terça-feira, 8 de setembro de 2020

DREAMING TO BE A BIRD

Isaac Warden Lewis

 

I would like to be a bird

to fly everywhere with my own wings

instead of remaining in one place.

 

I would like to be a bird

in order to feed myself with what I find on earth

instead of being a slave to get something to eat.

 

I would like to be a bird

in order to be able to endure rain and sun

instead of living in a shelter like a prisoner.

 

I would like to be a bird

to go and come at any time,

not worrying myself with the 

meaning of the word “freedom”.

 

I would like to be a bird

in order to make a nest for my little birds

with de materials that I find in nature

without having to pay for them.

 

I would like to be a bird

to be equal to all birds

not being richer nor poorer than they.

 

I would like to be a bird

to have only what I need,

instead of having things and more things.

 

I would like to be a bird

to lead a simple way of existence

instead of having to bear the oppression

and the bondage of human life.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

THE GIFT OF THE PLANTS

                                                                                  Isaac Warden Lewis

 

When the gardener wants a garden,

he chooses a piece of land, he manures it.

Then, he selects the seeds and plants them.

 

When the little plants are born,

he gives them water and affection.

And begins to prune them lovingly.

 

In retribution to his care,

the plants give him the flowers

And the garden that he wanted.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

AS REFORMAS NA SOCIEDADE BRASILEIRA COLONIZADA

 

                                                                                                    Isaac Warden Lewis

 

Desde que o Brasil tornou-se supostamente independente, segundo alguns políticos pertencentes às classes favorecidas no tempo em que o país era uma colônia de Portugal, sendo este país também colônia não declarada da Inglaterra e orientada por interesses capitalistas de países europeus (Inglaterra, França, Holanda, Bélgica), letrados e políticos luso-brasileiros propuseram reformas e reformas para inúmeros aspectos institucionais e estruturais da sociedade brasileira, colonizada antes e depois da proclamação da independência. Nós sabemos que, para reformar uma casa, é preciso, primeiro, verificar as condições de moradia da casa, a qualidade de suas estruturas, dos materiais que compõem o arcabouço do prédio e  do solo em que a casa foi construída, para, depois, sugerir as reformas necessárias para o prédio a ser reformado.

Acreditamos que, para reformar itens institucionais e estruturais de uma sociedade, é preciso observar os requisitos necessários para reformá-los, adotando os mesmos procedimentos para a reforma de uma casa. Ao não fazerem isso, os políticos e os letrados acabam repetindo realizações que não mudam nada, como as reformas realizadas no Brasil Colônia, Brasil Império e no Brasil República até os dias atuais. Podemos perceber isso nas ações e documentos produzidos por políticos, militares, juízes, juízas, ministros, secretários de estado etc. nos dias atuais. Comecemos do início. Em 1494, o papa Alexandre VI (família Borgia) dividiu as terras a serem encontradas a 370 léguas de Cabo Verde entre o reino da Espanha e o reino de Portugal. Uma aberração! O rei de Portugal passou a considerar toda a terra encontrada no território brasileiro como sua. De 1500 a 1822, os funcionários públicos a serviço de Portugal (governadores, auditores, juízes, militares, políticos, policiais, padres) foram instrumentalizados para administrar essa terra e os interesses do rei de Portugal. Os políticos que referendaram a independência de Portugal fizeram muitos projetos e muitas reformas para o país independente, porém não aboliram o conteúdo da bula do papa corrupto e nem devolveram as terras dos indígenas usurpadas pelo rei de Portugal. Também não aboliram os conteúdos das ordenações que discriminavam negativamente povos nativos com base em estudos de pseudocientistas europeus. Todas as reformas feitas no império e na república não surtiram efeitos para os povos descendentes dos indígenas e dos africanos, de tal sorte que todas as reformas vinculadas às reformas estruturais, como a da educação, do bem estar da população e de sua segurança permanecem como letras, somente letras, o que nos faz lembrar um trecho da peça teatral, “Hamlet”, de William Shakespeare, em que um personagem pergunta a Hamlet o que ele estava lendo. Hamlet responde: “palavras, palavras”.  Para nós, esse país parece mais um estado burocrático de direito do que um estado democrático de direito. Esse estado burocrático se orgulha de suas universidades (que mais parecem um conglomerado de escolas superiores, no dizer de Florestan Fernandes) que produzem desembargadores/as, juízes/as que se pronunciam publicamente ou elaboram suas sentenças com base em ideias preconceituosas contidas nas ordenações joaninas, manuelinas ou felipinas. Os governadores e secretários de segurança do Amazonas ao Rio Grande do Sul, passando por São Paulo (locomotiva do país!), e pelo Rio de Janeiro (cidade maravilhosa!), têm sido incompetentes para punir policiais e políticos que cometem crimes e abusos de autoridade. Houve e ainda há discussão sobre a necessidade de formação universitária para os jornalistas, porém temos visto que um bom número desses profissionais consideram as classes política, militar e policial incapazes de cometerem crimes e injustiças. Jornalistas, juízes e outros profissionais liberais que expressam ideias do senso comum  não  precisavam cursar um curso superior. Aos governadores, juízes, militares, policiais, secretários de estado e jornalistas, é bom lembrar que no Brasil Colônia, esses funcionários existiam para perseguir os nativos indígenas, os nativos africanos e os plebeus portugueses e estrangeiros, enfim todas as classes desfavorecidas, conforme determinavam as ordenações publicadas pelos reis de Portugal. As caravelas que saíram de Portugal traziam navegadores e soldados armados para combater gentes desarmadas, consideradas previamente inimigas do reino português.

