quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

O CONTEXTO POLÍTICO SOCIAL EM PAÍSES COLONIZADOS

                                                                                        Isaac Warden Lewis* 

O assassinato do cidadão negro brasileiro,    João Alberto Silveira Freitas, no dia 19 de novembro de 2020, expõe, de maneira contundente, a relação COLONIZADORES VERSUS PAÍSES COLONIZADOS, em especial, no Brasil. A proclamação da independência (1822), a proclamação da abolição e a proclamação da república (1889) não mudaram o estatuto de país colonizado da nação brasileira. Isso porque o modo de produção de produtos agrícolas para exportação continuou sendo o projeto produtivo da sociedade constituída de duas classes: 1) a classe favorecida (cuja maioria é mameluca), encarregada de  administrar e controlar o país como se fosse uma simples feitoria, produzindo produtos agrícolas e minerais para atender a demanda dos países colonizadores e 2) a classe desfavorecida, cuja maioria tem sido obrigada a produzir sob regime de escravidão, de servidão e, agora, “livremente” em favor das classes favorecidas nacionais colonizadas e das classes privilegiadas colonizadoras dos grandes centros econômicos europeus e dos Estados Unidos.

Na independência, a terra usurpada dos índios pelos colonizadores portugueses não foi devolvida aos nativos da terra. A exploração da mão de obra dos africanos escravizados pela força e de seus descendentes não foi devidamente indenizada. A reforma agrária para possibilitar o seu usufruto pela maioria da população nunca foi realizada pelas classes favorecidas, que continuaram a aceitar como legais os conteúdos da bula papal, das ordenações do reino português que consideravam que a terra e o produto dela era monopólio de europeus e de luso-brasileiros. Além disso, o sistema político, jurídico, militar e policial brasileiro continuou perseguindo os nativos dos territórios invadidos da América, da África e da Ásia, como atestam as invasões continuadas das terras indígenas, quilombolas, sendo que os referidos invasores acabam adquirindo o direito à posse dessas terras. Há poucos meses, indígenas e ribeirinhos, moradores na margem do rio Abacaxis, em Borba, no Amazonas,  foram assassinados pela polícia militar. Por acaso, o governador, o secretário de segurança, os policiais foram punidos? O estado indenizou as famílias das vítimas pela barbárie e violência cometidas contra elas e suas comunidades? O sistema político, jurídico, militar e policial (incluindo empresas de segurança particulares) age como força mercenária e miliciana a serviço das classes favorecidas que, por sua vez, estão a serviço das classes privilegiadas de países colonizadores.

A morte de João Alberto Silveira Freitas, as mortes de favelados no Rio de Janeiro e em São Paulo, de índios por policiais, o desrespeito aos direitos das mulheres e de negros nos tribunais mostram que a cultura colonialista prevalece no estado burocrático de direito, constituído para parecer uma “sociedade civilizada”. A educação dos profissionais liberais realiza-se para que os egressos das escolas elementares e superiores assumam cargos para atender as demandas do estado burocrático de direito. Essa educação (com raras exceções) segue o modelo das escolas jesuíticas e universitárias medievais (Coimbra e Salamanca) que formavam letrados (médicos, advogados, engenheiros, policiais, militares, ministros, políticos) para operacionalizar as leis pré-históricas e medievais contidas nas bulas papais e nas Ordenações do reino português.

Por sua vez, que setor da sociedade francesa a empresa Carrefour representa, de fato? Vale lembrar que, na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), franceses combateram tanto o fascismo (a Itália) quanto o nazismo (a Alemanha).  Os empresários franceses não deveriam desconhecer o nível inferior civilizatório do estado brasileiro, cujas lideranças políticas e empresariais estão sempre propensas a atenderem os interesses  das classes privilegiadas de países colonizadores e imperiais, perpetuando, desse modo, barbáries, discriminações racial e de gênero contra os nativos de origem indígena e africana. Afinal de contas, os colonizadores franceses invadiram os continentes americanos, africanos e asiáticos adotando as mesmas barbáries e discriminações contra os nativos desses continentes em nome da “civilização” e do “cristianismo”, além de insinuar que estavam propagando os princípios de “liberdade, igualdade e fraternidade”, elaborados pelos revolucionários populares franceses de 1789. Também os empresários franceses sabem que países colonizados, como o Brasil, não possuem burguesia como essa categoria social é entendida na Europa. Esse país tem, na verdade, empreendedores emergentes que se apresentam como burgueses, sem terem a noção de suas responsabilidades como agentes sociais, fundadores de uma nação realmente burguesa. Classe média, por isso, é uma categoria social inexistente, funcionários públicos  se intitulam classe média. O alto número de supermercados de propriedade de empresas estrangeiras, os quais comercializam os produtos agrícolas e industriais na maioria das cidades brasileiras demonstra a incapacidade dos empreendedores emergentes brasileiros para assumirem responsabilidade pelo controle e administração da atividade comercial nacional. A atitude dos administradores franceses em querer reparar o irreparável é até louvável, mas tal atitude seria desnecessária se os empresários franceses (e outros estrangeiros, de modo geral), agissem civilizadamente nos países colonizados, contrapondo-se às atitudes colonialistas pré-históricas e medievais das classes favorecidas luso-brasileiras. Há pouco, autoridades políticas francesas declararam que os terroristas islâmicos eram bárbaros, desumanos e impiedosos. O que essas autoridades teriam a declarar com relação aos colonizadores e colonos cristãos franceses que invadiram territórios da América, da África e da Ásia, praticando barbáries e genocídios?

Vale ressaltar que nos países colonizadores (do século XVI ao XX), como o Reino Unido, a França e os Estados Unidos da América (país frankenstein  que adota política externa imperialista e política interna colonizada), setores significativos da população têm manifestado sua oposição a intervenções militares e empresariais desonestas  em países colonizados. Vale lembrar que, desde a década de 1950, intelectuais e escritores franceses apoiaram corajosamente as lutas anticoloniais realizadas pelos povos americanos, africanos e asiáticos. Nos Estados Unidos, desde a década de 1960, estudantes, professores e intelectuais norte-americanos têm-se manifestado contra a política imperialista e armamentista de seu país.

