sábado, 3 de outubro de 2020

DESCARRILHAMENTO E DESGOVERNO EM PAÍS COLONIZADO

                                                                                             Isaac Warden Lewis

 

No dia 16 de junho de 1959, Beatrice Robinson, natural de Barbados, foi atropelada e morta por um ônibus desgovernado da linha Triagem-Leme, na rua General Severiano esquina com a rua Lauro Sodré, em Botafogo, no Rio de Janeiro. A Sra. Robinson foi arrastada cerca de 3 metros pelo veículo e esmagada contra o muro. O motorista do ônibus, Luís Vieira de Melo, foi condenado a 4 anos de prisão. Um ônibus não se desgoverna, pura e simplesmente, de uma hora para outra. Talvez o motorista não seja responsável pelo desgoverno do ônibus, a não ser que ele tenha passado a noite bebendo e sambando em um ensaio de alguma escola de samba ou não tenha conseguido dormir por sofrer de insônia e, às 5 horas da manhã, teve de se apresentar para realizar seu trabalho de dirigir um ônibus de transporte urbano no Rio de Janeiro. Não sabemos se foi verificada a responsabilidade da empresa ou do mecânico responsável pela manutenção das condições de trafegabilidade do veículo naquele dia. Também não sabemos se foi verificada a responsabilidade da Prefeitura do Rio de Janeiro com respeito às condições de trafegabilidade das ruas e avenidas por onde o ônibus iria passar e se ela fiscalizava regularmente as condições mecânicas dos veículos de transporte de passageiros na cidade. Outros ainda querem saber por que a Sra. Robinson, barbadiana, cidadã inglesa, insistia em aguardar naquela esquina o sinal abrir para pedestre, estando as ruas completamente vazias, livres de veículos automotivos, para atravessar só quando o sinal fechasse para os veículos, tendo morrido porque simplesmente o ônibus desgovernado não parou no sinal vermelho e avançou sobre a calçada, matando-a. Por que ela insistia em ser inglesa em um país colonizado? Naturalmente, o juiz da 23ª Vara Criminal não deve ter feito as reflexões acima.

Um ônibus não se desgoverna, pura e simplesmente, de uma hora para outra. Isso, é claro, não é uma fatalidade.  Quando um carro de um músico foi atingido por 80 tiros de fuzil disparados por soldados do Exército Brasileiro no Rio de Janeiro, um general formado na Academia Militar das Agulhas Negras, declarou que tal fato fora uma fatalidade. Erros ou incompetências produzidos por seres humanos não são fatalidades.  Também um trem não descarrilha de uma hora para outra e talvez o maquinista não tenha culpa por seu descarrilhamento. O que é preciso fazer sempre é apurar as responsabilidades.  

Também um desgoverno de um país não ocorre de um dia para outro, porém é mais fácil averiguar as causas de tal desgoverno. Vamos ilustrar essa explicação, usando uma fábula histórica. Suponhamos que o Brasil seja um país governado pela Cleópatra e que ela tenha sido eleita para administrar e defender esse país. Um dia, acordamos e ficamos sabendo que Cleópatra se apaixonou por César, governante de um país imperial implacável, e decidiu alienar-se de seu direito de governar e entregou a administração de nosso país a César, comprometendo-se em doar toda a produção de trigo como presente ao seu namorado. Então, começamos a nos perguntar: Como pôde isso ter acontecido? Nós elegemos Cleópatra para governar, administrar e defender nosso país. Como pôde ela cometer essa traição? Em nossas indagações, descobrimos que o país estava desgovernado, descarrilhado há algum tempo, pois os pais e avós de Cleópatra haviam permitido que produtores usassem adubos de César nas plantações de trigo e os produtores haviam aceito essa transação como se fosse a coisa mais natural do mundo. Descobrimos também que o Ministro das Relações Exteriores do desgoverno da Cleópatra e os generais do exército eram fãs incondicionais de César e que os produtores de trigo não viram nada de estranho nessas paixões doentias e desenfreadas. Bem, de indagações em indagações, os eleitores de Cleópatra ficaram horrorizados porque descobriram que tinham culpa no desgoverno e pelas atuais desgraças do país. Mais horrorizados ficaram os produtores de trigo.