Os serviços públicos do estado burocrático de uma sociedade colonizada precisam ser analisados de acordo com a filosofia (ou mais precisamente, a ideologia) que orienta a sua aplicabilidade. A proposta de reformá-los precisa considerar por que e para quem tal reforma está sendo feita. A primeira questão a ser colocada é saber se tal reforma será a primeira ou se já houve alguma reforma dos serviços prestados pelo estado que foi totalmente inócua. Começaremos perguntando sobre a condição do estado burocrático de direito atual. O Brasil e o estado do Maranhão, Grão-Pará e Ceará constituíam dois estados ligados diretamente ao reino português, o primeiro desde 1549, quando da criação do governo geral, e o segundo quando foi criado em 1619. Estes dois estados tinham burocracia estatal (governo, câmara de representantes, autoridades militares, jurídicas e policiais) que existia em função dos interesses das classes privilegiadas europeias. As classes favorecidas e as classes desfavorecidas deveriam contribuir com suas atividades para enviar recursos e riquezas para a metrópole. Os recursos e a riqueza produzidos pelas classes desfavorecidas nacionais serviam para manter condições e privilégios das classes favorecidas nacionais e das classes privilegiadas portuguesas. Cabia às classes favorecidas administrar os aparelhos do estado burocrático de direito em seu próprio favor e em favor das classes privilegiadas de Portugal. Cabia às classes desfavorecidas trabalhar, trabalhar, produzir, produzir, para que as classes favorecidas e as classes privilegiadas usufruíssem o produto do trabalho das classes desfavorecidas. Quem vai fazer as reformas? Os luso-brasileiros são confiáveis para fazer reformas para um país que continua colonizado? Talvez seja hora de os luso-brasileiros consultarem os povos indígenas que já sabiam administrar os recursos naturais dessa terra muito antes de entrarem em contato com a  pseudo civilização e o pseudocristianismo trazidos pelos portugueses do século XV, ideias e conceitos  remanescentes do período medieval português, propagado pelos jesuítas a serviço dos colonizadores. É bom lembrar que, no século XIX, os aprendizes de cientistas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro estavam preocupados com o futuro da nação brasileira, considerando os poucos conhecimentos civilizatórios dos descendentes dos nativos indígenas e africanos. Eles se esqueceram  de analisar  os comportamentos pseudo civilizatórios dos luso-brasileiros, incluindo os próprios aprendizes de cientistas. Hoje, os nativos dos descendentes indígenas e africanos podem realizar a análise esquecida pelos aprendizes de cientistas no século XIX.

