terça-feira, 11 de janeiro de 2022

A REFLEXÃO DOS ANIMAIS ESPOLIADOS

 


                                                                                    

                                                                                                     Isaac Warden Lewis


Havia escassez de alimentos na floresta. Alguns animais tinham dificuldade em encontrar caça para alimentarem a si e a sua prole. Em vista disso, o leão, o lobo, a raposa, o cachorro e o gato encontraram-se para debater a questão. Depois de longa discussão, decidiram unir seus esforços e suas habilidades individuais para conseguir alimento para o grupo.

            Partiram, então, em busca de uma caça, cada um utilizando sua sagacidade com o intuito de possibilitar o sucesso do empreendimento. A raposa, logo que se deparou com uma caça, procurou atraí-la para local apropriado, onde seus companheiros pudessem apanhá-la. O gato correu para avisar ao cachorro, ao lobo e ao leão sobre a caça descoberta pela raposa. Imediatamente, o lobo correu e procurou perseguir a presa, fazendo ir em direção ao local onde deveria ser abatida. O cachorro interveio acuando a presa numa caverna. O leão chegou e atacou a presa, matando-a.

            Logo, os cinco companheiros estavam reunidos em torno da caça para deliberarem sobre sua partilha. O leão tomou a palavra e disse que dividiria a caça em cinco partes iguais e, efetivamente, ele a dividiu em cinco partes iguais. Depois, declarou que faria a divisão da caça de maneira equitativa. Disse que ficaria com quatro partes da caça e daria uma parte para os quatro companheiros. Pegou um graveto e tentou demonstrar aos seus companheiros que fizera uma divisão equitativa. Escreveu no chão assim:

                         

                          Sendo 1 = 4,

                          Logo:  4 = 1.

 

            Depois dessa demonstração, perguntou aos seus companheiros se eram de parecer contrário. A raposa, mais que depressa, falou em nome dos animais espoliados, dizendo que a divisão do leão merecia uma discussão e deliberação do grupo dos quatro animais que receberiam somente uma parte da caça e solicitou a compreensão do leão para que o grupo majoritário se retirasse, momentaneamente, para refletir e decidir sobre a proposta leonina.

            Assim que a raposa percebeu que podia falar sem ser ouvida pelo leão, explicou ao gato, ao cachorro e ao lobo o que ela pensava sobre a patifaria do leão. Começou dizendo que a demonstração matemática do leão era falsa, pois que “um nunca é igual a quatro”, donde se concluía que “quatro não podia ser igual a um”. Mas que era importante que os quatro companheiros espoliados se unissem para não serem vencidos pela astúcia leonina. A seguir, a raposa explicou que o leão tinha força e detinha, por isso, maior poder de violência, contra o gato, o cachorro, a raposa e o lobo isolados uns dos outros e, possivelmente, com algum esforço, ele poderia vencer os quatro animais juntos. Para se apropriar da maior parte da caça, o leão poderia utilizar sua força, sua violência, contra os quatro animais espoliados. Mas, nem sempre a violência era garantia de que os espoliados se submeteriam aos poderosos, aos espoliadores. Então, esses usam de argumentos ou ideias falsas com o objetivo de persuadir os espoliados da pretensa honestidade de suas decisões e propostas.. Os argumentos ou ideias falsas são utilizados pelos espoliadores com a finalidade de justificar suas decisões e convencer os espoliados de que a decisão tomada é boa para todos.

            A raposa concluiu dizendo que só havia duas alternativas:

            A primeira era aceitarem a ameaça de violência e a falsa demonstração matemática do leão e consequentemente ficarem somente cum uma parte da caça.

            A segunda era demonstrar ao leão que eles, reunidos, rechaçariam e enfrentariam qualquer violência leonina e poderiam provar que “um porrete não é igual a quatro porretes e nem quatro porretes são iguais a um porrete”. Daí, exigiriam do leão a divisão de um quinto da caça para cada animal que participara da caçada.

