sábado, 2 de janeiro de 2021

VIVA FESTAS! VIVA!!!

  Isaac Warden Lewis

 

I

 

As festas atraem muitas pessoas adultas. Algumas pessoas são atraídas por festas desde pequenas. Elas adoram aniversários, natais, anos novos, baladas, carnavais e mais programas nos finais de semana. Desde pequena, Esmeralda Figueira era uma dessas pessoas que adoravam festas. Para ela, um ano deveria ser trezentos e sessenta dias de festas. Sua mãe a matriculara num Jardim de Infância aos três anos de idade para estudar. As aulas no Jardim de Infância “Raios de Luz” resumiam-se em brincadeiras e festas todas as semanas. Quando Esmeralda foi transferida para uma escola aos sete anos para aprender a ler, escrever e contar foi um verdadeiro trauma para ela. Não havia brincadeiras e nem festas. Ela não gostou da escola. Levou três anos para aprender a ler e escrever algumas palavras. Contar tornou-se um desafio acima de suas capacidades mentais. Ela acabou sendo transferida para outra escola para alunos problemáticos. Aos quinze anos, conseguiu terminar as primeiras séries do Ensino Fundamental. Sua mãe foi aconselhada a matricular a filha numa escola noturna para terminar as últimas séries do Ensino Fundamental. Logo Esmeralda mostrou interesse em frequentar a escola noturna. Para ela, os professores e as professoras eram pessoas chatas, só pensavam em passar e explicar matérias e mais matérias. Muitos alunos e muitas alunas só pensavam em estudar, estudar e estudar. Mas havia algumas colegas que se tornaram amigas de Esmeralda. Elas também não gostavam de estudar e muito menos fazer esforços para aprender qualquer coisa. Elas sabiam onde e quando havia festas, baladas, programas divertidos. Esmeralda aprendeu que deveria sempre levar uma blusa extra em sua mochila para ir a essas festas. Esmeralda reencontrou as alegrias dos tempos de jardim de infância. A escola noturna era uma festa. A vida voltou a ser festa, divertimento e alegrias. Houve somente um contratempo no final do ano. Ela e suas amigas foram reprovadas. Teriam de repetir a mesma série no ano seguinte. Isso não preocupou muito Esmeralda Figueira. “Afinal de contas quem precisa saber em que hemisfério fica seu país? Qual a diferença entre um vegetal e um animal? O Brasil foi descoberto ou foi invadido? Como se escrevem tais e tais palavras: com ch ou com x? Como devemos pronunciar palavras escritas com e? Devemos pronunciar escola ou iscola, sequer ou siquer, descobrir ou discobrir? Caxias foi um herói ou um genocida? Por que devemos nos esforçar para entender as coisas, como informavam alguns professores?” Esmeralda parou de pensar. 

II

 

Durante as férias escolares, ela continuou frequentando festas e baladas com suas amigas e com o seu namorado. No retorno às aulas, Esmeralda retomou seu desinteresse pelas aulas, frequentando-as mais para ter oportunidade para sair de casa todas as noites. No primeiro semestre, descobriu que estava grávida. Ela procurou ocultar isso de sua mãe até o dia em que teve de ir a uma maternidade para ter o filho. Seu namorado desapareceu. Sua mãe a condenava constantemente. Assim que voltou da maternidade, Esmeralda ficou algum tempo cuidando do seu filho. Logo ela arranjou desculpas para sair com suas duas amigas, Marcelina Souza e Ingrid da Silva. Todos os sábados e domingos, elas iam a festas. Cansada das admoestações da sua mãe, Esmeralda resolveu deixar sua cidade no interior do Pará, à beira do rio Amazonas. Deixou seu filho Carlos com sua mãe, prometendo que viria buscar o menino na primeira oportunidade. Foi para Belém. Nessa cidade, descobriu os bares da vida, onde se empregou como garçonete, pois além de servir os clientes, ela ouvia e dançava as músicas de carimbó,  sertanejos, e os grandes sucessos de Reginaldo Rossi, Waldick Soriano, Amado Batista. Suas amigas de trabalho eram todas festeiras, os clientes também gostavam de se divertir e de ver futebol na televisão. Assim passaram vários anos. Às vezes, Esmeralda se lembrava que tinha um filho. Escrevia para sua mãe, dizendo que “estava bem empregada e que estava bem. Mandava algum dinheiro para o filho e, assim que pudesse, voltaria para passar férias com a família”. Essas cartas geravam muitas dúvidas e preocupações à mãe de Esmeralda, pois ela já conhecia histórias de muitas moças que deixaram aquela cidade e diziam estar bem empregadas e, de repente, retornavam pobres e envelhecidas precocemente. Esmeralda nunca retornou para passar férias em sua cidade natal. Seu sonho era viajar para São Paulo. Um certo dia, ela conheceu um caminhoneiro no bar. Depois de muitas bebidas e de ébrias conversas, ele se ofereceu para levá-la para São Paulo.  Depois de sete dias de viagem, parando em pequenas vilas para dormirem em pousadas à noite, eles chegaram a uma rodovia paulista e resolveram pernoitar num hotel a cinco horas de São Paulo. Quando Esmeralda acordou às cinco horas da manhã, o caminhoneiro já havia partido. Ele deixou algum dinheiro sobre a mesa. Esmeralda descobriu que ela poderia pegar um ônibus que levaria seis horas para chegar na rodoviária de São Paulo. Perto do hotel, havia um bar que atendia caminhoneiros. Tentou conseguir trabalho no bar. Não havia vagas para garçonetes naquele momento. O proprietário disse à Esmeralda que ela poderia ajudar os clientes, os quais sempre recompensavam as moças. Esmeralda resolveu ficar. Toda noite, ela ia ao bar, beber , conversar, dançar as mesmas músicas que ela já conhecia de outros bares boêmios. Três meses depois, ela conseguiu uma carona com outro caminhoneiro para seguir para a cidade de São Paulo. Essa cidade deslumbou-a. Era o mundo dos mundos. Andou pela cidade por vários dias. Encontrou trabalho em um bar que funcionava à noite. Encontrou outras amigas e se divertia com os clientes, servia-lhes, bebia, conversava e dançava com eles. Conseguiu juntar um dinheirinho. Planejou passar férias em sua cidade natal. Era fim do ano. Numa noite festiva, um caminhoneiro fez-lhe um convite para morar em Manaus com ele, pois ele iria gerenciar uma agência da transportadora nessa cidade. Além do salário, a empresa pagaria o aluguel de uma casa. Esmeralda perguntou ao seu companheiro, Oscarino das Neves, se ela poderia trabalhar e se ele arranjaria um emprego para ela em Manaus. Oscarino lhe disse que, em Manaus, poderiam procurar alguma coisa para ela.