O assassinato de João Alberto é um episódio lamentável (no dizer do general Hamilton Mourão, formado pela Academia Militar das Agulhas Negras e em academia norte-americana). Na verdade, esse episódio é recorrente e conhecido por índios, negros, brancos, mulatos, mamelucos e cafuzos despossuídos criminosamente pelos colonizadores portugueses e seus descendentes luso-brasileiros. O episódio João Alberto acabou levando parcela significativa da população brasileira às ruas para manifestar sua discordância de práticas racistas, xenofóbicas e de gênero realizadas por setores políticos, jurídicos, empresariais, militares, policiais, desmentindo as declarações do general Hamilton Mourão e do capitão do mato Sérgio Camargo de que, no Brasil, não há racismo, não há crimes ambientais, não há incompetência política e administrativa. Esses senhores seriam capazes de dizer o que, no Brasil, não foi importado? Afonso Henriques Lima Barreto, em seu romance “Triste fim de Policarpo Quaresma”, criou um personagem que queria resgatar a cultura original do Brasil. Efetivamente, somente os conhecimentos indígenas (inclusive, a cultura do banho) são originais e foram desenvolvidos muito antes de os europeus chegarem a esse país. Sabemos que, afora a cultura indígena, os mitos gregos, os mitos romanos, os mitos hebraicos, os mitos europeus, os mitos africanos, as igrejas evangélicas, o culto ao militarismo, a falsa política, tudo isso e muito mais foram importados. Na França, os médicos que atendem africanos, costumam humildemente ouvir e respeitar os conhecimentos dos xamãs africanos antes de realizar procedimentos médicos em seus pacientes africanos. No Brasil, os antropólogos brasileiros  têm dialogado com os indígenas e quilombolas sobre seus conhecimentos tradicionais.

.    

A POLÍTICA NOS PAÍSES COLONIZADOS

 Isaac Warden Lewis* 

Pessoas de todos os países do mundo estão tendo a oportunidade de apreciar o espetáculo da cultura pseudodemocrática dos Estados Unidos da América do Norte (excluindo o México e o Canadá) em sua eleição presidencial de 2020. Vale dizer que antes de ser um estado democrático de direito, os Estados Unidos são, na verdade, um estado burocrático de direito tal como os países colonizados da América Latina, da África e da Ásia. Podemos entender por que os líderes políticos e militares dos Estados Unidos, a serviço do seu Complexo Industrial-Militar,  utilizaram a força para implantar ditaduras nas Filipinas, na República Dominicana, Guatemala, Argentina, no Haiti, Chile, Brasil etc. ou apoiaram regimes pseudodemocráticos em várias partes do mundo. Para a elite política norte-americana (formada em escolas e universidades, ditas democráticas), esses países tinham de ser a imagem e semelhança dos Estados Unidos: Países com forças armadas fantoches e sistema político, jurídico-policial corrupto para controlar a população nativa, garantindo, desse modo, os interesses  das classes privilegiadas de países colonizadores imperialistas e das classes favorecidas dos países colonizados (incluindo os Estados Unidos).

Essas classes privilegiadas e classes favorecidas são herdeiras dos invasores europeus (espanhóis, portugueses e ingleses) que abandonaram a Europa a partir do século XVI, trazendo, em sua bagagem  bíblias e armas de fogo e a recusa sistemática em aceitar ideias novas sobre o mundo, o universo que haviam sido desenvolvidas a partir do século XV por cientistas como Nicolau Copérnico (1473-1543), Johannes Kepler (1571- 1630), Galileu Galilei (1564-1642), entre outros. Tais ideias científicas refutavam  totalmente as historinhas pré-históricas contidas na bíblia. Os invasores católicos e protestantes trouxeram as novas experiências mercantilistas que vinham se desenvolvendo nos burgos da Europa. Para esses invasores, pobres e ignorantes, o que importava era o lucro. Não lhe importavam tanto os conhecimentos científicos produzidos na Europa quanto os conhecimentos tradicionais dos povos nativos da América, África e da Ásia, a não ser, desvirtuando-os para servir seus interesses mesquinhos. Desse modo as ideias de reforma religiosa, do humanismo, do renascimento, do iluminismo, da revolução inglesa, revolução francesa, do socialismo, foram totalmente amesquinhadas para produzir ideias de democracia, humanismo, cristianismo, civilização totalmente deturpadas, empobrecidas, para beneficiar as classes capitalistas e favorecidas norte-americanas e isso ocorreu também em países colonizados da América Latina, África e da Ásia. Para os colonizadores europeus, civilização era barbárie, democracia era ditadura, participação política era golpe de estado, além de praticarem genocídio, racismo, xenofobia, misoginia e intolerância religiosa. É por isso que os sistemas políticos, jurídicos, militares, policiais, educacionais dos Estados Unidos e dos países colonizados da América Latina, África e Ásia são muito parecidos, produzindo burocratas e letrados que ainda se orientam, profissional e intelectualmente, pelas Ordenações, elaboradas, na Idade Média, por reinos europeus para orientarem e explorarem as populações nativas da América, África e Ásia, com o objetivo de se apropriarem de seus recursos materiais e naturais.

É importante ressaltar que imigrantes de todas as partes do mundo, adeptos de ideias renascentistas, iluministas, revolucionárias, libertárias e científicas também aportaram ao continente americano, o que explica, de certo modo, o desenvolvimento de pensamento crítico em vários setores culturais e artísticos da sociedade norte-americana.

Contrapondo-se aos colonizadores europeus e aos seus herdeiros, os nativos da América, África e Ásia têm empreendido lutas para defender sua terra, vida, cultura, seus direitos, apesar de contarem com armas desproporcionais com relação as armas possuídas pelos europeus. Isso explica os morticínios, as barbaridades e as ações terroristas praticados pelos colonizadores contra os povos (homens, mulheres e crianças) dos territórios invadidos. Do mesmo modo, os setores desfavorecidos dos países colonizadores não puderam impedir que as classes privilegiadas e favorecidas cometessem crimes contra a humanidade nos países invadidos. Contemporaneamente, temos testemunhado setores da população de países colonizadores (Estados Unidos, Reino Unido, França etc.) protestarem contra o envio de tropas militares ou a intervenção de força de seus governos nos países outrora colonizados. 

