas, frequentando-as mais para ter oportunidade para sair de casa todas
as noites. No primeiro semestre, descobriu que estava grávida. Ela procurou
ocultar isso de sua mãe até o dia em que teve de ir a uma maternidade para ter
o filho. Seu namorado desapareceu. Sua mãe a condenava constantemente. Assim
que voltou da maternidade, Esmeralda ficou algum tempo cuidando do seu filho.
Logo ela arranjou desculpas para sair com suas duas amigas, Marcelina Souza e
Ingrid da Silva. Todos os sábados e domingos, elas iam a festas. Cansada das
admoestações da sua mãe, Esmeralda resolveu deixar sua cidade no interior do
Pará, à beira do rio Amazonas. Deixou seu filho Carlos com sua mãe, prometendo
que viria buscar o menino na primeira oportunidade. Foi para Belém. Nessa
cidade, descobriu os bares da vida, onde se empregou como garçonete, pois além
de servir os clientes, ela ouvia e dançava as músicas de carimbó, sertanejos, e os grandes sucessos de Reginaldo
Rossi, Waldick Soriano, Amado Batista. Suas amigas de trabalho eram todas
festeiras, os clientes também gostavam de se divertir e de ver futebol na
televisão. Assim passaram vários anos. Às vezes, Esmeralda se lembrava que
tinha um filho. Escrevia para sua mãe, dizendo que “estava bem empregada e que
estava bem. Mandava algum dinheiro para o filho e, assim que pudesse, voltaria
para passar férias com a família”. Essas cartas geravam muitas dúvidas e
preocupações à mãe de Esmeralda, pois ela já conhecia histórias de muitas moças
que deixaram aquela cidade e diziam estar bem empregadas e, de repente,
retornavam pobres e envelhecidas precocemente. Esmeralda nunca retornou para
passar férias em sua cidade natal. Seu sonho era viajar para São Paulo. Um
certo dia, ela conheceu um caminhoneiro no bar. Depois de muitas bebidas e de
ébrias conversas, ele se ofereceu para levá-la para São Paulo. Depois de sete
dias de viagem, parando em pequenas vilas para dormirem em pousadas à noite,
eles chegaram a uma rodovia paulista e resolveram pernoitar num hotel a cinco horas
de São Paulo. Quando Esmeralda acordou às cinco horas da manhã, o caminhoneiro
já havia partido. Ele deixou algum dinheiro sobre a mesa. Esmeralda descobriu
que ela poderia pegar um ônibus que levaria seis horas para chegar na
rodoviária de São Paulo. Perto do hotel, havia um bar que atendia
caminhoneiros. Tentou conseguir trabalho no bar. Não havia vagas para
garçonetes naquele momento. O proprietário disse à Esmeralda que ela poderia
ajudar os clientes, os quais sempre recompensavam as moças. Esmeralda resolveu
ficar. Toda noite, ela ia ao bar, beber , conversar, dançar as mesmas músicas
que ela já conhecia de outros bares boêmios. Três meses depois, ela conseguiu
uma carona com outro caminhoneiro para seguir para a cidade de São Paulo. Essa
cidade deslumbou-a. Era o mundo dos mundos. Andou pela cidade por vários dias.
Encontrou trabalho em um bar que funcionava à noite. Encontrou outras amigas e
se divertia com os clientes, servia-lhes, bebia, conversava e dançava com eles.
Conseguiu juntar um dinheirinho. Planejou passar férias em sua cidade natal.
Era fim do ano. Numa noite festiva, um caminhoneiro fez-lhe um convite para
morar em Manaus com ele, pois ele iria gerenciar uma agência da transportadora
nessa cidade. Além do salário, a empresa pagaria o aluguel de uma casa.
Esmeralda perguntou ao seu companheiro, Oscarino das Neves, se ela poderia
trabalhar e se ele arranjaria um emprego para ela em Manaus. Oscarino lhe disse
que, em Manaus, poderiam procurar alguma coisa para ela.
III
Esmeralda e Oscarino
deixaram São Paulo em janeiro. Moraram em um hotel no subúrbio de Manaus. Em
fevereiro, conseguiram uma casa no mesmo bairro, perto do escritório da
transportadora. A empresa alugou a casa residencial. Esmeralda e Oscarino
começaram uma nova vida em uma nova cidade. O novo sempre incorpora o velho,
assim como o velho sempre incorpora o novo ou a inovação. Oscarino das Neves
também era paraense e conhecia bem o mundo de bares, onde ele sempre parava em
suas viagens pelas cidades brasileiras. Apreciava as mesmas músicas e as letras
das músicas que Esmeralda tanto apreciava. Nos bares, ele se resumia a ficar
sentado, bebendo cerveja e, eventualmente, conversava com seus parceiros e
parceiras. Logo a casa residencial do conjunto onde foram morar tornou-se um
ponto para bebericar cerveja, conversar ebriamente sobre o tudo ou o nada e ver
jogos de futebol na televisão. Isso aconteceu da seguinte maneira. Todos os
dias, Esmeralda perguntava ao Oscarino se ele iria conseguir algum trabalho
para ela. De tanto ser cobrado, ele sugeriu a ela fazer um restaurante para
atender clientes para almoço. Logo o restaurante virou um bar à noite,
principalmente, em dias de jogos. Os bebericadores de cerveja e apreciadores de
jogos de futebol na televisão tornaram-se clientes preferenciais do bar. Todas
as sextas-feiras, sábados e feriados, havia uma programação de músicas
características de bares da vida. Ocorriam conversações ébrias, cantorias de
músicas bregas. Os participantes chegavam com seus carros caros somente para se
divertir. Os vizinhos denominaram esse bar clandestino de “Pequena Belém”, pois
seus frequentadores eram principalmente pessoas paraenses que residiam e
trabalhavam em Manaus. Homens e mulheres, entre quarenta e sessenta anos, comportavam-se
como adolescentes que não fizeram a transição para a vida adulta. Numa manhã de
segunda-feira, um desses frequentadores chegou à casa de Esmeralda para beber.
Ela lhe perguntou se havia acontecido alguma coisa. Ele relatou que chegara em
sua casa de madrugada e encontrou-a totalmente vazia. Sua mulher havia ido embora, levou os
móveis, levou tudo, incluindo as duas filhas do casal. Esmeralda quis saber o
que ele havia feito contra sua esposa. Ele respondeu que não havia feito nada.
Ele não sabia para onde ela tinha ido e não sabia como encontrá-la e as filhas.
E continuou bebendo e falando de coisas banais que homens e mulheres falam em
bares da vida. Esmeralda Figueira lembrou-se de seu filho. Naquele dia, ela
escreveu para a mãe. Relatou que estava vivendo em Manaus. Informou que estava
bem, morando em uma casa grande, casada com um gerente de uma transportadora.
Disse que sentia saudade da família e convidava a mãe e o pai para visitarem-na
em Manaus. Escreveu que, no momento, ela não poderia visitá-los porque ela era
dona de um restaurante, além disso, tinha de cuidar da sua casa. Disse que ia
mandar um dinheiro para mãe e enviava beijos e abraços para todos. Depois
disso, começou a varrer e a limpar o ambiente, pois, no dia seguinte, seria
feriado e haveria uma festa de aniversário para o homem cuja mulher fora embora
com os móveis e as filhas. Ele contratou os serviços de Esmeralda porque ele
iria superar as perdas com uma festa e muita coragem. Pediu para Esmeralda
providenciar bolos e salgadinhos e que houvesse cerveja para todos e concluiu:
“O que seria da vida sem festas!”.
Dezembro, 2020.