sexta-feira, 16 de setembro de 2022

UM INSPETOR GERAL PARA UM PAÍS COLONIZADO

                                                                                                              Isaac Warden Lewis

 

Nicolai Gogol (1809-1852) escreveu uma peça teatral, na verdade, uma comédia que refletia bem o contexto social e político da Rússia no século XIX. Enquanto, na Europa Ocidental,  Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Giordano Bruno e Johann Kepler haviam  pesquisado, provado e comprovado que a Terra e os outros planetas com seus satélites giravam em torno do Sol; os filósofos do Iluminismo, como Jean-Jacques Rousseau, Voltaire, Diderot, Jean d’Alembert haviam enunciado que a sociedade humana era obra dos seres humanos e não de nenhum deus; Cientistas, como Louis Pasteur, haviam pesquisado, provado e comprovado que as doenças eram provocadas por vírus ou bactérias e não por vontade de deus ou do demônio e recomendavam práticas de higiene não só de médicos como de seus pacientes. Alguns cientistas foram ainda mais longe, criando vacinas para prevenir doenças letais; a revolução industrial (1780) na Inglaterra e a revolução francesa de 1789 haviam ensinado aos seres humanos que a sorte, o destino, o futuro, o desenvolvimento, a melhoria ou a piora da sociedade eram responsabilidades dos próprios seres humanos e não de nenhuma divindade, na Rússia, os seres humanos insistiam em viver na crença de que o mundo feudal era o melhor dos mundos e que a sociedade era produto da fé e não da razão; a religião era o sol maior de suas vidas e a doutrina religiosa, construída por sacerdotes e patriarcas antigos e ignorantes era o melhor conhecimento do mundo. Por isso, a maioria das pessoas das classes privilegiadas, favorecidas e desfavorecidas russas não via necessidade de pensar em mudanças.

No século XIX, a Rússia era governada pelo Czar Nicolau I. Seu reino era administrado por funcionários corruptos e incompetentes em todos os setores públicos e privados. Políticos, juízes, professores, médicos, padres, policiais, latifundiários, comerciantes, chefes de polícia, aposentados, prefeitos, governadores, e, naturalmente, czares. Todos trabalhavam como se seus setores funcionais fossem suas propriedades e, por isso, cobravam propinas para fazerem suas obrigações e deveres.

A peça de Gogol, “O inspetor geral” retrata essa situação em uma aldeiazinha, quando o prefeito é alertado por uma carta de que um inspetor geral, viajando incógnito pelo país, poderia chegar a qualquer momento para verificar, analisar as atividades desenvolvidas pelos funcionários para atender a demanda da população da referida aldeia. Esses funcionários entram em pânico. Reúnem-se para deliberar o que fazer. Nesse ínterim, chega, na aldeiazinha, um viajante que é confundido com  “o inspetor geral”. O viajante era um vigarista e se faz passar pelo “enviado”, o aguardado “inspetor geral”. No final, os corruptos descobrem que se equivocaram. O viajante não era o “inspetor geral”.

Esta história nos faz lembrar o país colonizado em que vivemos, pois sua história está mais para uma farsa ou, talvez, uma tragédia, muito similar à peça de Gogol. A história desse país colonizado pode ser definida como um país construído de corrupção, distorção, mentira, falsificação desde sua invenção. Descobrimento de terra e de habitantes que eram desconhecidos dos invasores portugueses. Metodologia de ignorância propositada dos conhecimentos desses habitantes  sobre o meio em que viviam há milhares de anos. Práticas de violência, iniquidades, hipocrisias e desumanidade cristã contra os nativos. Práticas de corrupção dos funcionários do rei desde o momento em que chegaram para administrar terras alheias.. Invenção de independência para beneficiar as classes favorecidas que sempre serviram como lacaios dos colonizadores. Invenção de república para continuar gerindo a terra como uma feitoria colonial. Ensino de ciência distorcida e mistificada com visões religiosas construídas há mais de seis mil anos por sacerdotes e patriarcas ignorantes.  Práticas políticas corruptas por parte de funcionários (preferencialmente) do alto escalão, juízes, políticos, militares, chefes de polícia, secretários de governo, generais, ministros, policiais que legislam (principalmente) em causa própria e não pela causa democrática. Percebemos que o país colonizado, chamado Brasil, parece-se com a Rússia do século XIX ou a China do tempo dos mandarins, daí porque certos luso-brasileiros e descendentes de estrangeiros,  conservadores e adeptos da liberdade para corrupção,  não gostam do comunismo ou do socialismo que executa sem parcimônia ladrões do erário público.