 

UM PAÍS COLONIZADO E A SUA PATÉTICA SOCIEDADE

                                                                                                                 Isaac Warden Lewis


Numa sociedade escravagista, colonizada, a coisa mais patética era um escravo que considerava natural ser escravo. Do mesmo modo, era patético traficante, senhor e senhora escravagistas considerarem natural e normal escravizar seres humanos em nome de Cristo. Já, numa sociedade colonizada, pseudo independente, como o Brasil que proclamou a independência de Portugal através da proclamação do príncipe herdeiro de Portugal, transferindo a política de colonização e espoliação do Brasil para a Inglaterra, país imperial hegemônico no século XIX, a coisa mais patética era um colonizado que considerava natural ser colonizado. A classe favorecida (traficantes, senhores e senhoras de escravos) do império falido de Portugal acreditava que se tornaria moderna, burguesa sob o império britânico. Ledo engano, pois independência política sem descolonização política é simulacro de independência.

Numa república de um país colonizado, também  proclamada para inglês ver e não para usufruto de cidadãos nacionais, continuou e continua prevalecendo costumes, ideias, práticas desenvolvidas e assimiladas durante o período colonial português, como, por exemplo, as classes emergentes (latifundiários, pequenos burgueses, proletários, camponeses) imaginarem que vivem em um país livre e independente, aliado “voluntariamente” a um país imperial de plantão. Por isso mesmo, as classes favorecidas nunca compreenderam que, numa república democrática, deveria prevalecer a igualdade de acesso a direitos, à justiça e às condições dignas de vida para todos (civis, militares e policiais). 

Nesse contexto pós-colonial, pode ser surpreendente que um descendente de negros/negras africanos/africanas escravizados/as insista em assumir a presidência da Fundação Cultural Palmares, instituição criada para resgatar a verdadeira história de lutas, sacrifícios, vitórias e derrotas de negros/negras na diáspora, afirmando peremptoriamente que a escravidão foi benéfica para os africanos escravizados pela força, violência e desumanidade cristã por traficantes, senhores e senhoras escravagistas interessados na exploração da força do trabalho dos escravizados. Essa declaração de um descendente de africanos/as escravizados/as é patética. É patética também a sua disposição para assumir um cargo de uma instituição que ele considera desnecessária. O Sr. Sérgio Camargo não se limita a ser patético na declaração e ação mencionadas acima. Ele consegue ser ainda mais patético quando afirma ser conservador e burguês. Percebemos que esse cidadão vive na ilusão da mesma forma que os outros membros das classes favorecidas emergentes, pois todos eles não se dão conta de que a pseudo  burguesia brasileira está longe de pertencer a um clube restrito e seleto da burguesia dos países colonizadores.

O Senhor Sérgio Camargo desrespeita os seus antepassados escravizados e todos os antepassados de afro-brasileiras/os que viveram/vivem e lutaram/lutam dignamente para manter vivas sua cultura, sua história e suas tradições. Portanto não se trata de questão de opinião do Senhor Sérgio Camargo. Trata-se, na realidade, de ignorância e pura alienação.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A DISTÂNCIA DA PEDAGOGIA DA ESCOLA E DA SOCIEDADE BRASILEIRA COLONIZADA