            A seguir, os animais espoliados passaram a meditar sobre as duas alternativas propostas.

 

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Do livro "A reflexão dos animais espoliados e outras fábulas".


quinta-feira, 1 de julho de 2021

TERRA DE NINGUÉM

                                                                                                           Isaac Warden Lewis

 

Eu vou partir para a terra de ninguém.

A terra de ninguém é um lugar onde ninguém possui terra.

A terra é de todos e é cultivada para produzir o alimento de todos.

O alimento é dividido entre todos os habitantes.

Todos os habitantes trabalham um pouco para o bem-estar de todos.

O bem-estar de todos é importante na terra de ninguém.

Porque o direito de cada pessoa é igual ao direito de todas as pessoas.

Todos vivem livremente sem explorar o trabalho dos outros.

O trabalho dos outros torna possível a minha liberdade.

Assim como o meu trabalho torna possível a liberdade dos outros.

Como pode uma pessoa ser livre, se o seu trabalho é explorado

                                                            para o bem-estar de poucos?

Eu vou partir para a terra de ninguém.

A terra de ninguém é um lugar onde a propriedade privada foi abolida.

 

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Do livro “Sentimento e consciência”

quarta-feira, 30 de junho de 2021

A ILHA DAS ARANHAS

 

                                                                    Lucilene Gomes Lima 


Era uma vez uma ilha cujas condições geográficas possibilitavam que as aranhas fossem abundantes. Nessa ilha havia várias canoas motorizadas, várias motocicletas, alguns carros.

A ilha tinha algumas igrejas, um complexo turístico, um clube futebolístico, uma quadra esportiva, um hospital, algumas escolas. Porém, apesar de ter escolas, não tinha uma biblioteca. Nas casas dos habitantes da ilha também não havia livros, mas todas as casas tinham um aparelho de tv e quase todos os habitantes da ilha tinham um telefone celular. Os habitantes da ilha viviam praticamente da mesma forma que os animais que ali existiam. Comiam, bebiam, reproduziam-se e, principalmente, divertiam-se.

Os primeiros habitantes da ilha conheciam o lugar, os animais, as plantas, os lagos, os rios. Por muitos séculos, esses conhecimentos empíricos foram transmitidos a várias gerações. Mas, a nova geração de descendentes que agora se locomovia motorizadamente e utilizava aparelhos modernos para se distrair, desconhecia tudo isso. Não se dedicava em saber o nome dos peixes, dos pássaros, não conhecia as características e as propriedades das plantas. Esses novos descendentes não conheciam o trabalho artesanal, manual, viviam de eflúvios de fora, sem se preocuparem como se originava aquilo que absorviam, o que realmente era.

A ilha das aranhas, como os animais que lhe davam o nome, vivia somente para o interior de sua teia, recebia as coisas de fora, mas nada produzia para fora de sua teia. Era uma ilha no sentido estrito, isolada, cercada pelas águas.

Um dia, a ilha das aranhas foi inundada e submergiu. A sociedade que ali então vivia, sem raízes, solta no ar como as teias das aranhas, desapareceu sem deixar marcas, sem  dar contributo para a humanidade.


terça-feira, 15 de junho de 2021

IDENTIDADE SOCIAL E CULTURAL EM PAÍS COLONIZADO

                                                                                                                    Isaac Warden Lewis*

 

Vamos aceitar o desafio de intelectuais judeus e judias:“É preciso chamar as coisas pelo nome. É chegada a hora, de nós, intelectuais, livres pensadores judeus e judias progressistas, descendentes das maiores vítimas do regime nazista, posicionarmos, como atores sociais, diante do debate público,  sobre o atual momento nacional.. É perceptível que o governo encabeçado por Jair Bolsonaro tem forte inclinação nazista e fascista [....]”...