Nesse contexto, os vigaristas, falsários e embusteiros adoram seguir carreiras públicas. Surgem jurando que pretendem acabar com a corrupção se forem eleitos. O inacreditável é que existem eleitores que adoram ser enganados por vigaristas, falsários e embusteiros. Não se perguntam como pode um vigarista ou um falsário ou um embusteiro acabar com a corrupção depois de passar a vida toda apropriando-se de recursos alheios, públicos? Não percebem que tais personagens deveriam ter sido presos há muito, muito tempo. Políticos, padres e pastores vigaristas. Juízes,  advogados e médicos ignorantes. Generais e ministros falsários. Delegados e policiais corruptos Todos precisam ser rigorosamente investigados por um Inspetor Geral. Na epígrafe da peça de Gogol, está escrito: “A CULPA NÃO É DO ESPELHO SE A CARA É TORTA”

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segunda-feira, 8 de agosto de 2022

AOS PAÍSES COLONIZADOS; UM DITADO MILENAR, UNIVERSAL E POPULAR

                                                                                                         Isaac Warden Lewis*

“Quem com ferro fere, com o ferro será ferido”. As classes favorecidas e desfavorecidas de países colonizados deveriam prestar mais atenção aos ditados universais e populares, conhecidos desde a Antiguidade porque o mundo é redondo, como foi comprovado por estudiosos e cientistas, como Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Johanes Kepler e Giordano Bruno durante a Renascença na Europa. E contra os fatos examinados, verificados e provados, não há nenhuma divindade que possa mudá-los. Aprendemos, com isso, que todo mistério pode ser desvendado, desvelado e explicado.  Somente os tolos, que costumam seguir tolos, vigaristas e chalartões, não conseguem entender as leis da natureza, exposta através da Ciência. No Brasil, país colonizado por excelência, várias pessoas das classes favorecidas e das classes desfavorecidas pregam políticas igualitárias para si e políticas de desigualdade para os outros e não percebem que, ao admitirem isso, estão, na verdade, propondo e admitindo políticas de desigualdade para todos. Os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil no século XVI, trazendo ideias  pré-históricas, medievais, discriminando negativamente povos da América, África e Ásia com o intuito de se apossarem de seus  territórios , dos recursos minerais e vegetais desses territórios através da violência e da exploração violenta da força de trabalho da população que vivia nesses continentes. Alguns luso-brasileiros e europeus desavisados aceitaram essas práticas violentas eurocêntricas como normais, não percebendo que tais práticas também valiam para atingi-los. É que os luso-brasileiros, os católicos e os evangélicos alienados e ignorantes preferiram ignorar as críticas religiosas feitas pelos reformadores contra a Igreja Católica Apostólica Romana, os princípios defendidos pelos filósofos do Iluminismo francês contra os privilégios da nobreza feudal, as lutas dos revolucionários franceses em favor de uma sociedade justa e igualitária, a crítica do modo de produção capitalista feita pelos filósofos e revolucionários marxistas a partir do século XIX.

Para as classes favorecidas da sociedade brasileira, o Brasil tinha de continuar a ser uma feitoria colonial para atender as metrópoles capitalistas europeias ou norte-americanas e garantir seu papel de lacaios para administrar política, militar, jurídica e policialmente a sociedade brasileira, mantendo a violência, a injustiça e a desigualdade social construídas pela sociedade medieval portuguesa a partir de 1500.

A proclamada independência política de 1822 não aboliu a política autoritária, medieval, colonialista e discriminatória praticada por autoridades políticas, militares, jurídicas e policiais luso-brasileiras que insistiram com práticas conciliadoras que mantêm a sociedade injusta e desigual. É hora de combatermos as políticas conciliadoras entre opressores e oprimidos. Precisamos fazer nossa opção pelos oprimidos e combater vigorosamente os que fazem a opção pelos opressores.