 

III

 

Esmeralda e Oscarino deixaram São Paulo em janeiro. Moraram em um hotel no subúrbio de Manaus. Em fevereiro, conseguiram uma casa no mesmo bairro, perto do escritório da transportadora. A empresa alugou a casa residencial. Esmeralda e Oscarino começaram uma nova vida em uma nova cidade. O novo sempre incorpora o velho, assim como o velho sempre incorpora o novo ou a inovação. Oscarino das Neves também era paraense e conhecia bem o mundo de bares, onde ele sempre parava em suas viagens pelas cidades brasileiras. Apreciava as mesmas músicas e as letras das músicas que Esmeralda tanto apreciava. Nos bares, ele se resumia a ficar sentado, bebendo cerveja e, eventualmente, conversava com seus parceiros e parceiras. Logo a casa residencial do conjunto onde foram morar tornou-se um ponto para bebericar cerveja, conversar ebriamente sobre o tudo ou o nada e ver jogos de futebol na televisão. Isso aconteceu da seguinte maneira. Todos os dias, Esmeralda perguntava ao Oscarino se ele iria conseguir algum trabalho para ela. De tanto ser cobrado, ele sugeriu a ela fazer um restaurante para atender clientes para almoço. Logo o restaurante virou um bar à noite, principalmente, em dias de jogos. Os bebericadores de cerveja e apreciadores de jogos de futebol na televisão tornaram-se clientes preferenciais do bar. Todas as sextas-feiras, sábados e feriados, havia uma programação de músicas características de bares da vida. Ocorriam conversações ébrias, cantorias de músicas bregas. Os participantes  chegavam com seus carros caros somente para se divertir. Os vizinhos denominaram esse bar clandestino de “Pequena Belém”, pois seus frequentadores eram principalmente pessoas paraenses que residiam e trabalhavam em Manaus. Homens e mulheres, entre quarenta e sessenta anos, comportavam-se como adolescentes que não fizeram a transição para a vida adulta. Numa manhã de segunda-feira, um desses frequentadores chegou à casa de Esmeralda para beber. Ela lhe perguntou se havia acontecido alguma coisa. Ele relatou que chegara em sua casa de madrugada e encontrou-a totalmente  vazia. Sua mulher havia ido embora, levou os móveis, levou tudo, incluindo as duas filhas do casal. Esmeralda quis saber o que ele havia feito contra sua esposa. Ele respondeu que não havia feito nada. Ele não sabia para onde ela tinha ido e não sabia como encontrá-la e as filhas. E continuou bebendo e falando de coisas banais que homens e mulheres falam em bares da vida. Esmeralda Figueira lembrou-se de seu filho. Naquele dia, ela escreveu para a mãe. Relatou que estava vivendo em Manaus. Informou que estava bem, morando em uma casa grande, casada com um gerente de uma transportadora. Disse que sentia saudade da família e convidava a mãe e o pai para visitarem-na em Manaus. Escreveu que, no momento, ela não poderia visitá-los porque ela era dona de um restaurante, além disso, tinha de cuidar da sua casa. Disse que ia mandar um dinheiro para mãe e enviava beijos e abraços para todos. Depois disso, começou a varrer e a limpar o ambiente, pois, no dia seguinte, seria feriado e haveria uma festa de aniversário para o homem cuja mulher fora embora com os móveis e as filhas. Ele contratou os serviços de Esmeralda porque ele iria superar as perdas com uma festa e muita coragem. Pediu para Esmeralda providenciar bolos e salgadinhos e que houvesse cerveja para todos e concluiu: “O que seria da vida sem festas!”.

 

Dezembro, 2020.

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