Desde a diáspora imposta à população judaica pelo imperador de Roma no ano 70 d. C., os judeus e as judias testemunharam o desenvolvimento de instituições e nações europeias que os marginalizaram, os discriminaram e os massacraram impiedosamente.  Tanto indivíduos quanto comunidades judaicas sofreram perseguições na maioria dos países ocidentais e naqueles que seguiram a cultura ocidental. Apesar disso, descobertas, conhecimentos científicos e filosóficos foram produzidos por judeus e judias. O desenvolvimento econômico das nações europeias contou com a participação de judeus, principalmente, na Holanda, Inglaterra, França. Esse desenvolvimento foi construído através da exploração de nativos de todas as partes do mundo, incluindo judeus operários ou camponeses por capitalistas europeus, norte-americanos com apoio incondicional de capitalistas judeus. Sabemos também que o regime nazista (regime pró-capitalista, diga-se de passagem) contou com apoio incondicional de judeus capitalistas. Passados mais de dois anos da eleição de Jair Bolsonaro, a hora de manifestação dos intelectuais judeus e judias do Brasil parece um pouco tardia, pois há mais de quinhentos anos que as classes privilegiadas portuguesas e as classes favorecidas luso-brasileiras administraram o território brasileiro, cometendo genocídios através de forças de segurança, exploração violenta dos nativos da América e da África, com apoio financeiro de capitalistas europeus e judeus. Por que os intelectuais judeus e judias demoraram a se manifestar? Entendemos essa demora por parte dos intelectuais luso-brasileiros como parte da hipocrisia cultural cultivada pelos descendentes das classes favorecidas desse país. O que explicaria a demora dos intelectuais judeus e judias “diante do atual momento nacional” que, afinal, não é tão atual? Além disso, os intelectuais judeus e judias deveriam saber que o governo encabeçado por Jair Bolsonaro não se orienta por ideias e princípios nazistas e fascistas.. Esses princípios surgiram, primeiramente, como reação à dominação imperialista, capitalista inglesa, francesa e norte-americana sobre todos os países e povos do mundo. O Brasil não possui e nunca possuiu uma burguesia moderna. Então, os políticos e as classes favorecidas nunca pensaram em reagir contra ou competir com os principais países capitalistas e imperialistas europeus ou norte-americanos. Todos os princípios ditos democráticos, socialistas, comunistas, nazistas ou fascistas sempre sofreram desvirtuamentos levianos no Brasil devido à pobreza intelectual de seus ideólogos. Talvez isso explique a participação e a colaboração de descendentes de judeus, africanos, japoneses, italianos e portugueses no governo de mentirinha chefiado por Jair Bolsonaro.

Se “é preciso chamar as coisas pelo nome”, deveremos chamar as ideias e os princípios confusos seguidos pelo presidente Bolsonaro, pelos militares, ministros, policiais e outros seguidores ignorantes que o apoiam de princípios terroristas, tais como os defendidos e praticados pelos grupos terroristas em várias partes do mundo, os quais cometeram e cometem crimes arbitrariamente em nome de preconceitos religiosos, surgidos na pré-história e ainda mantidos pelos semitas (árabes e judeus) e de seus vis interesses. O atentado sofrido por MalalaYousafzai no Paquistão em 9 de outubro de 2012 e o assassinato da vereadora Marielle Franco no Brasil no dia 14 de março de 2018 demonstram a pertinência dos nomes que devemos dar às ações praticadas pelo grupo político que dirige o país no momento atual. Esperamos que os descendentes das maiores vítimas do regime nazista sejam mais coerentes com a história de judeus e judias progressistas que lutaram e lutam coerentemente por uma sociedade justa para todos os seres humanos.

