sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

ESCOLA OU ESTREBARIA?

                                                                           Isaac Warden Lewis

Numa manhã do ano de 199..., em um município à beira do rio Amazonas,  o senhor Francisco Medeiros acordou mais intolerável e indignado do que de costume. Sua frágil paciência desaparecera. Ninguém conseguia encontrar explicação plausível para tal comportamento de intolerância radical. Isso significava que todos os familiares iriam sofrer mais ironias, sarcasmos e até xingamentos por qualquer coisa. A primeira vítima, ou melhor, a segunda vítima foi sua esposa de sessenta anos, dona Maria Medeiros que ousou criticá-lo por se aborrecer com o neto, Francisco, a primeira vítima que fora à padaria comprar pão e não conferiu o troco que lhe deram. Ao ser criticado por isso, Francisco Neto quis discutir com o avô, dizendo que a moça do caixa lhe dera o troco certo porque ela havia feito o cálculo na máquina de calcular.  O senhor Francisco Medeiros deu uma gargalhada e chamou o neto de quadrúpede ignorante, pois não sabia que animal era. A família ficou arrasada. Dona Maria Medeiros queria auxiliar ou defender seu neto e disse ao senhor Francisco Medeiros que ele não precisava ser tão intolerante por causa de um trocozinho de nada. Foi, nesse momento, que as filhas, os filhos, as netas e os netos perceberam que a paciência do senhor Francisco Medeiros havia se evadido completamente. Ele virou-se para a esposa e disse que ela era melhor do que o neto porque ela sabia que animal era: uma hipopótama sem cérebro. Nenhum filho, nenhuma filha, nenhum neto, nenhuma neta ousaram interferir ou criticar o senhor Francisco Medeiros.

É preciso entender as circunstâncias que levaram o senhor Francisco Medeiros à situação de paciência negativa com relação ao neto, à moça que devolvera o troco errado e à esposa que lhe cobrava tolerância. Algumas semanas antes, ele participara de uma reunião de pais e mestres na escola dos  netos e a professora de Maria Neta lhe revelou que sua neta, na sexta série, não conseguia aprender os pronomes pessoais, os substantivos e os adjetivos da língua portuguesa e, por isso, ela não conseguia fazer uma simples redação, mas ela teria de passar a menina de ano porque a orientação da Secretaria de Educação era para “não reprovar nenhum aluno ou nenhuma aluna para o bem das crianças”. O senhor Francisco Medeiros foi o único responsável que protestou pela decisão absurda da Secretaria de Educação.

O senhor Francisco Medeiros voltou para casa meio intolerante, disse que ele tinha aprendido a ler, escrever e calcular muito bem na escola primária em uma escola pública e não conseguia entender como professores, professoras, pedagogos, pedagogas e outras autoridades educacionais diziam não ser importante os alunos e as alunas aprenderem o mínimo que ele aprendera bem quando era criança sem que os professores e as professoras daqueles tempos exprimissem tanto blá, blá, blá sobre ensino e aprendizagem.

O senhor Francisco Medeiros achava estranho que mães e avós achassem bonito quando uma menina ficava grávida, tinha filhos com treze ou quatorze anos sem ter aprendido a lavar suas roupas, lavar louças, cuidar de uma casa, cuidar de si, quanto mais cuidar de uma criança e, na escola, não conseguia aprender as classes gramaticais da sua língua. Ele começou a criticar autoridades educacionais, as quais informaram que a educação seria reformada para dar ensino técnico aos jovens, os quais não aprenderam a ler e nem a escrever. Concluiu dizendo que tais autoridades mereciam ser premiadas pelo seu doutoramento em burrice, estupidez e ignorância educacional precoce.

A seguir, o senhor Francisco Medeiros fez a seguinte revelação. “No outro dia, fui à cidade, entrei numa loja, fiz algumas compras e quando me dirigi ao Caixa para pagar, dei uma nota à funcionária que pegou uma máquina de calcular para saber quanto ela deveria me devolver.  O cálculo era muito simples. Achei o uso da máquina tão fútil quanto os neurônios que essa moça tinha em sua cabeça. Ontem fui a uma loja neste bairro, fiz uma compra, dei uma nota para pagar e o dono da loja pegou também uma máquina de calcular para saber quanto ele deveria me devolver de troco. Sinceramente, não aguento mais encontrar tantas pessoas com suas mentes com neurônios atrofiados por falta de uso. O que devemos esperar de uma país coalhado de analfabetos funcionais e de doutores analfabetos?”

O senhor Francisco Medeiros estava furioso. Revelou que aprendera a tabuada aos oito anos, aprendera a ler aos sete anos com sua mãe e não fora para nenhuma creche. Disse que se tivesse ido a uma creche, com certeza, ele seria mais um hipopótamo naquela casa. Declarou que não tinha certeza se aquela era uma casa para seres humanos ou uma estrebaria com animais que não conseguiam aprender contas, nem aprender a ler e a escrever e nem a pensar. .Afirmou que estava pensando em comprar capim para os animais que viviam naquela casa. Criticou mais uma vez as autoridades educacionais, dizendo que elas deveriam voltar para uma escola séria para seres humanos, pois, agora, inventaram de ensinar crianças e jovens através de jogos e brincadeiras, não aprenderam que temos hora e tempo para tudo na vida. Tempo para brincar, tempo para trabalhar, tempo para estudar e tempo para divertimento.

 

Manaus, novembro 2021