 

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quinta-feira, 21 de julho de 2022

A FLECHA E A LANÇA EM PAÍSES COLONIZADOS

                                                                                                   Isaac Warden Lewis

 

O poeta norte-americano Henry Wadsworth Longfellow (1807-1882) escreveu o seguinte poema “The arrow and the song” (A flecha e a canção):

“Atirei uma flecha para o ar/Caiu na terra, Não sei onde;/Pois, tão rapidamente ela voou, a vista/Não pôde segui-la em seu vôo.

Assoviei uma canção para o ar,/ Ela caiu na terra. Não sei onde;/Pois, quem tem visão tão penetrante e forte/Que possa seguir o vôo de canção.

Muito, muito tempo depois em um carvalho/Encontrei a flecha, ainda inteira./E a canção, do início ao fim,/Achei novamente no coração de um amigo.”

Este poema revela um poeta romântico e idealista, o que explica seu poema não dar conta de que no mundo físico , real,  toda ação produz reação contrária igual à força dispendida, o que significa dizer que tudo que é lançado pelo homem retorna a ele de algum modo, independentemente de sua vontade. É verdade que se ele age bem sobre o mundo e os seres no mundo, ele colherá o bem que ele semeou. Por outro lado, se ele age mal sobre o mundo e os seres do mundo, ele estará produzindo males para todos os seres do mundo e também para si mesmo.  

No período colonial, os capitalistas do mundo ocidental estabeleceram que a terra e os produtos dela deveriam ser apropriados por capitalistas e, com isso, têm degenerado a vida sobre a terra para todos. Agora, querem investir na exploração do mundo extraterrestre para fazer a mesma coisa. No Brasil, os portugueses e os luso-brasileiros (classes favorecidas), vinculados aos interesses das classes privilegiadas do capitalismo ocidental, agiram com subserviência, apropriando-se violentamente de terras ocupadas milenarmente por indígenas, escravizaram nativos da América, África e Ásia, devastaram terras e seus produtos naturais para entregá-los ao capitalismo europeu e norte-americano. Inventaram um país semi-independente, mais burocrático do que democrático, para continuar a exploração da terra e a espoliação dos nativos americanos, africanos etc, através da criação de castas políticas, militares, policiais, jurídicas para legitimar a exploração e a espoliação referidas acima.

Os protocolonizadores luso-brasileiros têm dificuldades em entender as leis da natureza que punem os seres humanos que agem mal e estupidamente sobre o mundo e os seres que vivem nele. De qualquer modo, o poema The arrow and the song, de Longfellow, revela um poeta sensível com relação ao mundo em que ele vivia. Do mesmo modo, brasileiros como Bruno Pereira, o inglês Dominique Philips, o religioso Júlio Lancellotti, o ambientalista Leonard Boff têm cumprido o papel de nos alertar sobre os efeitos dos males sobre o mundo e os seres produzidos por seres humanos gananciosos. Desde o início da colonização portuguesa, nativos da América, África, Ásia criticaram e condenaram os crimes contra a sua humanidade produzidos pelos colonizadores europeus e norte-americanos. Os depoimentos de descendentes de luso-africanos têm mostrado que os colonizadores portugueses cometeram os mesmos crimes tanto na África como no Brasil. Por isso, a maioria das classes desfavorecidas brasileiras nada tem a comemorar nos duzentos anos da independência do Brasil de Portugal.

                          

    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 9 de julho de 2022

A MANSÃO

                                                                                                             Isaac Warden Lewis

 

A casa de Roberto Ferreira, mais conhecido como Beto Fera, localizava-se no final de uma longa rua, que subia até uma colina, em um bairro do Rio de Janeiro. Em cima da colina, destacava-se a casa de Beto Fera. Os vizinhos, em geral, trabalhadores pobres, que lutaram arduamente para construir suas casas para abrigar sua família e numerosa prole, chamavam a casa de Beto Fera de mansão. Ninguém conseguia explicar como essa casa, dentre tantas naquele bairro, naquela rua, merecera a distinção, dada pelos vizinhos e vizinhas. O curioso é que essa casa virou referência até para os comerciantes do bairro e de outros bairros adjacentes, pois quando um vizinho ia comprar mercadorias em uma loja que precisasse fazer a entrega das compras, o vendedor perguntava pelo nome da rua, o número da casa: O comprador respondia, com orgulho: “ rua Bela Vista, sem número”. O vendedor pedia, então, uma referência. O comprador respondia quase que invariavelmente: “”A minha casa é a antepenúltima antes da mansão do Beto Ferreira” ou “Minha casa fica ao lado da mansão do Beto Fera” e assim por diante.