                                                                                                               Isaac Warden Lewis

 Vou iniciar dizendo que me sinto imensamente comovido quando alguns analfabetos funcionais e políticos criticam negativamente a obra educacional de Paulo Freire (1921-1997), pois eles confirmam, ingenuamente, que a educação é, de fato, uma ação política. Por isso, vou fazer alguns questionamentos à moda de alguns filósofos e pedagogos com ou sem investidura. Comecemos com Sócrates, filósofo sem investidura e pedagogo sem titulação, que deixou o exemplo pedagógico de fazer perguntas aos seus discípulos para que eles mesmos descobrissem a verdade ou a falsidade de uma afirmação. O outro pedagogo sem titulação e filósofo da educação sem investidura é Paulo Freire que, em suas obras, revelou como a educação produzia, eficiente e politicamente, não só analfabetos absolutos como também analfabetos funcionais. Farei, agora, referência a José Alcimar de Oliveira, filósofo com investidura, padre sem púlpito e pedagogo sem titulação, que nos revela sua competência nessas três áreas cotidianamente. Como filósofo, dialoga constantemente com a própria Filosofia. Como padre, revela-se um monge que manifesta empatia com os próximos ao seu redor, sem deixar de estar atento à vida futura de todos os próximos e, como pedagogo, questiona “a educação à distância precedida pela distância da educação”. Não farei mais referências a outros pedagogos, pois a lista é muito longa e eu teria de chegar a Marx, Engels e Brecht, o que ofenderia muitas mentes extremamente delicadas.

A pandemia  dos coronas exacerba e ilumina as batalhas das lutas de classes presentes nas sociedades colonizadoras e nas sociedades colonizadas. Nessas sociedades, os pedagogos oficiais declaram, por exemplo, que a alfabetização precária prejudicará danosamente o desenvolvimento cognitivo das crianças desfavorecidas. Por acaso, esses pedagogos oficiais olharam ao redor para ver se a alfabetização recebida pelas crianças favorecidas foi melhor do que a oferecida às crianças desfavorecidas? A propósito disso, temos o exemplo de George Bush (o pai) que descobriu que a maioria dos cientistas e doutores dos Estados Unidos eram analfabetos funcionais, pois não conseguiam entender um texto da área de Ciências Humanas, embora fossem bons profissionais nas áreas técnicas e tecnológicas. Outro exemplo é do Haiti. Será que os pedagogos oficiais imaginam que as classes favorecidas desse país e de outros países colonizados são funcionalmente alfabetizados, embora ostentem diplomas de universidades de seus países e de países colonizadores? Os pedagogos oficiais exaltam continuamente a possibilidade de os estudantes aprenderem à distância durante a pandemia e depois da pandemia. Será que esses pedagogos oficiais perguntaram se os estudantes das escolas públicas, particulares ou militares aprenderam a estudar metódica e disciplinadamente ou eles esperam que a didática catequética ou da educação bancária seja suficiente para que os estudantes progridam em seus estudos? No Brasil, há ainda educadores que insistem em adotar a didática e a pedagogia jesuítica adotada na Europa no início da Idade Média e ignoram as didáticas e pedagogias modernas propostas para o ensino das Ciências tanto por educadores laicos quanto por educadores católicos e protestantes no início da Idade Moderna. Os pedagogos oficiais ignoram também as lutas por reformas educacionais no Brasil propostas por educadores brasileiros, laicos e católicos, entre 1920 e 1960, visando democratizar os conhecimentos científicos para a maioria da população brasileira, contrapondo-se à educação como privilégio, vigente desde a chegada dos jesuítas com os invasores portugueses no século XVI. A quem interessa essa educação à distância? Será que a velha questão da qualidade do ensino para todos preocupa os pedagogos oficiais? Basta importar técnicas, tecnologias e procedimentos educacionais de países colonizadores e ignorar propostas criadas por professores, educadores e estudantes de países colonizados que conhecem bem os seus problemas e suas deficiências e estão interessados em  resolver esses problemas e essas deficiências?