 

 

 

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

O FEMINICIDA

                                                                                                         Isaac Warden Lewis

Marcos Farias caminhava, com certa apreensão, pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro. Morava nessa cidade há três meses. Fugiu da Bahia, onde morava e se criara. Enquanto caminhava, lembrou-se do tempo em que ia, com seu pai, à igreja católica de sua cidade do interior. Lembrou-se do que ouvia na missa:

“Ave Maria, cheia de graça/Bendita sois vós entre as mulheres/Bendito seja o fruto de vosso ventre...”

“Aleluia, aleluia, aleluia/Aleluia, aleluia, aleluia/Aleluia, aleluia, aleluia...”

“Santa Maria, mãe de deus/Rogai por nós, pecadores/Agora e na hora da nossa morte, Amem”.

Marcos Farias não tinha certeza se essas eram as palavras que ouvia e não sabia o que tais palavras significavam. Ele continuou caminhando. Lembrou-se que seu pai deixou de frequentar a igreja católica e passou a frequentar uma igreja protestante, que todos chamavam de igreja dos crentes. Lembrou-se das histórias que o pastor contava:

“No início, havia  somente o caos. Então, deus resolveu criar o mundo e as coisas que há nele. Em seis dias, ele criou a Terra, o mar, o céu, as estrelas, o sol, a lua, as plantas, os animais e fez o homem a sua imagem. Ele gostou do que ele havia criado e resolveu descansar no sétimo dia. Percebeu que o homem parecia triste e solitário. Então, deus resolveu criar uma mulher para fazer companhia ao homem. Ele fez o homem dormir profundamente e retirou uma costela dele para fazer uma mulher. Quando o homem acordou, ele viu que deus havia lhe dado um presente. A mulher estava deitada ao seu lado. Deus disse ao homem que a mulher fora criada para lhe servir e lhe obedecer. O pastor dizia que essa era a história do nascimento do primeiro homem e da primeira mulher.

 

Marcos Farias nunca entendeu bem essa história, pois se tudo era caos, quem criou deus? Ele perguntou ao pai, que não soube lhe responder. Seu pai continuou a frequentar os cultos na igreja dos crentes e sempre o levava para ouvir aquelas histórias meio esquisitas.  Marcos Farias continuou caminhando. Lembrou-se de outra história relatada pelo pastor.  Nessa história, ele ficou sabendo que:

 “o nome do primeiro homem era Adão e o nome da primeira mulher era Eva. Adão e Eva viviam no melhor dos mundos possível. O mundo era um paraíso. Disse que deus havia falado para Adão viver à vontade e feliz nesse paraíso, porém proibiu ele de comer uma fruta de uma árvore. Disse que Adão e Eva e todos os seus descendentes seriam castigados severamente. O pastor disse que Adão era muito obediente, porém a Eva era diferente. Ela era curiosa, muito curiosa. Então, um dia, uma víbora, percebendo a fragilidade e a instabilidade da mulher e sabendo que deus não queria que o homem e a mulher comessem da fruta da macieira porque eles seriam tão inteligentes e autossuficientes como qualquer divindade, resolveu oferecer uma maçã à Eva, dizendo-lhe que ela teria mais poder do que deus e de qualquer homem. Curiosa, Eva comeu a maçã, gostou da fruta, ficou alegre e resolveu apanhar uma fruta para dá-la ao Adão. O primeiro homem era tão inocente que não percebeu que sua companheira fora enganada pela víbora astuciosa, então, ele comeu a maçã. Logo que deus tomou conhecimento da desobediência de Adão, expulsou ele e sua companheira do paraíso para que a humanidade sofresse para sempre sobre a face da Terra.  Por causa da mulher, o homem sofre até hoje”. 

Marcos Farias ficou com algumas dúvidas. Fez algumas perguntas ao pai: “Queria saber se alguma vez houve um paraíso em algum lugar da terra ou do céu? Também queria saber se alguma vez o homem foi um ser inocente? Por fim, queria saber se era verdade que os homens e as mulheres eram deuses pelo fato de Eva e Adão terem comido a fruta proibida?” Seu pai respondeu que não sabia as respostas para essas perguntas.

Marcos Farias continuou a caminhar e a pensar nas histórias que o pastor da igreja dos crentes contava. Começou a pensar se essas histórias eram verdadeiras ou eram invenções antigas para enganar crianças ingênuas, adultos ingênuos, homens ingênuos, mulheres ingênuas. Quem ganha com essas histórias? Os homens? Quem perde? As mulheres. Em todas as histórias contadas pelo pastor, deus conversa somente com os homens. Ele nunca se dirige às mulheres. Estranho, muito estranho! Será que julguei mal minha mulher? Marcos Farias lembrou-se que conhecia sua esposa desde que eram crianças. Brincaram juntos. Cresceram, começaram a namorar, casaram. Tiveram dois filhos. Há algum tempo, Margarida Moraes começou a querer sair com as amigas, ir a festas, parou de me obedecer, começou a discutir, ela só não me batia porque eu mostrava a ela que eu mandava em casa, que eu era o macho da casa e que ela tinha de me obedecer. Como Eva que se deixou influenciar pela víbora, ela começou a deixar-se influenciar pelas colegas de festas. Cada dia, cada noite, ela me irritava pelo prazer de me irritar. Lembrei-me de outra história contada na escola por uma professora que era crente. Ela não sabia ensinar português, matemática, história, geografia, ciências. Só gostava de contar ou ler histórias da bíblia. Essa professora contou a história de “Sansão e Dalila”. Ela relatou que:

“Sansão era um homem forte, bonito, bom, um grande guerreiro, um herói. Todas as mulheres gostavam dele. Quando seu país entrava em guerra com outros países, Sansão se destacava. Ele derrotava muitos inimigos. Dalila era uma moça muito bonita, astuta, uma víbora, que vivia em um país inimigo. Dalila gostava de Sansão. Ela começou a conversar com ele. Os inimigos convenceram Dalila a descobrir com Sansão o seu ponto fraco. Dalila, então, fingindo gostar muito de Sansão, perguntava a ele qual era o segredo de sua força, de sua virilidade. Sansão sempre dava uma resposta qualquer para Dalila. Ela, então, contava para os inimigos o segredo relatado por Sansão. Uma hora, Sansão dizia que seu segredo estava na sua lança. Os inimigos roubaram a lança de Sansão e atacaram seu país. Surpreendentemente, Sansão continuou com a mesma força e valentia sem a sua lança. Os inimigos ficaram com raiva de Dalila e ela ficou zangada com Sansão. Ela fez a paz com ele quando ele revelou que a sua força estava num bracelete que ele usava. Dalila foi correndo avisar aos inimigos que roubaram seu bracelete. Os inimigos invadiram o seu país e Sansão liderou seus companheiros, lutando como um leão. Os inimigos ficaram decepcionados com Dalila e ela ficou irritada com Sansão. Disse a ele que não gostava mais dele. Para não perder a bela Dalila, ele acabou revelando que sua força estava em seu cabelo que ele deixava crescer. À noite, quando Sansão foi dormir, Dalila cortou o seu cabelo e levou as mechas para mostrar aos inimigos. E disse-lhes que toda a força de Sansão estava em seus cabelos que, agora, pertenciam a ela. Os inimigos invadiram o país de Sansão. Ele e seus companheiros lutaram muito. Sansão foi perdendo sua força durante o combate e os inimigos dominaram o país. Essa desgraça ocorreu porque Sansão se deixou dominar por uma mulher”. 

Marcos Farias já havia ouvido essa história na igreja dos crentes, pareceu-lhe que a história contada pela professora era diferente da história contada pelo pastor. Ele ficou calado, não fez perguntas. Pareceu-lhe que a  professora  apreciava mais as proezas dos homens e menosprezava os esforços das mulheres. Pensou que fora injusto com Margarida. Ela queria se separar e ele não aceitava a separação.  Por que a matou covardemente com onze facadas? Agora os filhos não têm mãe nem pai. O que acontecerá agora? Marcos Farias pensou o que iria fazer:

“ Vou tentar chegar a Roraima ou ao Amapá. Vou atravessar a fronteira, vou trabalhar em algum garimpo. Não sei se vou voltar para Bahia algum dia. Não sei se verei meus filhos novamente. Vou com o Paulo. Ele também tem de fugir. Ele espancou a esposa. Quase a matou. Ela está internada. Somos dois covardes. A religião nos ensina coisas falsas e erradas sobre as mulheres. Os crentes são gentes ignorantes. Pobre Margarida! Me perdoe!”.

 

Manaus, outubro, 2020.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 





SENTIMENT OF PLANT

                                                                                                  Isaac Warden Lewis

 

To be like a plant that, living peaceful,

takes advantage of the elements

which are around it

It faces the inclemencies calmly.

It resists against parasites.

It shelters its guests.

It works to produce its own food.

It grows and multiplies itself,

providing, in this manner, benefices

to the earth and to life.

It bears flowers to gladden the world.

It yields fruits in order that other can gather them..

It produces shade for those who seek its protection.

It lives quietly

and lets others concern themselves with their living.

It irradiates, with its green colour, the calmness

and the placidity of a existence that is lived

without the afflictions that characterize animal life.

COSMIC HUMANITY

 Isaac Warden Lewis

 Originating from the comic dust,

Mankind is just a living being

That crawls upon the Earth.

He is hungry and thirsty.

He defecates and urinates.

He dresses and shelters himself.

He works and rests.

He loves and hates.

He laughs and cries.

He looks after his children.

He teaches his youth.

He takes care of his patients.

He buries his dead.

He looks forward to live among his fellows.

He searches explanations of the universe and life.

He invents and destroys things.

He succeeds and makes mistakes.

He improves his outcomes and corrects his mistakes.

He stores and renews knowledges in his brain.

He believes and doubts.

He thinks and dreams.

He hopes and fears.

He wishes to live forever.

He dies after becoming tired of all these things,

Returning do the cosmic dust

To feed minute living beings.

 

 

 

sábado, 3 de outubro de 2020

DESCARRILHAMENTO E DESGOVERNO EM PAÍS COLONIZADO

                                                                                             Isaac Warden Lewis

 

No dia 16 de junho de 1959, Beatrice Robinson, natural de Barbados, foi atropelada e morta por um ônibus desgovernado da linha Triagem-Leme, na rua General Severiano esquina com a rua Lauro Sodré, em Botafogo, no Rio de Janeiro. A Sra. Robinson foi arrastada cerca de 3 metros pelo veículo e esmagada contra o muro. O motorista do ônibus, Luís Vieira de Melo, foi condenado a 4 anos de prisão. Um ônibus não se desgoverna, pura e simplesmente, de uma hora para outra. Talvez o motorista não seja responsável pelo desgoverno do ônibus, a não ser que ele tenha passado a noite bebendo e sambando em um ensaio de alguma escola de samba ou não tenha conseguido dormir por sofrer de insônia e, às 5 horas da manhã, teve de se apresentar para realizar seu trabalho de dirigir um ônibus de transporte urbano no Rio de Janeiro. Não sabemos se foi verificada a responsabilidade da empresa ou do mecânico responsável pela manutenção das condições de trafegabilidade do veículo naquele dia. Também não sabemos se foi verificada a responsabilidade da Prefeitura do Rio de Janeiro com respeito às condições de trafegabilidade das ruas e avenidas por onde o ônibus iria passar e se ela fiscalizava regularmente as condições mecânicas dos veículos de transporte de passageiros na cidade. Outros ainda querem saber por que a Sra. Robinson, barbadiana, cidadã inglesa, insistia em aguardar naquela esquina o sinal abrir para pedestre, estando as ruas completamente vazias, livres de veículos automotivos, para atravessar só quando o sinal fechasse para os veículos, tendo morrido porque simplesmente o ônibus desgovernado não parou no sinal vermelho e avançou sobre a calçada, matando-a. Por que ela insistia em ser inglesa em um país colonizado? Naturalmente, o juiz da 23ª Vara Criminal não deve ter feito as reflexões acima.

Um ônibus não se desgoverna, pura e simplesmente, de uma hora para outra. Isso, é claro, não é uma fatalidade.  Quando um carro de um músico foi atingido por 80 tiros de fuzil disparados por soldados do Exército Brasileiro no Rio de Janeiro, um general formado na Academia Militar das Agulhas Negras, declarou que tal fato fora uma fatalidade. Erros ou incompetências produzidos por seres humanos não são fatalidades.  Também um trem não descarrilha de uma hora para outra e talvez o maquinista não tenha culpa por seu descarrilhamento. O que é preciso fazer sempre é apurar as responsabilidades.  