 

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segunda-feira, 14 de junho de 2021

O FIM DE UM CASAMENTO

                                                                                    Isaac Warden Lewis

I

Kátia Morais e Antônio Gaspar conheceram-seem um baile há doze anos... Eles gostavam de dançar nos finais de semana. Kátia Morais trabalhava como telefonista no setor de Cobrança de uma grande loja no Rio deJaneiro. AntônioGaspar era vendedor numa loja de móveis numa outra loja. Além de dançar, Kátia Morais apreciava as novelas e as fofocas soBre os atores e as atrizes dessas novelas.. Além de dançar, Antõnio Gaspar gostava de acompanhar os jogos de futebol de seu time preferido na televisão ou no estádio do Maracanã.  Kátia Morais e Antônio Gaspar moravam em um bairro da Baixada Fluminense. Estudaram até o ensino médio e começaram a trabalhar. Não aprenderam muita coisa na escola; Kátia Morais estudou o magistério em nível médio, porém parecia saber menos do que sua mâe quefizera somente o ensino primário. Tal como a mãe, Kátia Morais acreditava em forças místicas que governariam os destinos do universo, da sociedade e dos seres humanos. Ela sempre apelava para um ser divino para conseguir algum benefício ou para agradecer algum milagre ou para fazer alguma apelação. De modo geral, ela nunca refletira sobre essas palavras ou  as ideias que proferia automaticamente como costumava fazer a maioria das pessoas analfabetas ou ignorantes. Antônio Gaspar também parecia não ter aprendido muita coisa na escola. Ele gostava de passar várias horas com seus amigos, bebericando cerveja, conversando sobre o nada, a vida alheia ou os jogos do campeonato de futebol do Rio de Janeiro e do Brasil. Kátia Morais e Antônio Gaspar se correspondiam, nunca se preocuparam com os problemas políticos, sociais, econômicos da sociedade em que viviam. Não conheciam a verdadeira história do Brasil ou da religião que diziam professar..Diziam-se cristãos e nunca se perguntaram quem foi o indivíduo real chamado Jesus Cristo”. Tudo o que sabiam sobre tal personagem aprenderam nas conversas dos parentes e dos vizinhos que também falavam frases, como: “Se deus quiser, hoje não vai chover” ou “Graças a deus, meu filho ficou bom da tosse” ou “Meus deus, a polícia matou um menino na favela com sete tiros” e nunca se preocuparam para saber do que ou o que realmente estavam falando. Souberam que as autoridades policiais e políticas colonizadas declararam que a morte do menino fora uma fatalidade. Kátia Morais lembrou-se que sua avé morrera em uma clínica e ninguém nunca soube se ela foi realmente bem medicada ou se foi morta por negligência. Seus parentes louvavam os planos de saúde e de previdência de seus idosos, mas nunca tiveram acesso às dependências das clínicas e dos hospitais para obterem informações sobre o que os médicos e enfermeiros estavam realizando com seus pacientes. Estranharam as faturas que indicavam tratamentos clínicos e remédios receitados a sua avó. O diretor e dono da clínica informou aos parentes que sua avó fora bem tratada e que sua morte fora uma fatalidade. Kátia Morais começou a imaginar que o sistema educacional brasileiro (civil ou militar) formava “especialistas em fatalidades”.

Tal como os pais e vizinhos, descendentes de africanos, Kátia Morais e Antônio Gaspar acreditavam que o Brasil era um país democrático, mas nunca estudaram a origem da ideia de “democracia” ou sobre a história da revolução francesa ocorrida em 1789. Apesar dessa ignorância, consideravam-se felizes.. Acreditavam que poderiam continuar felizes, se casassem. Kátia Morais queria casar--se na igreja com véu e grinalda e convidar suas amigas. Antônio Gaspar queria fazer uma grande festa e convidar seus amigos para beberem livremente para comemorar o maior evento de sua vida.