Nunca é demais lembrar que militares de países colonizados da América Latina, que foram para os Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial, trouxeram para os seus países práticas policiais e militares prejudiciais a seus países e, em especial, aos cidadãos desses países. Esses militares foram funcionalmente alfabetizados? Os políticos que enviaram esses militares para “missão de paz” demonstraram ser funcionalmente alfabetizados?  Também, é bom perguntar que qualidade de educação democrática os Estados Unidos ensinam aos seus jovens, os quais, depois de formados, entram em um avião para despejar bombas sobre países do Oriente sem nenhum remorso?

Nos cem anos de nascimento de Paulo Freire, todos os brasileiros que amam seu país e respeitam a soberania de todos os países do mundo têm motivos para se orgulharem do educador brasileiro e universal, nascido em Pernambuco, no dia 19 de setembro de 1921.

 

 

terça-feira, 8 de setembro de 2020

DREAMING TO BE A BIRD

Isaac Warden Lewis

 

I would like to be a bird

to fly everywhere with my own wings

instead of remaining in one place.

 

I would like to be a bird

in order to feed myself with what I find on earth

instead of being a slave to get something to eat.

 

I would like to be a bird

in order to be able to endure rain and sun

instead of living in a shelter like a prisoner.

 

I would like to be a bird

to go and come at any time,

not worrying myself with the 

meaning of the word “freedom”.

 

I would like to be a bird

in order to make a nest for my little birds

with de materials that I find in nature

without having to pay for them.

 

I would like to be a bird

to be equal to all birds

not being richer nor poorer than they.

 

I would like to be a bird

to have only what I need,

instead of having things and more things.

 

I would like to be a bird

to lead a simple way of existence

instead of having to bear the oppression

and the bondage of human life.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

THE GIFT OF THE PLANTS

                                                                                  Isaac Warden Lewis

 

When the gardener wants a garden,

he chooses a piece of land, he manures it.

Then, he selects the seeds and plants them.

 

When the little plants are born,

he gives them water and affection.

And begins to prune them lovingly.

 

In retribution to his care,

the plants give him the flowers

And the garden that he wanted.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

AS REFORMAS NA SOCIEDADE BRASILEIRA COLONIZADA

 

                                                                                                    Isaac Warden Lewis

 

Desde que o Brasil tornou-se supostamente independente, segundo alguns políticos pertencentes às classes favorecidas no tempo em que o país era uma colônia de Portugal, sendo este país também colônia não declarada da Inglaterra e orientada por interesses capitalistas de países europeus (Inglaterra, França, Holanda, Bélgica), letrados e políticos luso-brasileiros propuseram reformas e reformas para inúmeros aspectos institucionais e estruturais da sociedade brasileira, colonizada antes e depois da proclamação da independência. Nós sabemos que, para reformar uma casa, é preciso, primeiro, verificar as condições de moradia da casa, a qualidade de suas estruturas, dos materiais que compõem o arcabouço do prédio e  do solo em que a casa foi construída, para, depois, sugerir as reformas necessárias para o prédio a ser reformado.