Também um desgoverno de um país não ocorre de um dia para outro, porém é mais fácil averiguar as causas de tal desgoverno. Vamos ilustrar essa explicação, usando uma fábula histórica. Suponhamos que o Brasil seja um país governado pela Cleópatra e que ela tenha sido eleita para administrar e defender esse país. Um dia, acordamos e ficamos sabendo que Cleópatra se apaixonou por César, governante de um país imperial implacável, e decidiu alienar-se de seu direito de governar e entregou a administração de nosso país a César, comprometendo-se em doar toda a produção de trigo como presente ao seu namorado. Então, começamos a nos perguntar: Como pôde isso ter acontecido? Nós elegemos Cleópatra para governar, administrar e defender nosso país. Como pôde ela cometer essa traição? Em nossas indagações, descobrimos que o país estava desgovernado, descarrilhado há algum tempo, pois os pais e avós de Cleópatra haviam permitido que produtores usassem adubos de César nas plantações de trigo e os produtores haviam aceito essa transação como se fosse a coisa mais natural do mundo. Descobrimos também que o Ministro das Relações Exteriores do desgoverno da Cleópatra e os generais do exército eram fãs incondicionais de César e que os produtores de trigo não viram nada de estranho nessas paixões doentias e desenfreadas. Bem, de indagações em indagações, os eleitores de Cleópatra ficaram horrorizados porque descobriram que tinham culpa no desgoverno e pelas atuais desgraças do país. Mais horrorizados ficaram os produtores de trigo.

 

UM PAÍS COLONIZADO E A SUA PATÉTICA SOCIEDADE

                                                                                                                 Isaac Warden Lewis


Numa sociedade escravagista, colonizada, a coisa mais patética era um escravo que considerava natural ser escravo. Do mesmo modo, era patético traficante, senhor e senhora escravagistas considerarem natural e normal escravizar seres humanos em nome de Cristo. Já, numa sociedade colonizada, pseudo independente, como o Brasil que proclamou a independência de Portugal através da proclamação do príncipe herdeiro de Portugal, transferindo a política de colonização e espoliação do Brasil para a Inglaterra, país imperial hegemônico no século XIX, a coisa mais patética era um colonizado que considerava natural ser colonizado. A classe favorecida (traficantes, senhores e senhoras de escravos) do império falido de Portugal acreditava que se tornaria moderna, burguesa sob o império britânico. Ledo engano, pois independência política sem descolonização política é simulacro de independência.

Numa república de um país colonizado, também  proclamada para inglês ver e não para usufruto de cidadãos nacionais, continuou e continua prevalecendo costumes, ideias, práticas desenvolvidas e assimiladas durante o período colonial português, como, por exemplo, as classes emergentes (latifundiários, pequenos burgueses, proletários, camponeses) imaginarem que vivem em um país livre e independente, aliado “voluntariamente” a um país imperial de plantão. Por isso mesmo, as classes favorecidas nunca compreenderam que, numa república democrática, deveria prevalecer a igualdade de acesso a direitos, à justiça e às condições dignas de vida para todos (civis, militares e policiais). 

Nesse contexto pós-colonial, pode ser surpreendente que um descendente de negros/negras africanos/africanas escravizados/as insista em assumir a presidência da Fundação Cultural Palmares, instituição criada para resgatar a verdadeira história de lutas, sacrifícios, vitórias e derrotas de negros/negras na diáspora, afirmando peremptoriamente que a escravidão foi benéfica para os africanos escravizados pela força, violência e desumanidade cristã por traficantes, senhores e senhoras escravagistas interessados na exploração da força do trabalho dos escravizados. Essa declaração de um descendente de africanos/as escravizados/as é patética. É patética também a sua disposição para assumir um cargo de uma instituição que ele considera desnecessária. O Sr. Sérgio Camargo não se limita a ser patético na declaração e ação mencionadas acima. Ele consegue ser ainda mais patético quando afirma ser conservador e burguês. Percebemos que esse cidadão vive na ilusão da mesma forma que os outros membros das classes favorecidas emergentes, pois todos eles não se dão conta de que a pseudo  burguesia brasileira está longe de pertencer a um clube restrito e seleto da burguesia dos países colonizadores.

O Senhor Sérgio Camargo desrespeita os seus antepassados escravizados e todos os antepassados de afro-brasileiras/os que viveram/vivem e lutaram/lutam dignamente para manter vivas sua cultura, sua história e suas tradições. Portanto não se trata de questão de opinião do Senhor Sérgio Camargo. Trata-se, na realidade, de ignorância e pura alienação.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A DISTÂNCIA DA PEDAGOGIA DA ESCOLA E DA SOCIEDADE BRASILEIRA COLONIZADA

                                                                                                               Isaac Warden Lewis

 Vou iniciar dizendo que me sinto imensamente comovido quando alguns analfabetos funcionais e políticos criticam negativamente a obra educacional de Paulo Freire (1921-1997), pois eles confirmam, ingenuamente, que a educação é, de fato, uma ação política. Por isso, vou fazer alguns questionamentos à moda de alguns filósofos e pedagogos com ou sem investidura. Comecemos com Sócrates, filósofo sem investidura e pedagogo sem titulação, que deixou o exemplo pedagógico de fazer perguntas aos seus discípulos para que eles mesmos descobrissem a verdade ou a falsidade de uma afirmação. O outro pedagogo sem titulação e filósofo da educação sem investidura é Paulo Freire que, em suas obras, revelou como a educação produzia, eficiente e politicamente, não só analfabetos absolutos como também analfabetos funcionais. Farei, agora, referência a José Alcimar de Oliveira, filósofo com investidura, padre sem púlpito e pedagogo sem titulação, que nos revela sua competência nessas três áreas cotidianamente. Como filósofo, dialoga constantemente com a própria Filosofia. Como padre, revela-se um monge que manifesta empatia com os próximos ao seu redor, sem deixar de estar atento à vida futura de todos os próximos e, como pedagogo, questiona “a educação à distância precedida pela distância da educação”. Não farei mais referências a outros pedagogos, pois a lista é muito longa e eu teria de chegar a Marx, Engels e Brecht, o que ofenderia muitas mentes extremamente delicadas.