 

 

O ESTUDANTE E O ESTUDIOSO

                                                                                                           Isaac Warden Lewis

    Cláudia Pereira e Cláudio Pereira eram irmãos e estudavam em uma escola municipal. Suas atitudes e interesses eram diferentes. Moravam em uma casa grande, confortável. Seu pai, Senhor Cláudio Pereira da Silva, era artesão, produzia obras de arte e gostava de ler e era apaixonado por livros, em especial, livros que revelavam a história da ciência.

    A jovem Cláudia Pereira via os livros de seu pai como objetos, coisas como outras quaisquer. Todos os dias, ao retornar da escola, ela jogava sua pasta, contendo os livros, sobre uma mesa em seu quarto e só lembrava da pasta e dos livros no outro dia, na hora de ir para a escola. Mas ela sabia tudo sobre a programação de bailes, espetáculos e divertimentos que ocorreriam no final da semana. Conversava com suas amigas sobre a programação do final da semana e ficava sabendo quem iria e quem não iria. Depois disso, seu tempo era preenchido com a preocupação em aprontar o vestuário, sua aparência e preparar um repertório de informações para transmitir as suas amigas nos eventos semanais.

    O jovem Cláudio Pereira interessava-se pelos livros do seu pai. Estava sempre folheando um livro e escolhendo um para ler. Ao retornar da escola, arrumava seus livros e cadernos sobre a mesa e avaliava as tarefas escolares que deveria dar mais atenção. Sempre procurava ler sobre um assunto que este ou aquele professor abordaria na próxima aula. Quando ele se reunia com seus poucos colegas, todos discutiam e discorriam sobre um assunto de um livro que estavam lendo ou sobre os acontecimentos políticos do país ou notícias de guerra em algum país, ou ainda obras literárias de autores nacionais ou universais ou sobre a história da ciência.

    Sua irmã percebia essas reuniões com uma certa estranheza e tinha a impressão de que seu irmão e os seus colegas imaginavam estar numa sala de aula, cumprindo tarefas escolares sem a mínima necessidade de despender tal esforço. Ela se perguntava para que discutir sobre política, guerra, revolução.  religião, ciência ou história. Para Cláudia Pereira, bastava a compreensão de um conhecimento repassado por um sacerdote para a sua vida. Ela não entendia por que seu irmão insistia em dizer que o leitor deve fazer o esforço de aprender a construir um conhecimento da realidade e não simplesmente assimilar um conhecimento pronto da realidade.

    Numa noite, Cláudia Pereira preparava-se para ir a um baile com suas amigas. Ao passar pelo quarto do irmão, ela percebeu que ele estava lendo um livro como sempre. Ela lhe perguntou: ‘Mano, você não se diverte?”

    – “Quem lhe disse que eu não estou me divertindo.”, respondeu Cláudio Pereira.

 

 

 

Manaus, agosto, 2020

domingo, 2 de agosto de 2020

SOCIEDADES COLONIZADAS: PARA QUE SERVEM?

 Isaac Warden  Lewis

 

Setores da sociedade luso-brasileira (classes favorecidas, classes desfavorecidas, classes emergentes) manifestam sua perplexidade com relação à violência, discriminação e à barbaridade, perpetradas por instituições públicas (governos, secretarias de segurança, órgãos jurídicos e de segurança – militar e policial) contra moradores de favelas, de comunidades de povos nativos (tanto do Brasil quanto dos países onde participam em “missões de paz da ONU”, porém nunca questionaram a bula papal que cedeu as terras a serem encontradas por navegadores espanhóis e portugueses aos reis da Espanha e de Portugal. Essa bula papal possibilitou as covardes violências praticadas pelos europeus contra os povos nativos que habitavam, há centenas e centenas de anos, o território, que passou a ser chamado de América. Os referidos setores luso-brasileiros nunca anularam as determinações da referida  bula, envidando esforços para devolver aos indígenas as terras usurpadas pelos portugueses e seus descendentes.