Ninguém conseguira entender também porque aquela rua se chamava Bela Vista, dado que a rua não apresentava vista bela ou coisa parecida. Mais surpreendente era o nome específico da quadra de ruas daquele bairro. Geralmente os moradores acrescentavam que a rua Bela Vista ficava no “Jardim da Felicidade”. Que felicidade poderia haver naquele bairro?, se levarmos em consideração que aquele bairro era tranquilo antes da chegada dos portugueses no século XVI. Ali, viviam os índios Tupinambá, que foram massacrados pelas tropas de Mem de Sá, o qual viera da Bahia para combater os franceses que pretendiam fundar uma colônia francesa na Baía da Guanabara. Como os Tupinambá eram aliados dos franceses e odiavam os portugueses, eles se tornaram alvos preferenciais dos portugueses, os quais gostavam de descarregar suas armas de fogo contra índios que lutavam com arco e flecha. Isso é a história colonial.  Essa tradição covarde se perpetuou no Brasil república. As polícias, as forças armadas, sob o comando de oficiais luso-brasileiros, continuaram invadindo bairros pobres, operários, comunidades quilombolas e indígenas, descarregando suas armas de fogo, em nome da “ordem e progresso” contra populações desarmadas, com apoio de juízes, políticos e da lei republicana.

A população testemunhava esses fatos históricos que aconteciam como se fosse uma fatalidade, um destino, um fato natural ou normal. Um aviso ou alerta percorria a comunidade, informando que, naquele dia, haveria abordagem policial e todos os homens, todas as mulheres e crianças deveriam ficar alertas. Os moradores ficavam mais preocupados do que alertas. Às dez ou às onze horas, um carro com um oficial e alguns soldados montados em uma camionete, fortemente armados, ao lado de uma potente metralhadora, subia a rua em direção à colina. Meia hora depois, o veículo descia. A vida voltava ao normal. Não houve nenhuma abordagem. Era apenas uma visita de negócios entre os policiais e o Beto Fera em sua mansão. Os policiais foram visitá-lo para receber a propina que ele lhes devia. Beto Fera era conhecido como poderoso comerciante de drogas pelos policiais, juízes e outras autoridades políticas que permitiam o seu monopólio comercial e de tráfico de drogas naquela comunidade. O comunicado que circulara de manhã cedo na comunidade não fora endereçado aos pobres moradores e sim para o Beto Fera, que deveria ficar alerta para atender bem os policiais em sua missão pacificadora.

E, assim, por muitos anos, Beto Fera reinou em sua mansão, situado na rua Bela Vista, no Jardim da Felicidade e bairros adjacentes. Ele se tornou também uma espécie de delegado nessas comunidades. Ele não permitia roubos, assassinatos, crimes em sua jurisdição. Quando algum morador se sentia violentado por algum criminoso, ele se dirigia ao Beto Fera que mandava investigar a procedência do delito e punia severamente o causador do crime. Todo morador sabia, de antemão, que não adiantava se dirigir à delegacia de polícia do bairro, a qual, geralmente, ignorava as reclamações dos moradores pobres.

Um dia, os moradores foram surpreendidos com a morte de Beto Fera. Ao voltar para casa à tarde no dia anterior, um carro aproximou-se de seu carro e dois pistoleiros saíram e atiraram em Beto Fera, que não teve tempo de se defender. À noite, o corpo foi velado na mansão. Que mansão? Os moradores perceberam que as paredes da mansão não era embuçadas, assim como não eram as paredes internas, o piso era terra batida, os dois banheiros eram precários. A viúva, a segunda mulher de Beto Fera, declarou que ele pretendia terminar de fazer os acabamentos da casa. “Agora, não sei o que fazer. A primeira esposa me comunicou que quer vender a casa, alegando que tem direito ao espólio do ex-marido. Todo dinheiro que ele ganhou foi entregue aos policiais e juízes corruptos dessa cidade, embora a vizinhança imaginasse que vivíamos bem. Que vida miserável.. Essa mansão é tão precária quanto foi a vida de Beto Fera. Ele vivia com medo. Afinal, não sabemos se ele foi morto a mando de algum comparsa do crime ou de alguma autoridade policial”.