 

II

 

Passaram-se dez anos de casados. Kátia Morais e Antônio Gaspar discutiram muito, fizeram a paz, xingaram-se mutuamente inúmeras vezes.. Ele a chamava de vadia, vagabunda, galinha, puta. Ela retrucava, dizia que ele era vagabundo, vadio, sem vergonha, filho da puta, machista e imprestável. Ele e ela sentiam profundamente os golpes dessas palavras de baixo calão, porém sobreviveram para celebrar os dez anos de casados do mesmo modo que outros casais da sociedade brasileira, tanto das classes desfavorecidas quanto os das classes favorecidas, tanto os das favelas quanto os dos ditos luxuosos condomínios das zonas privilegiadas... Afinal de contas, a educação brasileira, latifundiária e escravista, moldou todos os cidadãos nascidos numa sociedade colonizada que se jacta de ser ocidental, católica, cristã, civilizada, fundada segundo as normas medievais das Ordenações das cortes portuguesas do século XVI.

Três meses depois do grande evento da festa de dez anos de casados, Antônio Gaspar chegou em casa de madrugada. Bêbado, trôpego, dirigiu-se para o quarto para dormir. Nessa noite, a filha do casal, Catarina, não estava em casa. Ela fora dormir na casa da avó, que ficava numa outra rua do mesmo bairro. Kátia Morais decidiu entrar no quarto para xingar fundamente seu marido por chegar em casa de madrugada. Mal ela começara os xingamentos, ele sentou-se e pronunciou pouquíssimas e inéditas palavras que ela jamais ouvira dele:

- O que você quer, sua feia, horrorosa? Saia daqui, suma da minha frente”. Repetiu as palavras fatais: “Sua feia, horrorosa”.

Kátia Morais ficou chocada, atordoada.. Não conseguiu articular uma palavra para se defender ou atacar seu marido. De repente, ela começou a chorar, a gritar, a urrar horrivelmente, saiu do quarto do casal, entrou no quarto da filha, gritou desesperadamente, chorou, urrou por vários minutos e parecia que não iria parar nunca. Chorou e urrou até as seis horas da manhã. Em seu quarto, Antônio Gaspar não entendia o que estava acontecendo com a sua esposa e adormeceu como se não tivesse feito mal algum a sua mulher.. Por fim, Kátia Morais parou de chorar, levantou-se, dirigiu-se ao quarto do casal. Pegou suas roupas, colocou-as em uma sacola, dirigiu-se à porta, abriu-a, saiu de casa e nunca mais foi vista naquele bairro.

 

                                             F I M

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Maio de 2021

 

domingo, 2 de maio de 2021

A REVOLTA DE MESTRES E ESTUDANTES

                                                                                                          Isaac Warden Lewis

 

Era o ano de mil novecentos e oitenta e ... , Marisa Campelo e seu irmão, Lourival Campelo, saíram cedo de casa. Ela era professora primária  e ele começaria sua atividade como policial na cidade de Manaus. Marisa Campelo passara no Sindicato dos Professores para se reunir com colegas professoras e professores que iriam organizar piquete em frente de escolas para impedir a entrada de alunos e professores. Lourival Campelo dirigiu-se ao Quartel da Polícia. Seu plantão começaria às seis horas da manhã. Ao chegar ao quartel, ele fora informado que todos os soldados deveriam participar de uma reunião que seria coordenada pelo sargento Jorge Feliciano. Às seis horas, o soldado Campelo dirigiu-se ao pátio, onde outros soldados aguardavam a chegada do sargento Feliciano. Ao chegar, o sargento cumprimentou os soldados e passou a transmitir as ordens do dia. Sob seu comando, eles deveriam seguir para algumas escolas para determinar que os professores e alunos suspendessem seu movimento de revolta contra as autoridades constituídas e caso os revoltosos recusassem obedecer as determinações, os policiais deveriam atacá-los com seus cassetetes e obrigá-los a se dispersarem e caso alguns baderneiros, que se dizem professores, reagissem, os policiais deveriam usar suas armas para prendê-los. O sargento encerrou informando que nenhuma passeata dos professores deveria se aproximar do Palácio do Governo ou do Quartel da Polícia. Por fim, disse que essas eram as ordens dadas pelo Coronel Teixeira, comandante daquele quartel. Pediu que todo soldado cumprisse as ordens com bravura e valentia. A seguir, o sargento dividiu os soldados em grupos, designando um deles para o comando e informando as ruas e as escolas para onde cada grupo deveria seguir. Ele dirigiu-se ao soldado Campelo, designando-o para comandar um grupo de soldados e informando a rua e a escola para onde ele deveria seguir com sua tropa. O soldado Campelo solicitou permissão ao sargento para falar. Ele declarou que não iria cumprir a ordem de acossar, atacar e combater professores e alunos que estavam lutando por melhores salários, melhores condições de trabalho e melhores condições de vida. O sargento Feliciano ficou perplexo com a audácia de um soldado que começava sua atividade policial naquele momento e disse:

  “Então, temos um soldado que quer nos ensinar o nosso ofício já no primeiro dia de sua apresentação nesse quartel. Isso é bem típico para um filho de um comunista que não respeita as leis de nossa sociedade. Afinal de contas, o que o senhor pretende, soldado Campelo? O senhor quer que a revolta dos vagabundos comunistas comece nos quartéis, é isso? Pois, eu lhe dei uma ordem e você vai cumpri-la, como determinam as normas dessa corporação, está bem claro, soldado Campelo?”

 “Senhor, eu não vou cumprir uma ordem para atacar, agredir, combater a população desse país. Eu pressuponho que o senhor sabe que, no período colonial, a Força Policial atendia os interesses das classes favorecidas nacionais e das classes privilegiadas internacionais e os policiais brasileiros e luso-brasileiros eram meros capitães de mato que perseguiam os nativos da América, África e da Ásia Penso que o papel da Polícia não é exatamente esse.”

 “Qual é, soldado Campelo, o papel da Polícia para o senhor? Isso está ficando muito interessante. Agora temos um soldado que quer ensinar seus superiores qual é o verdadeiro papel da Polícia. Vamos encerrar esse lero-lero. O senhor vai ou não vai cumprir as ordens que todo mundo recebeu?

 “Eu não sou todo mundo. Eu me nego a cumprir uma ordem para combater os meus concidadãos em nome da lei e da ordem”.

– “Muito bem, soldado Campelo. O senhor ficará preso nesse quartel por se recusar a cumprir as ordens que recebeu de seus superiores.”

A seguir, o sargento Feliciano virou-se para o grupo que seria comandado por Lourival Campelo e designou outro soldado para comandar o grupo. Depois, ele comandou que todos os grupos partissem para a sua missão. Lourival Campelo permaneceu  no quartel, refletindo sobre sua atitude. Lembrou que seu pai, agora aposentado, comandara muitas greves de sua categoria profissional. Lembrou que sua irmã estava em alguma escola continuando a luta por melhores condições de vida para todos os seres humanos. Ele levantou-se, saiu do quartel, foi a uma papelaria, comprou papel e envelope. Escreveu sua carta de demissão de soldado de polícia, entregou-a na Seção de Protocolo da Secretaria de Segurança e foi para casa, sentindo-se bem.  

Naquele dia, as professoras, os professores, os alunos e as alunas fizeram uma passeata pela cidade, dirigiram-se ao Palácio do Governo. Um batalhão da Polícia esperava os grevistas. De repente, ouviu-se um tiro. Um tenente da Polícia atirou para o alto em sinal de alerta. Alguns policiais usaram seus cassetetes, batendo e surrando covardemente jornalistas, professores, professoras, alunos e alunas. Alguns grevistas conseguiram adentrar ao Palácio do Governo. O governador, acompanhado de seguranças, ordenou que os policiais se retirassem para seus quartéis. Concordou em receber uma Comissão constituída de mestres, estudantes e jornalistas. Os grevistas permaneceram em frente do Palácio do Governo. Depois de uma hora, o governador e a Comissão dirigiram-se aos grevistas. O governador anunciou que concordava com a maioria dos itens da pauta de reivindicação dos mestres e dos estudantes e que continuaria a dialogar com os grevistas para o bem da educação. Os grevistas se confraternizaram  e se retiraram para suas casas. O sargento Feliciano tentou processar o soldado Campelo, porém a Secretaria de Segurança lhe informou que Lourival Campelo não poderia ser processado porque não era membro da Corporação Policial.