Os setores da sociedade luso-brasileira também declaram sua perplexidade com relação à desigual distribuição de renda entre as classes favorecidas e as classes desfavorecidas, à concentração contínua de renda dos setores favorecidos e à pauperização contínua dos setores desfavorecidos, porém nunca questionaram as discriminações negativas e os conhecimentos preconceituosos contra os nativos da América, da África e da Ásia contidos nas ordenações editadas pelos reis de Portugal para orientar e ordenar a vida social e produtiva nas colônias portuguesas na América e na África. As ordenações do reino português negavam aos nativos da América e da África o acesso à terra, a serviços e a cargos na vida social das colônias. Os setores da sociedade luso-brasileira, na prática cotidiana, nunca se preocuparam em anular tais discriminações e conhecimentos preconceituosos, perpetuando-os nos ordenamentos jurídicos elaborados depois da Proclamação da Independência (1822), da Proclamação da Abolição da Escravatura (1888) e da Proclamação da República (1889). Os setores favorecidos da sociedade brasileira apreciam  fazer proclamações.

A sociedade luso-brasileira tem negado direito à vida e à terra aos nativos que já habitavam o território brasileiro há milhares de anos antes da chegada dos portugueses, ou seja, a sociedade brasileira comete crime contra a humanidade com relação aos povos  indígenas. A ONU – Organização das Nações Unidas – já deveria ter intervido nessa questão há muito tempo, em vez de solicitar ajuda militar do governo brasileiro para que  os mesmos crimes sejam cometidos em outros países.

Setores da sociedade colonizada brasileira consideram-se europeus, civilizados, diferentes dos setores de outras sociedades colonizadas da América Latina ou da África, porém não explicam por que há tantas semelhanças nas práticas políticas, sociais, jurídicas e policiais entre o Brasil e os outros países colonizados, como, por exemplo: 1) todos os países colonizados implantaram estados burocráticos de direito formalmente, seguindo e acatando orientações de metrópoles colonizadoras. 2) Os países colonizados mantiveram constituições e instituições que protegem mais os interesses de investidores das metrópoles colonizadoras do que os interesses e os direitos dos cidadãos de seus países.  3) Líderes políticos luso-brasileiros comportam-se do mesmo modo que outros líderes de países da América Latina, denominados de republiquetas da banana. 4) O sistema educacional (escolas públicas, escolas privadas e escolas militares) dos países colonizados mais deforma as mentes dos educandos do que os forma para o desenvolvimento de seu conhecimento crítico da realidade natural, social e política do país em que vivem. Muitos estudantes que terminam o ensino fundamental como analfabetos funcionais conseguem prosseguir estudos, tornando-se policiais, advogados, juízes, militares, políticos, professores, médicos e, às vezes, até ministros. Evidentemente que há exceções brilhantes e honrosas, porém tal sistema educacional produz profissionais incompetentes, irresponsáveis e ignorantes. Concordamos, pois, com Darcy Ribeiro quando diz que “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”

Por tudo isso, grassam nas sociedades colonizadas a corrupção política, a violência  institucional, policial, militar, o desrespeito aos direitos universais da pessoa humana, a barbárie, a ineficiência dos sistemas político e jurídico para punir e coibir a corrupção, a violência e os abusos das autoridades, muitas vezes praticadas por funcionários (políticos, juízes, policiais, promotores) que deveriam zelar pelos direitos universais. Parafraseando Darcy Ribeiro, concluímos que não há crise política, social, jurídica, militar e policial, há, sim, um projeto que vem sendo executado desde a proclamação da independência pela sociedade luso-brasileira colonizada.