 

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Manaus, Maio de 2022.

quinta-feira, 23 de junho de 2022

MULHERES EM SÉRIE

                                                                                                          Isaac Warden Lewis

                                                                           I

Juliano Ferreira, um homem negro de sessenta anos, vivia preocupado, angustiado. Homem de poucos amigos, na verdade, de nenhum amigo e de muitos colegas que gostavam de beber cerveja e acompanhar jogos de futebol. Juliano Ferreira não sentia prazer em se reunir com seus colegas. Pensava nos seus relacionamentos, mais precisamente, nos seus três falidos casamentos. Resumia sua experiência da seguinte maneira: mulheres em série, como produtos de fábrica.

A primeira mulher teve duas filhas. Ele viveu quinze anos com ela e as filhas. Juliano e a primeira mulher brigavam constantemente sobre educação das filhas. Juliano Ferreira entendia que educação era coisa séria e uma ação para toda a vida. Sua esposa entendia que as filhas deveriam ser tratadas como crianças por toda vida e cobrava do marido festas e presentes para agradar as filhas. Juliano Ferreira tentou convencer a primeira esposa que era papel dos pais conversarem com as filhas sobre trabalho para atender as necessidades e carências humanas e que o mundo não deveria se resumir em festas e presentes e quem gostava de festinhas e presentes eram os animais de quatro patas. Sua primeira esposa ofendeu-se com as lições do marido e resolveu abandoná-lo. Desapareceu com suas filhas. Juliano Ferreira acabou se conformando. Pensou que era melhor viver só do que mal acompanhado.

 

II

Mas surge a segunda mulher. Ela também era separada e tinha três filhos. Depois de muito conversarem sobre seus fracassados relacionamentos, Juliano passou a viver com a segunda mulher e seus três filhos. No início, Juliano imaginou que tudo seria maravilhoso. Ele pensou em educar sua nova família, falando sobre a situação miserável do país em que viviam. Disse-lhes que o Brasil era um país de apartheid não declarado. A sociedade brasileira era excludente, desigual e que o poder político existia para o benefício das classes favorecidas e discriminava negativa e continuamente as classes desfavorecidas e isso era observado na contínua concentração de renda a favor de poucas pessoas e a pauperização continuada da maioria das pessoas das classes desfavorecidas. Juliano Ferreira explicou que, nessa circunstância, ele e todos iguais a ele tinham de trabalhar muito para viver razoavelmente, sem luxo, sem vaidade, sem desejos irracionais.  Talvez a segunda mulher não tenha conseguido entender ou não quis entender as lições políticas e sociais de seu companheiro e logo, bem logo, começaram as cobranças. Ela disse ao Juliano que ele não manifestava simpatia pelos afilhados, parecia mesmo não gostar deles. Juliano Ferreira sentiu-se incompreendido, tentou justificar-se, tentou dizer a sua segunda companheira que ele não ganhava o suficiente para comprar um celular para cada um de seus afilhados se divertir com jogos idiotas que não educavam ninguém, nem crianças, nem adultos. A segunda mulher passou a viver triste, sempre de mau humor, não queria conversar, disse que não queria saber de política, educação, desigualdade e, muito menos, de pobreza e miséria na sociedade brasileira. Juliano Ferreira não conversou mais com a sua nova família.  Sua segunda mulher resolveu partir com os filhos depois de conviver três anos  com Juliano. Ao ficar só mais uma vez, ele decidiu que jamais se casaria.

 

III

Entretanto Juliano Ferreira cometeu o erro de comparecer a uma festa na casa de seu vizinho. Nessa festa, ele conheceu sua terceira mulher. Ela também era separada, tinha dois filhos e duas filhas. Todos eram adolescentes e estudantes. Juliano passou a viver com a terceira mulher e seus filhos e filhas. Inicialmente, ele acreditou na maturidade de sua nova família e imaginou que todos seriam felizes. Para melhorar o relacionamento com a sua nova família, Juliano Ferreira começou a conversar com seus afilhados sobre a importância do estudo, ressaltando que eles deveriam pensar em construir seu conhecimento tanto sobre a realidade natural quanto a realidade social. Disse a eles que estudar é uma atividade séria que exige esforço e dedicação. Disse-lhes que não deveriam ver estudo como possibilidade de ganhar coisas e sim como possiblidade de compreender o mundo, os problemas do mundo, as lutas, as descobertas, as invenções, as conquistas realizadas por homens e mulheres ao longo da história.