Acreditamos que, para reformar itens institucionais e estruturais de uma sociedade, é preciso observar os requisitos necessários para reformá-los, adotando os mesmos procedimentos para a reforma de uma casa. Ao não fazerem isso, os políticos e os letrados acabam repetindo realizações que não mudam nada, como as reformas realizadas no Brasil Colônia, Brasil Império e no Brasil República até os dias atuais. Podemos perceber isso nas ações e documentos produzidos por políticos, militares, juízes, juízas, ministros, secretários de estado etc. nos dias atuais. Comecemos do início. Em 1494, o papa Alexandre VI (família Borgia) dividiu as terras a serem encontradas a 370 léguas de Cabo Verde entre o reino da Espanha e o reino de Portugal. Uma aberração! O rei de Portugal passou a considerar toda a terra encontrada no território brasileiro como sua. De 1500 a 1822, os funcionários públicos a serviço de Portugal (governadores, auditores, juízes, militares, políticos, policiais, padres) foram instrumentalizados para administrar essa terra e os interesses do rei de Portugal. Os políticos que referendaram a independência de Portugal fizeram muitos projetos e muitas reformas para o país independente, porém não aboliram o conteúdo da bula do papa corrupto e nem devolveram as terras dos indígenas usurpadas pelo rei de Portugal. Também não aboliram os conteúdos das ordenações que discriminavam negativamente povos nativos com base em estudos de pseudocientistas europeus. Todas as reformas feitas no império e na república não surtiram efeitos para os povos descendentes dos indígenas e dos africanos, de tal sorte que todas as reformas vinculadas às reformas estruturais, como a da educação, do bem estar da população e de sua segurança permanecem como letras, somente letras, o que nos faz lembrar um trecho da peça teatral, “Hamlet”, de William Shakespeare, em que um personagem pergunta a Hamlet o que ele estava lendo. Hamlet responde: “palavras, palavras”.  Para nós, esse país parece mais um estado burocrático de direito do que um estado democrático de direito. Esse estado burocrático se orgulha de suas universidades (que mais parecem um conglomerado de escolas superiores, no dizer de Florestan Fernandes) que produzem desembargadores/as, juízes/as que se pronunciam publicamente ou elaboram suas sentenças com base em ideias preconceituosas contidas nas ordenações joaninas, manuelinas ou felipinas. Os governadores e secretários de segurança do Amazonas ao Rio Grande do Sul, passando por São Paulo (locomotiva do país!), e pelo Rio de Janeiro (cidade maravilhosa!), têm sido incompetentes para punir policiais e políticos que cometem crimes e abusos de autoridade. Houve e ainda há discussão sobre a necessidade de formação universitária para os jornalistas, porém temos visto que um bom número desses profissionais consideram as classes política, militar e policial incapazes de cometerem crimes e injustiças. Jornalistas, juízes e outros profissionais liberais que expressam ideias do senso comum  não  precisavam cursar um curso superior. Aos governadores, juízes, militares, policiais, secretários de estado e jornalistas, é bom lembrar que no Brasil Colônia, esses funcionários existiam para perseguir os nativos indígenas, os nativos africanos e os plebeus portugueses e estrangeiros, enfim todas as classes desfavorecidas, conforme determinavam as ordenações publicadas pelos reis de Portugal. As caravelas que saíram de Portugal traziam navegadores e soldados armados para combater gentes desarmadas, consideradas previamente inimigas do reino português.

Os serviços públicos do estado burocrático de uma sociedade colonizada precisam ser analisados de acordo com a filosofia (ou mais precisamente, a ideologia) que orienta a sua aplicabilidade. A proposta de reformá-los precisa considerar por que e para quem tal reforma está sendo feita. A primeira questão a ser colocada é saber se tal reforma será a primeira ou se já houve alguma reforma dos serviços prestados pelo estado que foi totalmente inócua. Começaremos perguntando sobre a condição do estado burocrático de direito atual. O Brasil e o estado do Maranhão, Grão-Pará e Ceará constituíam dois estados ligados diretamente ao reino português, o primeiro desde 1549, quando da criação do governo geral, e o segundo quando foi criado em 1619. Estes dois estados tinham burocracia estatal (governo, câmara de representantes, autoridades militares, jurídicas e policiais) que existia em função dos interesses das classes privilegiadas europeias. As classes favorecidas e as classes desfavorecidas deveriam contribuir com suas atividades para enviar recursos e riquezas para a metrópole. Os recursos e a riqueza produzidos pelas classes desfavorecidas nacionais serviam para manter condições e privilégios das classes favorecidas nacionais e das classes privilegiadas portuguesas. Cabia às classes favorecidas administrar os aparelhos do estado burocrático de direito em seu próprio favor e em favor das classes privilegiadas de Portugal. Cabia às classes desfavorecidas trabalhar, trabalhar, produzir, produzir, para que as classes favorecidas e as classes privilegiadas usufruíssem o produto do trabalho das classes desfavorecidas. Quem vai fazer as reformas? Os luso-brasileiros são confiáveis para fazer reformas para um país que continua colonizado? Talvez seja hora de os luso-brasileiros consultarem os povos indígenas que já sabiam administrar os recursos naturais dessa terra muito antes de entrarem em contato com a  pseudo civilização e o pseudocristianismo trazidos pelos portugueses do século XV, ideias e conceitos  remanescentes do período medieval português, propagado pelos jesuítas a serviço dos colonizadores. É bom lembrar que, no século XIX, os aprendizes de cientistas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro estavam preocupados com o futuro da nação brasileira, considerando os poucos conhecimentos civilizatórios dos descendentes dos nativos indígenas e africanos. Eles se esqueceram  de analisar  os comportamentos pseudo civilizatórios dos luso-brasileiros, incluindo os próprios aprendizes de cientistas. Hoje, os nativos dos descendentes indígenas e africanos podem realizar a análise esquecida pelos aprendizes de cientistas no século XIX.

