Isaac Warden Lewis
I
Juliano Ferreira, um homem negro de sessenta anos,
vivia preocupado, angustiado. Homem de poucos amigos, na verdade, de nenhum
amigo e de muitos colegas que gostavam de beber cerveja e acompanhar jogos de
futebol. Juliano Ferreira não sentia prazer em se reunir com seus colegas.
Pensava nos seus relacionamentos, mais precisamente, nos seus três falidos
casamentos. Resumia sua experiência da seguinte maneira: mulheres em série,
como produtos de fábrica.
A primeira mulher teve duas filhas. Ele viveu
quinze anos com ela e as filhas. Juliano e a primeira mulher brigavam
constantemente sobre educação das filhas. Juliano Ferreira entendia que
educação era coisa séria e uma ação para toda a vida. Sua esposa entendia que
as filhas deveriam ser tratadas como crianças por toda vida e cobrava do marido
festas e presentes para agradar as filhas. Juliano Ferreira tentou convencer a
primeira esposa que era papel dos pais conversarem com as filhas sobre trabalho
para atender as necessidades e carências humanas e que o mundo não deveria se
resumir em festas e presentes e quem gostava de festinhas e presentes eram os
animais de quatro patas. Sua primeira esposa ofendeu-se com as lições do marido
e resolveu abandoná-lo. Desapareceu com suas filhas. Juliano Ferreira acabou se
conformando. Pensou que era melhor viver só do que mal acompanhado.
II
Mas surge a segunda mulher. Ela também era separada
e tinha três filhos. Depois de muito conversarem sobre seus fracassados
relacionamentos, Juliano passou a viver com a segunda mulher e seus três
filhos. No início, Juliano imaginou que tudo seria maravilhoso. Ele pensou em
educar sua nova família, falando sobre a situação miserável do país em que
viviam. Disse-lhes que o Brasil era um país de apartheid não declarado. A
sociedade brasileira era excludente, desigual e que o poder político existia
para o benefício das classes favorecidas e discriminava negativa e
continuamente as classes desfavorecidas e isso era observado na contínua
concentração de renda a favor de poucas pessoas e a pauperização continuada da
maioria das pessoas das classes desfavorecidas. Juliano Ferreira explicou que,
nessa circunstância, ele e todos iguais a ele tinham de trabalhar muito para
viver razoavelmente, sem luxo, sem vaidade, sem desejos
irracionais. Talvez a segunda mulher não tenha conseguido entender
ou não quis entender as lições políticas e sociais de seu companheiro e logo,
bem logo, começaram as cobranças. Ela disse ao Juliano que ele não manifestava
simpatia pelos afilhados, parecia mesmo não gostar deles. Juliano Ferreira
sentiu-se incompreendido, tentou justificar-se, tentou dizer a sua segunda
companheira que ele não ganhava o suficiente para comprar um celular para cada
um de seus afilhados se divertir com jogos idiotas que não educavam ninguém,
nem crianças, nem adultos. A segunda mulher passou a viver triste, sempre de
mau humor, não queria conversar, disse que não queria saber de política,
educação, desigualdade e, muito menos, de pobreza e miséria na sociedade
brasileira. Juliano Ferreira não conversou mais com a sua nova família. Sua
segunda mulher resolveu partir com os filhos depois de conviver três
anos com Juliano. Ao ficar só mais uma vez, ele decidiu que jamais
se casaria.
III
Entretanto Juliano Ferreira cometeu o erro de
comparecer a uma festa na casa de seu vizinho. Nessa festa, ele conheceu sua
terceira mulher. Ela também era separada, tinha dois filhos e duas filhas.
Todos eram adolescentes e estudantes. Juliano passou a viver com a terceira
mulher e seus filhos e filhas. Inicialmente, ele acreditou na maturidade de sua
nova família e imaginou que todos seriam felizes. Para melhorar o
relacionamento com a sua nova família, Juliano Ferreira começou a conversar com
seus afilhados sobre a importância do estudo, ressaltando que eles deveriam
pensar em construir seu conhecimento tanto sobre a realidade natural quanto a
realidade social. Disse a eles que estudar é uma atividade séria que exige
esforço e dedicação. Disse-lhes que não deveriam ver estudo como possibilidade
de ganhar coisas e sim como possiblidade de compreender o mundo, os problemas
do mundo, as lutas, as descobertas, as invenções, as conquistas realizadas por
homens e mulheres ao longo da história.
Entrementes, a terceira mulher começou a ficar de
mau humor toda vez que Juliano Ferreira conversava com os afilhados e estes,
por sua vez, pareciam felizes com as suas lições. Numa dessas conversas, a
terceira mulher dirigiu-se ao Juliano, chamando-o de filósofo e acusando-o de
incutir ideias nocivas na cabeça de seus filhos. Disse ainda que ele estava
estragando a educação que ela havia lhes dado de ser alguém na vida e de
estudar para ganhar muito dinheiro e que todo estudante brasileiro deseja isso
e mais nada dessa coisa de trabalhar para o bem da humanidade e blá, blá, blá.
A temperatura do mau humor da terceira esposa aumentou quando a filha mais
velha manifestou-se a favor de seu padrasto, dizendo que ele ajudava ela e seus
irmãos a pensaram sobre o futuro de suas vidas. Com isso, a terceira mulher
virou-se para Juliano Ferreira e disse-lhe para ir embora porque ela não iria
aceitar que ele desviasse o comportamento de suas filhas e de seus filhos.
Disse-lhe para arrumar suas coisas imediatamente e sair de casa antes que ela
atirasse tudo na rua. Juliano Ferreira levantou-se, despediu-se de seus
afilhados, da sua nova família, arrumou suas coisas e partiu. Desde então,
Juliano Ferreira vive desgostoso, quer saber onde ele errou, pensa nos seus
relacionamentos e conclui que as mulheres estão sendo produzidas em série.
F
I M
Outubro de 2021.
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