Entrementes, a terceira mulher começou a ficar de mau humor toda vez que Juliano Ferreira conversava com os afilhados e estes, por sua vez, pareciam felizes com as suas lições. Numa dessas conversas, a terceira mulher dirigiu-se ao Juliano, chamando-o de filósofo e acusando-o de incutir ideias nocivas na cabeça de seus filhos. Disse ainda que ele estava estragando a educação que ela havia lhes dado de ser alguém na vida e de estudar para ganhar muito dinheiro e que todo estudante brasileiro deseja isso e mais nada dessa coisa de trabalhar para o bem da humanidade e blá, blá, blá. A temperatura do mau humor da terceira esposa aumentou quando a filha mais velha manifestou-se a favor de seu padrasto, dizendo que ele ajudava ela e seus irmãos a pensaram sobre o futuro de suas vidas. Com isso, a terceira mulher virou-se para Juliano Ferreira e disse-lhe para ir embora porque ela não iria aceitar que ele desviasse o comportamento de suas filhas e de seus filhos. Disse-lhe para arrumar suas coisas imediatamente e sair de casa antes que ela atirasse tudo na rua. Juliano Ferreira levantou-se, despediu-se de seus afilhados, da sua nova família, arrumou suas coisas e partiu. Desde então, Juliano Ferreira vive desgostoso, quer saber onde ele errou, pensa nos seus relacionamentos e conclui que as mulheres estão sendo produzidas em série.

 

 

                                                     F I M

 

Outubro de 2021.

 

quinta-feira, 16 de junho de 2022

BRASIL:GENOCÍDIO HISTÓRICO EM UM PAÍS COLONIZADO

                                                                                                                 Isaac Warden Lewis

O Brasil comemora oficialmente 200 anos da proclamação da independência de Portugal. Entretanto os acontecimentos trágicos e dramáticos sofridos pelos indígenas em suas terras, pelos  afro-brasileiros  nos quilombos e nas favelas, por jornalistas e missionários/as comprometidos/as com a melhoria das condições de vida de indígenas, afro-brasileiros, trabalhadores sem terra ou sem teto, todos vítimas de violência praticada por forças armadas que supostamente existem para a proteção de povos anteriormente colonizados e explorados pelos colonizadores portugueses através de suas classes privilegiadas portuguesas e de suas classes favorecidas luso-brasileiras, demonstram que a proclamação da independência constituiu uma ficção, uma invenção produzida pela diplomacia do imperialismo britânico para usufruir das matérias primas produzidas pela colônia portuguesa e controlar a produção agrícola e comercial. Desse modo, os ideólogos britânicos não deveriam ficar perplexos quando cidadãos ingleses são baleados ou mortos nas favelas brasileiras, no rio Amazonas ou nos territórios indígenas da floresta amazônica, uma vez que os poderes políticos, militares, jurídicos e policiais luso-brasileiros existem desde o período colonial para coagir, perseguir e punir os povos nativos da América, da África, Ásia, além de colonos portugueses rebeldes com  relação às determinações contidas nas Ordenações promulgadas pelo reis portugueses que discriminavam negativamente os povos nativos de continentes não-europeus.