 

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Abril 2021.

quinta-feira, 1 de abril de 2021

AS MENTIRAS INSTITUCIONAIS DE UM PAÍS COLONIZADO

                                                                            Isaac Warden Lewis

Vamos discordar do Senhor Luiz Inácio Lula da Silva quando ele afirmou que foi vítima da maior mentira jurídica em mais de quinhentos anos da história do Brasil. Infelizmente, o ex-presidente demonstra não conhecer a verdadeira história do Brasil. Neste país, tudo sempre foi uma grande mentira, tanto no período colonial quanto no período imperial e no republicano. 

A primeira grande mentira foi contada pelos portugueses e pelos luso-brasileiros que diziam ser “descobridores, conquistadores, desbravadores” das terras brasileiras, fingindo não saber da existência de inúmeros grupos de seres humanos que habitavam essas terras há milhares de anos. A outra grande mentira foi se assumirem como proprietários dessas terras, impedindo os nativos de usufruírem delas como já faziam há milhares de anos. A outra grande mentira, aceita como verdade, foram as discriminações e preconceitos emitidos nas bulas papais e nas ordenações elaboradas pelos reis de Portugal contra os povos que habitavam a Ásia, África e América. A outra grande mentira foi os colonizadores, os colonos portugueses e luso-brasileiros considerarem os nativos da América, África e Ásia como bárbaros e selvagens, enquanto assumiam o direito legal, contido nas bulas e ordenações, de praticarem barbáries e selvagerias contra os nativos dos continentes invadidos. A outra grande mentira foi afirmarem aos nativos desses continentes que os europeus, supostamente cristãos e civilizados, aportaram a esses continentes para ajudá-los a se tornarem “civilizados e cristãos”.

A outra grande mentira foi a chegada de padres de várias ordens religiosas, que se diziam “homens santos”, para ensinarem aos nativos o “amor de Cristo”, juntamente com os colonos e colonizadores, armados com bacamartes e canhões, para trucidarem os nativos, caso não aceitassem os preceitos da “civilização europeia” e o “amor de Cristo”. Nos períodos imperial e republicano, o exército brasileiro continuou praticando crimes e genocídios contra os indígenas, os afro-brasileiros, os cafuzos, os mulatos, os brancos como se isso fosse natural.  E para terminar essa longa lista de mentiras institucionais, o poder judiciário, o poder político, o poder policial, o poder militar sempre agiram parcialmente em favor das classes favorecidas nacionais e das classes privilegiadas internacionais e sempre em desfavor dos segmentos das classes desfavorecidas.

É muito difícil, para nós, brasileiros, indígenas, afro-brasileiros, nos convencermos que só em 2018, o senhor Luiz Inácio Lula da Silva tenha sido vítima da maior mentira do poder judiciário desde a invenção desse país, um estado burocrático de direito, levando-se em conta que os membros privilegiados de todos os poderes mencionados acima pertenceram ou pertencem ou estão ligados aos elementos que invadiram e escravizaram nativos da América e da África violentamente em nome da civilização e de um suposto indivíduo que teria vivido na Judeia. O governo do Partido dos Trabalhadores nada contribuiu para combater as maiores mentiras que orientaram  as práticas de injustiças e as desigualdades sofridas pelas classes desfavorecidas desse país, haja vista que os direitos das trabalhadoras domésticas só foram promulgados no Brasil graças às pressões de órgãos internacionais porque até o século XXI elas trabalhavam e viviam como escravas domésticas de muitas senhoras que se diziam livres e feministas.  

 

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