A pandemia  dos coronas exacerba e ilumina as batalhas das lutas de classes presentes nas sociedades colonizadoras e nas sociedades colonizadas. Nessas sociedades, os pedagogos oficiais declaram, por exemplo, que a alfabetização precária prejudicará danosamente o desenvolvimento cognitivo das crianças desfavorecidas. Por acaso, esses pedagogos oficiais olharam ao redor para ver se a alfabetização recebida pelas crianças favorecidas foi melhor do que a oferecida às crianças desfavorecidas? A propósito disso, temos o exemplo de George Bush (o pai) que descobriu que a maioria dos cientistas e doutores dos Estados Unidos eram analfabetos funcionais, pois não conseguiam entender um texto da área de Ciências Humanas, embora fossem bons profissionais nas áreas técnicas e tecnológicas. Outro exemplo é do Haiti. Será que os pedagogos oficiais imaginam que as classes favorecidas desse país e de outros países colonizados são funcionalmente alfabetizados, embora ostentem diplomas de universidades de seus países e de países colonizadores? Os pedagogos oficiais exaltam continuamente a possibilidade de os estudantes aprenderem à distância durante a pandemia e depois da pandemia. Será que esses pedagogos oficiais perguntaram se os estudantes das escolas públicas, particulares ou militares aprenderam a estudar metódica e disciplinadamente ou eles esperam que a didática catequética ou da educação bancária seja suficiente para que os estudantes progridam em seus estudos? No Brasil, há ainda educadores que insistem em adotar a didática e a pedagogia jesuítica adotada na Europa no início da Idade Média e ignoram as didáticas e pedagogias modernas propostas para o ensino das Ciências tanto por educadores laicos quanto por educadores católicos e protestantes no início da Idade Moderna. Os pedagogos oficiais ignoram também as lutas por reformas educacionais no Brasil propostas por educadores brasileiros, laicos e católicos, entre 1920 e 1960, visando democratizar os conhecimentos científicos para a maioria da população brasileira, contrapondo-se à educação como privilégio, vigente desde a chegada dos jesuítas com os invasores portugueses no século XVI. A quem interessa essa educação à distância? Será que a velha questão da qualidade do ensino para todos preocupa os pedagogos oficiais? Basta importar técnicas, tecnologias e procedimentos educacionais de países colonizadores e ignorar propostas criadas por professores, educadores e estudantes de países colonizados que conhecem bem os seus problemas e suas deficiências e estão interessados em  resolver esses problemas e essas deficiências?

Nunca é demais lembrar que militares de países colonizados da América Latina, que foram para os Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial, trouxeram para os seus países práticas policiais e militares prejudiciais a seus países e, em especial, aos cidadãos desses países. Esses militares foram funcionalmente alfabetizados? Os políticos que enviaram esses militares para “missão de paz” demonstraram ser funcionalmente alfabetizados?  Também, é bom perguntar que qualidade de educação democrática os Estados Unidos ensinam aos seus jovens, os quais, depois de formados, entram em um avião para despejar bombas sobre países do Oriente sem nenhum remorso?

Nos cem anos de nascimento de Paulo Freire, todos os brasileiros que amam seu país e respeitam a soberania de todos os países do mundo têm motivos para se orgulharem do educador brasileiro e universal, nascido em Pernambuco, no dia 19 de setembro de 1921.

 

 

terça-feira, 8 de setembro de 2020

DREAMING TO BE A BIRD

Isaac Warden Lewis

 

I would like to be a bird

to fly everywhere with my own wings

instead of remaining in one place.

 

I would like to be a bird

in order to feed myself with what I find on earth

instead of being a slave to get something to eat.

 

I would like to be a bird

in order to be able to endure rain and sun

instead of living in a shelter like a prisoner.

 

I would like to be a bird

to go and come at any time,

not worrying myself with the 

meaning of the word “freedom”.

 

I would like to be a bird

in order to make a nest for my little birds

with de materials that I find in nature

without having to pay for them.

 

I would like to be a bird

to be equal to all birds

not being richer nor poorer than they.

 

I would like to be a bird

to have only what I need,

instead of having things and more things.

 

I would like to be a bird

to lead a simple way of existence

instead of having to bear the oppression

and the bondage of human life.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

THE GIFT OF THE PLANTS

                                                                                  Isaac Warden Lewis

 

When the gardener wants a garden,

he chooses a piece of land, he manures it.

Then, he selects the seeds and plants them.

 

When the little plants are born,

he gives them water and affection.

And begins to prune them lovingly.

 

In retribution to his care,

the plants give him the flowers

And the garden that he wanted.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

AS REFORMAS NA SOCIEDADE BRASILEIRA COLONIZADA

 

                                                                                                    Isaac Warden Lewis

 

Desde que o Brasil tornou-se supostamente independente, segundo alguns políticos pertencentes às classes favorecidas no tempo em que o país era uma colônia de Portugal, sendo este país também colônia não declarada da Inglaterra e orientada por interesses capitalistas de países europeus (Inglaterra, França, Holanda, Bélgica), letrados e políticos luso-brasileiros propuseram reformas e reformas para inúmeros aspectos institucionais e estruturais da sociedade brasileira, colonizada antes e depois da proclamação da independência. Nós sabemos que, para reformar uma casa, é preciso, primeiro, verificar as condições de moradia da casa, a qualidade de suas estruturas, dos materiais que compõem o arcabouço do prédio e  do solo em que a casa foi construída, para, depois, sugerir as reformas necessárias para o prédio a ser reformado.