 

 

O ESTUDANTE E O ESTUDIOSO

                                                                                                           Isaac Warden Lewis

    Cláudia Pereira e Cláudio Pereira eram irmãos e estudavam em uma escola municipal. Suas atitudes e interesses eram diferentes. Moravam em uma casa grande, confortável. Seu pai, Senhor Cláudio Pereira da Silva, era artesão, produzia obras de arte e gostava de ler e era apaixonado por livros, em especial, livros que revelavam a história da ciência.

    A jovem Cláudia Pereira via os livros de seu pai como objetos, coisas como outras quaisquer. Todos os dias, ao retornar da escola, ela jogava sua pasta, contendo os livros, sobre uma mesa em seu quarto e só lembrava da pasta e dos livros no outro dia, na hora de ir para a escola. Mas ela sabia tudo sobre a programação de bailes, espetáculos e divertimentos que ocorreriam no final da semana. Conversava com suas amigas sobre a programação do final da semana e ficava sabendo quem iria e quem não iria. Depois disso, seu tempo era preenchido com a preocupação em aprontar o vestuário, sua aparência e preparar um repertório de informações para transmitir as suas amigas nos eventos semanais.

    O jovem Cláudio Pereira interessava-se pelos livros do seu pai. Estava sempre folheando um livro e escolhendo um para ler. Ao retornar da escola, arrumava seus livros e cadernos sobre a mesa e avaliava as tarefas escolares que deveria dar mais atenção. Sempre procurava ler sobre um assunto que este ou aquele professor abordaria na próxima aula. Quando ele se reunia com seus poucos colegas, todos discutiam e discorriam sobre um assunto de um livro que estavam lendo ou sobre os acontecimentos políticos do país ou notícias de guerra em algum país, ou ainda obras literárias de autores nacionais ou universais ou sobre a história da ciência.

    Sua irmã percebia essas reuniões com uma certa estranheza e tinha a impressão de que seu irmão e os seus colegas imaginavam estar numa sala de aula, cumprindo tarefas escolares sem a mínima necessidade de despender tal esforço. Ela se perguntava para que discutir sobre política, guerra, revolução.  religião, ciência ou história. Para Cláudia Pereira, bastava a compreensão de um conhecimento repassado por um sacerdote para a sua vida. Ela não entendia por que seu irmão insistia em dizer que o leitor deve fazer o esforço de aprender a construir um conhecimento da realidade e não simplesmente assimilar um conhecimento pronto da realidade.

    Numa noite, Cláudia Pereira preparava-se para ir a um baile com suas amigas. Ao passar pelo quarto do irmão, ela percebeu que ele estava lendo um livro como sempre. Ela lhe perguntou: ‘Mano, você não se diverte?”

    – “Quem lhe disse que eu não estou me divertindo.”, respondeu Cláudio Pereira.

 

 

 

Manaus, agosto, 2020