Isaac Warden Lewis
Numa manhã do
ano de 199..., em um município à beira do rio Amazonas, o senhor Francisco Medeiros acordou mais
intolerável e indignado do que de costume. Sua frágil paciência desaparecera.
Ninguém conseguia encontrar explicação plausível para tal comportamento de
intolerância radical. Isso significava que todos os familiares iriam sofrer
mais ironias, sarcasmos e até xingamentos por qualquer coisa. A primeira
vítima, ou melhor, a segunda vítima foi sua esposa de sessenta anos, dona Maria
Medeiros que ousou criticá-lo por se aborrecer com o neto, Francisco, a
primeira vítima que fora à padaria comprar pão e não conferiu o troco que lhe
deram. Ao ser criticado por isso, Francisco Neto quis discutir com o avô, dizendo
que a moça do caixa lhe dera o troco certo porque ela havia feito o cálculo na
máquina de calcular. O senhor Francisco
Medeiros deu uma gargalhada e chamou o neto de quadrúpede ignorante, pois não
sabia que animal era. A família ficou arrasada. Dona Maria Medeiros queria
auxiliar ou defender seu neto e disse ao senhor Francisco Medeiros que ele não
precisava ser tão intolerante por causa de um trocozinho de nada. Foi, nesse
momento, que as filhas, os filhos, as netas e os netos perceberam que a
paciência do senhor Francisco Medeiros havia se evadido completamente. Ele
virou-se para a esposa e disse que ela era melhor do que o neto porque ela
sabia que animal era: uma hipopótama sem cérebro. Nenhum filho, nenhuma filha,
nenhum neto, nenhuma neta ousaram interferir ou criticar o senhor Francisco
Medeiros.
É preciso
entender as circunstâncias que levaram o senhor Francisco Medeiros à situação
de paciência negativa com relação ao neto, à moça que devolvera o troco errado
e à esposa que lhe cobrava tolerância. Algumas semanas antes, ele participara
de uma reunião de pais e mestres na escola dos
netos e a professora de Maria Neta lhe revelou que sua neta, na sexta
série, não conseguia aprender os pronomes pessoais, os substantivos e os
adjetivos da língua portuguesa e, por isso, ela não conseguia fazer uma simples
redação, mas ela teria de passar a menina de ano porque a orientação da
Secretaria de Educação era para “não reprovar nenhum aluno ou nenhuma aluna
para o bem das crianças”. O senhor Francisco Medeiros foi o único responsável
que protestou pela decisão absurda da Secretaria de Educação.
O senhor
Francisco Medeiros voltou para casa meio intolerante, disse que ele tinha
aprendido a ler, escrever e calcular muito bem na escola primária em uma escola
pública e não conseguia entender como professores, professoras, pedagogos,
pedagogas e outras autoridades educacionais diziam não ser importante os alunos
e as alunas aprenderem o mínimo que ele aprendera bem quando era criança sem
que os professores e as professoras daqueles tempos exprimissem tanto blá, blá,
blá sobre ensino e aprendizagem.
O senhor
Francisco Medeiros achava estranho que mães e avós achassem bonito quando uma
menina ficava grávida, tinha filhos com treze ou quatorze anos sem ter
aprendido a lavar suas roupas, lavar louças, cuidar de uma casa, cuidar de si,
quanto mais cuidar de uma criança e, na escola, não conseguia aprender as
classes gramaticais da sua língua. Ele começou a criticar autoridades
educacionais, as quais informaram que a educação seria reformada para dar
ensino técnico aos jovens, os quais não aprenderam a ler e nem a escrever.
Concluiu dizendo que tais autoridades mereciam ser premiadas pelo seu
doutoramento em burrice, estupidez e ignorância educacional precoce.
A seguir, o
senhor Francisco Medeiros fez a seguinte revelação. “No outro dia, fui à
cidade, entrei numa loja, fiz algumas compras e quando me dirigi ao Caixa para
pagar, dei uma nota à funcionária que pegou uma máquina de calcular para saber
quanto ela deveria me devolver. O
cálculo era muito simples. Achei o uso da máquina tão fútil quanto os neurônios
que essa moça tinha em sua cabeça. Ontem fui a uma loja neste bairro, fiz uma
compra, dei uma nota para pagar e o dono da loja pegou também uma máquina de
calcular para saber quanto ele deveria me devolver de troco. Sinceramente, não
aguento mais encontrar tantas pessoas com suas mentes com neurônios atrofiados
por falta de uso. O que devemos esperar de uma país coalhado de analfabetos
funcionais e de doutores analfabetos?”
O senhor
Francisco Medeiros estava furioso. Revelou que aprendera a tabuada aos oito
anos, aprendera a ler aos sete anos com sua mãe e não fora para nenhuma creche.
Disse que se tivesse ido a uma creche, com certeza, ele seria mais um
hipopótamo naquela casa. Declarou que não tinha certeza se aquela era uma casa
para seres humanos ou uma estrebaria com animais que não conseguiam aprender
contas, nem aprender a ler e a escrever e nem a pensar. .Afirmou que estava
pensando em comprar capim para os animais que viviam naquela casa. Criticou
mais uma vez as autoridades educacionais, dizendo que elas deveriam voltar para
uma escola séria para seres humanos, pois, agora, inventaram de ensinar
crianças e jovens através de jogos e brincadeiras, não aprenderam que temos
hora e tempo para tudo na vida. Tempo para brincar, tempo para trabalhar, tempo
para estudar e tempo para divertimento.
Manaus, novembro 2021