Acreditamos que, para reformar itens institucionais e estruturais de uma sociedade, é preciso observar os requisitos necessários para reformá-los, adotando os mesmos procedimentos para a reforma de uma casa. Ao não fazerem isso, os políticos e os letrados acabam repetindo realizações que não mudam nada, como as reformas realizadas no Brasil Colônia, Brasil Império e no Brasil República até os dias atuais. Podemos perceber isso nas ações e documentos produzidos por políticos, militares, juízes, juízas, ministros, secretários de estado etc. nos dias atuais. Comecemos do início. Em 1494, o papa Alexandre VI (família Borgia) dividiu as terras a serem encontradas a 370 léguas de Cabo Verde entre o reino da Espanha e o reino de Portugal. Uma aberração! O rei de Portugal passou a considerar toda a terra encontrada no território brasileiro como sua. De 1500 a 1822, os funcionários públicos a serviço de Portugal (governadores, auditores, juízes, militares, políticos, policiais, padres) foram instrumentalizados para administrar essa terra e os interesses do rei de Portugal. Os políticos que referendaram a independência de Portugal fizeram muitos projetos e muitas reformas para o país independente, porém não aboliram o conteúdo da bula do papa corrupto e nem devolveram as terras dos indígenas usurpadas pelo rei de Portugal. Também não aboliram os conteúdos das ordenações que discriminavam negativamente povos nativos com base em estudos de pseudocientistas europeus. Todas as reformas feitas no império e na república não surtiram efeitos para os povos descendentes dos indígenas e dos africanos, de tal sorte que todas as reformas vinculadas às reformas estruturais, como a da educação, do bem estar da população e de sua segurança permanecem como letras, somente letras, o que nos faz lembrar um trecho da peça teatral, “Hamlet”, de William Shakespeare, em que um personagem pergunta a Hamlet o que ele estava lendo. Hamlet responde: “palavras, palavras”.  Para nós, esse país parece mais um estado burocrático de direito do que um estado democrático de direito. Esse estado burocrático se orgulha de suas universidades (que mais parecem um conglomerado de escolas superiores, no dizer de Florestan Fernandes) que produzem desembargadores/as, juízes/as que se pronunciam publicamente ou elaboram suas sentenças com base em ideias preconceituosas contidas nas ordenações joaninas, manuelinas ou felipinas. Os governadores e secretários de segurança do Amazonas ao Rio Grande do Sul, passando por São Paulo (locomotiva do país!), e pelo Rio de Janeiro (cidade maravilhosa!), têm sido incompetentes para punir policiais e políticos que cometem crimes e abusos de autoridade. Houve e ainda há discussão sobre a necessidade de formação universitária para os jornalistas, porém temos visto que um bom número desses profissionais consideram as classes política, militar e policial incapazes de cometerem crimes e injustiças. Jornalistas, juízes e outros profissionais liberais que expressam ideias do senso comum  não  precisavam cursar um curso superior. Aos governadores, juízes, militares, policiais, secretários de estado e jornalistas, é bom lembrar que no Brasil Colônia, esses funcionários existiam para perseguir os nativos indígenas, os nativos africanos e os plebeus portugueses e estrangeiros, enfim todas as classes desfavorecidas, conforme determinavam as ordenações publicadas pelos reis de Portugal. As caravelas que saíram de Portugal traziam navegadores e soldados armados para combater gentes desarmadas, consideradas previamente inimigas do reino português.

Os serviços públicos do estado burocrático de uma sociedade colonizada precisam ser analisados de acordo com a filosofia (ou mais precisamente, a ideologia) que orienta a sua aplicabilidade. A proposta de reformá-los precisa considerar por que e para quem tal reforma está sendo feita. A primeira questão a ser colocada é saber se tal reforma será a primeira ou se já houve alguma reforma dos serviços prestados pelo estado que foi totalmente inócua. Começaremos perguntando sobre a condição do estado burocrático de direito atual. O Brasil e o estado do Maranhão, Grão-Pará e Ceará constituíam dois estados ligados diretamente ao reino português, o primeiro desde 1549, quando da criação do governo geral, e o segundo quando foi criado em 1619. Estes dois estados tinham burocracia estatal (governo, câmara de representantes, autoridades militares, jurídicas e policiais) que existia em função dos interesses das classes privilegiadas europeias. As classes favorecidas e as classes desfavorecidas deveriam contribuir com suas atividades para enviar recursos e riquezas para a metrópole. Os recursos e a riqueza produzidos pelas classes desfavorecidas nacionais serviam para manter condições e privilégios das classes favorecidas nacionais e das classes privilegiadas portuguesas. Cabia às classes favorecidas administrar os aparelhos do estado burocrático de direito em seu próprio favor e em favor das classes privilegiadas de Portugal. Cabia às classes desfavorecidas trabalhar, trabalhar, produzir, produzir, para que as classes favorecidas e as classes privilegiadas usufruíssem o produto do trabalho das classes desfavorecidas. Quem vai fazer as reformas? Os luso-brasileiros são confiáveis para fazer reformas para um país que continua colonizado? Talvez seja hora de os luso-brasileiros consultarem os povos indígenas que já sabiam administrar os recursos naturais dessa terra muito antes de entrarem em contato com a  pseudo civilização e o pseudocristianismo trazidos pelos portugueses do século XV, ideias e conceitos  remanescentes do período medieval português, propagado pelos jesuítas a serviço dos colonizadores. É bom lembrar que, no século XIX, os aprendizes de cientistas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro estavam preocupados com o futuro da nação brasileira, considerando os poucos conhecimentos civilizatórios dos descendentes dos nativos indígenas e africanos. Eles se esqueceram  de analisar  os comportamentos pseudo civilizatórios dos luso-brasileiros, incluindo os próprios aprendizes de cientistas. Hoje, os nativos dos descendentes indígenas e africanos podem realizar a análise esquecida pelos aprendizes de cientistas no século XIX.

 

 

O ESTUDANTE E O ESTUDIOSO

                                                                                                           Isaac Warden Lewis

    Cláudia Pereira e Cláudio Pereira eram irmãos e estudavam em uma escola municipal. Suas atitudes e interesses eram diferentes. Moravam em uma casa grande, confortável. Seu pai, Senhor Cláudio Pereira da Silva, era artesão, produzia obras de arte e gostava de ler e era apaixonado por livros, em especial, livros que revelavam a história da ciência.

    A jovem Cláudia Pereira via os livros de seu pai como objetos, coisas como outras quaisquer. Todos os dias, ao retornar da escola, ela jogava sua pasta, contendo os livros, sobre uma mesa em seu quarto e só lembrava da pasta e dos livros no outro dia, na hora de ir para a escola. Mas ela sabia tudo sobre a programação de bailes, espetáculos e divertimentos que ocorreriam no final da semana. Conversava com suas amigas sobre a programação do final da semana e ficava sabendo quem iria e quem não iria. Depois disso, seu tempo era preenchido com a preocupação em aprontar o vestuário, sua aparência e preparar um repertório de informações para transmitir as suas amigas nos eventos semanais.