 


sábado, 18 de julho de 2020

racismo, preconceito e intolerância religiosa numa sociedade colonizada


                                                                                                Isaac Warden Lewis


Falar de racismo, preconceito, discriminação, intolerância religiosa em sociedades colonizadas da Asia, África ou América implica compreender o processo de construção ideológica realizada pelos colonizadores capitalistas e imperialistas, no século XVI, os quais planejaram a invasão desses continentes com o objetivo de explorar seus recursos naturais e humanos. Para isso, os colonizadores preestabeleceram que esses continentes eram terras de ninguém e que os povos, por ventura, existentes nelas, seriam animais inferiores, destituídos de inteligência, naturalmente sujos e preguiçosos.
Os europeus, seus descendentes (incluindo os mestiços), os nativos das terras invadidas passaram a acreditar nas construções ideológicas das classes capitalistas europeias. Escritores, como Luís de Camões (português) e José de Alencar (brasileiro), em seus textos, enalteceram as ações selvagens e atitudes hipócritas dos colonizadores e dos colonos portugueses nas terras invadidas e desqualificaram as atitudes heróicas e dignas dos nativos dessas terras sem ressaltar que os nativos foram covardemente submetidos às condições de vida e de trabalho inferiores através da força das armas e de legislações escravocratas feudais herdadas de sociedades escravagistas antigas, como a grega e a romana. Ainda na contemporaneidade, políticos, juízes e advogados brasileiros referem-se às leis gregas e romanas orgulhosamente como a fonte do direito português e brasileiro, abstraindo o fato de que a sociedade brasileira nunca foi um império.
As ordenações afonsinas (1446), manuelinas (1514) e filipinas (1603) continham explicitamente discriminações negativas contra os índios, negros, judeus, árabes, ciganos, ateus e a todas as religiões não católicas romanas. Essas discriminações eram práticas institucionais do estado português e referendadas pela Igreja Católica Apostólica Romana através de suas ordens e da Inquisição, responsáveis pelo cumprimento das normas estabelecidas nas legislações do reino português e nas bulas papais.
Em consequência disso, todos os indivíduos pertencentes aos grupos discriminados viviam na sociedade colonial como segregados e apartados, embora houvesse indivíduos (judeus, negros, índios, mestiços) que se destacaram em cargos importantes da administração colonial, como, por exemplo, Antônio Gonçalves Dias (1823-1864), Cristovão Vieira, pai do padre Antônio Vieira (1608-1697). Em Portugal, vários judeus exerceram atividades importantes na sociedade. Mesmo assim, foram perseguidos, sofreram violências étnicas e expulsos a partir de 1497. Levaram seus conhecimentos, suas técnicas e capacidades produtivas e financeiras para Inglaterra, Holanda e a outros países, contribuindo para o desenvolvimento econômico, social, político e intelectual desses países. A ideologia capitalista e colonialista do racismo, do preconceito, da discriminação permeou todos os setores da sociedade colonial brasileira de tal sorte que brancos discriminavam brancos, negros, índios e mestiços. Negros discriminavam negros, brancos, índios e mestiços. Mestiços discriminavam mestiços, brancos, negros e índios. Ìndios discriminavam índios, negros, brancos e mestiços. Inúmeros/as escritores/ escritoras e ensaístas negros/as, índios/as, mestiços/as têm analisado, em seus textos, as relações pessoais e interpessoais entre os vários grupos étnicos das sociedades colonizadas ou têm explicitado as ações iníquas e as atitudes hipócritas dos colonizadores e de seus descendentes tanto nos continentes invadidos como nas metrópoles coloniais. A lista desses escritores é longa: Maria Firmina dos Reis. Machado de Assis, Lima Barreto, Luiz Gama, Abdias Nascimento, Frantz Fanon, Albert Memmi, Angela Davis, Bell Hooks, Kabengele Munanga, Iray Carone, Maria Aparecida Silva Bento, Grada Kilomba, Djamila Ribeiro. Patricia Hill Collins. Também escritores e ensaístas brancos têm contribuído para a compreensão e o desvelamento do racismo, do preconceito étnico e da intolerância religiosa tanto nos países colonizados quanto nos países capitalistas ocidentais.
Outrossim, desde o início da colonização europeia nos continentes da Ásia, África e América, nativos desses territórios contradisseram as falsas opiniões de que eram inferiores, preguiçosos e incapazes de raciocínio lógico e inteligente. No Brasil, uma professora negra, Maria Firmina dos Reis (1822-1917), em seu romance “Úrsula”, publicado em 1859, criou personagens negros que refletiam sobre as selvagerias, as barbaridades, as iniquidades, as hipocrisias, as falsidades e a desumanidade cristã dos traficantes, senhores e das senhoras de escravos.
Em síntese, o racismo, o preconceito étnico contra os/as outros/outras, a intolerância religiosa constituíram e ainda constituem práticas sociais imperantes na sociedade brasileira  colonizada, uma vez que os europeus e seus descendentes luso-brasileiros, de mentalidade feudal, nunca refletiram que os nativos dos continentes não os convidaram para se instalarem nos seus territórios e nem os africanos saíram da África voluntariamente para serem explorados como escravos na América. No Brasil, as classes favorecidas apresentam o país como uma democracia racial, isso porque suas legislações não mencionam algum tipo de segregação ou de discriminação, porém suas instituições (principalmente as jurídicas, militares e policiais) praticam ações semelhantes às do sistema de apartheid que vigorou na África do Sul de 1948 a 1994. Pode-se concluir, então, que o Brasil tem sido um país de apartheid não declarado, enquanto que a África do Sul foi um país de apartheid declarado.
A melhor maneira de os povos colonizados (brancos, negros, índios, mestiços) lutarem contra o racismo, o preconceito, a intolerância religiosa é aprofundarem o conhecimento das práticas ideológicas que orientaram e orientam a invasão dos continentes asiáticos, africanos e americanos para a exploração de seus recursos naturais e humanos.   