Aprendemos com um personagem , Rafael Hitlodeu, criado por Thomas More (1478-1535), em seu livro “Utopia”, que, no início do século XVI, a Inglaterra estava-se transformando radicalmente porque uma nova classe de comerciantes capitalistas estava açambarcando as terras do reino inglês para criar carneiros para produção de lã, visando atender sua ganância de lucros comerciais e industriais, expulsando famílias e mais famílias das terras, tornando-as miseráveis e famintas, levando alguns de seus membros a praticarem roubos e outros crimes e, consequentemente, a serem enforcados. Essa ação de açambarcamento ou de monopolização de terras vai ser exportada pelos colonizadores europeus para outros continentes em benefício das classes privilegiadas europeias, ignorando os direitos de ocupação dos povos nativos americanos pré-colombianos, africanos, asiáticos. Os colonizadores europeus praticaram crimes hediondos contra os nativos desses continentes, muitas vezes, aliando-se a nativos para massacrar os nativos que reagiam contra os colonizadores. No Brasil, a história desses crimes praticados contra os nativos apresenta-nos uma lição inestimável. No século XVII, os povos indígenas guaranis obtiveram do rei da Espanha o direito de usar armas de fogo contra os bandeirantes paulistas escravagistas. Foi dessa maneira que  os portugueses, os mamelucos e  seus aliados indígenas aprenderam a não atacar covardemente as populações pacíficas que viviam nas missões jesuíticas. Entendemos que somente dessa maneira, as favelas, os quilombos, as terras indígenas poderão ser protegidas. Infelizmente, a partir da proclamação da independência, esses nativos foram destituídos do direito de se defenderem em seu território e, por isso, eles vêm sendo exterminados covardemente pelas forças políticas, militares, jurídicas, policiais e mercenárias luso-brasileiras que supostamente deveriam protegê-los. Em resumo, uma proclamação de independência é apenas uma proclamação e não uma ação revolucionária efetiva e radical de independência.

 

quinta-feira, 9 de junho de 2022

THE BIG PIG'S STORY

                                                                                                     Isaac Warden Lewis

There was a very, very big pig  which was very proud of his fatness. Because of that he considered himself as one that had done well in life. “I have succeeded”, he used to say to himself.

He never realized that his fate, his life, his fatness and his death had been scheduled by the gains or losses of a capitalistic farming. He did not know that he was solely an economic unity of the capitalistic mind of the farmer.

One day he said to his  kin: “Let’s make a house for us. Everybody has a house. We must have a shelter to protect us against the sun and the rain. The other pigs agreed. They gather themselves. Brothers, sisters, fathers, mothers, uncles, aunts, sons, daughters and friends. Everyone wanted to help because most animals have a socialistic instinct. In fact, they realized that from birth to death, they depended, in one way or another, on the work of others.

They began the construction of their house happily. One brought bricks, another brought woods, another brought cement, another brought tools. Everyone brought something or did something to help build the house. The big pigs, the little pigs and even the new-born pigs, all contributed in one way or another.

            The new-born pigs contributed in a very unique way. Every time when pigs were born, the work was momentarily paralysed in order to welcome them merrily with drinks and dancing and  many congratulations to one another. Everybody was happy and eager to go back to work when the feast finished.

            The big pig commanded the work for he was elected to direct the work once he had suggested it. Very proudly he said to the others: “Let’s do this”, “Let’s put that here”, “Bring that”, “Let’s carry this”, “Tell the carpenter to come here”, “Call the mason” and so on.

            After work, at night, when talking to his mates, he would say: “We are building a house, we are doing this, we are going to do that and so on. But funny as it may be his language began to change, but nobody noticed that for a long, long time. He said instead: “Do that”, “Carry this”, “Tell the mason to come here”< “Don’t do that”, “Don’t put that there”, and so on. After work at night, when talking to one or another, he would say:”I am building a house”, “I am doing this”, “I am doing that”, “I am going to do a lot of things interesting for my house”, and so on.

            The pigs continued to build the house. They did everything the great boss commanded them to do. The big pig was called the big boss now. The pigs finished the construction of the house. The big boss suggested that they had to fence in the house in order to protect it from invaders. The other pigs began to think that something was wrong. They wanted to know why the big  boss wanted to fence in their house. Some of the pigs realized that for a long time the big boss referred to the pigs’ house as “my house”. These pigs realized that the big pig decided to expel the workers from “his house”. These pigs decided to leave the work and went into the forest to find another place to live. A few pigs remained working for the big pig. They fenced the land where the house was located.

            As soon as the fence was finished, the big boss suggested that they ought to make a gate. After the gate was ready, he told the pigs that they were free  so they could leave the house and wander through the neighbouring forest and come back when they pleased. The pigs became happy to be free for a while. They spent the whole day in the forest. At night they returned home. They found the gate closed. The house was closed. The big pig did not bother to open the door of the house and neither he bother to open the gate. The pigs could not enter their house. They were expelled from it by the big pig. He began to tell everybody that he constructed the house by himself. 

 

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Silves, Amazonas, Abril de 2022.