    O jovem Cláudio Pereira interessava-se pelos livros do seu pai. Estava sempre folheando um livro e escolhendo um para ler. Ao retornar da escola, arrumava seus livros e cadernos sobre a mesa e avaliava as tarefas escolares que deveria dar mais atenção. Sempre procurava ler sobre um assunto que este ou aquele professor abordaria na próxima aula. Quando ele se reunia com seus poucos colegas, todos discutiam e discorriam sobre um assunto de um livro que estavam lendo ou sobre os acontecimentos políticos do país ou notícias de guerra em algum país, ou ainda obras literárias de autores nacionais ou universais ou sobre a história da ciência.

    Sua irmã percebia essas reuniões com uma certa estranheza e tinha a impressão de que seu irmão e os seus colegas imaginavam estar numa sala de aula, cumprindo tarefas escolares sem a mínima necessidade de despender tal esforço. Ela se perguntava para que discutir sobre política, guerra, revolução.  religião, ciência ou história. Para Cláudia Pereira, bastava a compreensão de um conhecimento repassado por um sacerdote para a sua vida. Ela não entendia por que seu irmão insistia em dizer que o leitor deve fazer o esforço de aprender a construir um conhecimento da realidade e não simplesmente assimilar um conhecimento pronto da realidade.

    Numa noite, Cláudia Pereira preparava-se para ir a um baile com suas amigas. Ao passar pelo quarto do irmão, ela percebeu que ele estava lendo um livro como sempre. Ela lhe perguntou: ‘Mano, você não se diverte?”

    – “Quem lhe disse que eu não estou me divertindo.”, respondeu Cláudio Pereira.

 

 

 

Manaus, agosto, 2020

domingo, 2 de agosto de 2020

SOCIEDADES COLONIZADAS: PARA QUE SERVEM?

 Isaac Warden  Lewis

 

Setores da sociedade luso-brasileira (classes favorecidas, classes desfavorecidas, classes emergentes) manifestam sua perplexidade com relação à violência, discriminação e à barbaridade, perpetradas por instituições públicas (governos, secretarias de segurança, órgãos jurídicos e de segurança – militar e policial) contra moradores de favelas, de comunidades de povos nativos (tanto do Brasil quanto dos países onde participam em “missões de paz da ONU”, porém nunca questionaram a bula papal que cedeu as terras a serem encontradas por navegadores espanhóis e portugueses aos reis da Espanha e de Portugal. Essa bula papal possibilitou as covardes violências praticadas pelos europeus contra os povos nativos que habitavam, há centenas e centenas de anos, o território, que passou a ser chamado de América. Os referidos setores luso-brasileiros nunca anularam as determinações da referida  bula, envidando esforços para devolver aos indígenas as terras usurpadas pelos portugueses e seus descendentes.

Os setores da sociedade luso-brasileira também declaram sua perplexidade com relação à desigual distribuição de renda entre as classes favorecidas e as classes desfavorecidas, à concentração contínua de renda dos setores favorecidos e à pauperização contínua dos setores desfavorecidos, porém nunca questionaram as discriminações negativas e os conhecimentos preconceituosos contra os nativos da América, da África e da Ásia contidos nas ordenações editadas pelos reis de Portugal para orientar e ordenar a vida social e produtiva nas colônias portuguesas na América e na África. As ordenações do reino português negavam aos nativos da América e da África o acesso à terra, a serviços e a cargos na vida social das colônias. Os setores da sociedade luso-brasileira, na prática cotidiana, nunca se preocuparam em anular tais discriminações e conhecimentos preconceituosos, perpetuando-os nos ordenamentos jurídicos elaborados depois da Proclamação da Independência (1822), da Proclamação da Abolição da Escravatura (1888) e da Proclamação da República (1889). Os setores favorecidos da sociedade brasileira apreciam  fazer proclamações.

A sociedade luso-brasileira tem negado direito à vida e à terra aos nativos que já habitavam o território brasileiro há milhares de anos antes da chegada dos portugueses, ou seja, a sociedade brasileira comete crime contra a humanidade com relação aos povos  indígenas. A ONU – Organização das Nações Unidas – já deveria ter intervido nessa questão há muito tempo, em vez de solicitar ajuda militar do governo brasileiro para que  os mesmos crimes sejam cometidos em outros países.

Setores da sociedade colonizada brasileira consideram-se europeus, civilizados, diferentes dos setores de outras sociedades colonizadas da América Latina ou da África, porém não explicam por que há tantas semelhanças nas práticas políticas, sociais, jurídicas e policiais entre o Brasil e os outros países colonizados, como, por exemplo: 1) todos os países colonizados implantaram estados burocráticos de direito formalmente, seguindo e acatando orientações de metrópoles colonizadoras. 2) Os países colonizados mantiveram constituições e instituições que protegem mais os interesses de investidores das metrópoles colonizadoras do que os interesses e os direitos dos cidadãos de seus países.  3) Líderes políticos luso-brasileiros comportam-se do mesmo modo que outros líderes de países da América Latina, denominados de republiquetas da banana. 4) O sistema educacional (escolas públicas, escolas privadas e escolas militares) dos países colonizados mais deforma as mentes dos educandos do que os forma para o desenvolvimento de seu conhecimento crítico da realidade natural, social e política do país em que vivem. Muitos estudantes que terminam o ensino fundamental como analfabetos funcionais conseguem prosseguir estudos, tornando-se policiais, advogados, juízes, militares, políticos, professores, médicos e, às vezes, até ministros. Evidentemente que há exceções brilhantes e honrosas, porém tal sistema educacional produz profissionais incompetentes, irresponsáveis e ignorantes. Concordamos, pois, com Darcy Ribeiro quando diz que “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”

Por tudo isso, grassam nas sociedades colonizadas a corrupção política, a violência  institucional, policial, militar, o desrespeito aos direitos universais da pessoa humana, a barbárie, a ineficiência dos sistemas político e jurídico para punir e coibir a corrupção, a violência e os abusos das autoridades, muitas vezes praticadas por funcionários (políticos, juízes, policiais, promotores) que deveriam zelar pelos direitos universais. Parafraseando Darcy Ribeiro, concluímos que não há crise política, social, jurídica, militar e policial, há, sim, um projeto que vem sendo executado desde a proclamação da independência pela sociedade luso-brasileira colonizada.