sexta-feira, 17 de julho de 2020

A DESSACRALIZAÇÃO DO MISTÉRIO

                                                                                           Isaac Warden Lewis

É fato que a sacralização do mistério, do desconhecido, se constituiu na Antiguidade através da fundação de templos religiosos. Os sacerdotes, os letrados, os legisladores tornam-se funcionários essenciais a serviço das classes favorecidas em várias sociedades antigas e medievais, principalmente, tanto no Oriente como no Ocidente, graças à falta de conhecimentos precisos sobre a realidade natural e social.  De acordo com os sacerdotes, os letrados e os legisladores dessas sociedades, o universo seria obra divina, misteriosa. A Terra seria o centro do universo, o homem seria um ser privilegiado entre os animais, a vida seria uma dádiva divina, misteriosa. Tudo giraria em torno da Terra: o sol, os planetas, as estrelas. Uma divindade ou algum ser misterioso dirigia o movimento dos astros, a existência, a vida, os seres humanos, a sociedade.
É fato também que a dessacralização do mistério, do desconhecido, começou a constituir-se na Antiguidade. No século VI a. C., Sidarta Gautama, o Buda (c563-c483 a. c.), rompe com a doutrina mística e religiosa do bramanismo, o qual ensinava que os seres humanos passavam por várias reencarnações e, por isso, dividiam-se em castas superiores, intermediárias e inferiores. Insatisfeito com as desigualdades e injustiças sociais da sociedade hindu e depois de longas peregrinações e meditações, Sidarta Gautama declarou que todos os seres humanos eram iguais e que a felicidade humana era alcançável por cada ser humano através de seu esforço de busca pela compreensão.  Aristarco de Samos (cerca de 270 a. C.) postulou que a Terra e os planetas giravam em torno do sol. Eratóstenes (276-194 a.C.) mediu, com relativa precisão, a distância da Terra em relação ao sol. Nicolau Copérnico (1473-1543) realizou estudos, constatando que os planetas giravam em torno do sol. Galileu Galilei (1564-1642), Johannes Kepler (1571-1630) e Isaac Newton (1643-1727) aprofundaram os conhecimentos e as descobertas realizadas por Copérnico. O sol passa a ser considerado o centro do sistema solar e, não, do universo.
A partir disso, várias áreas do conhecimento serão dessacralizadas, principalmente com a chegada de muçulmanos à Europa no século XII. Seus estudiosos levaram manuscritos de filósofos e estudiosos gregos da Antiguidade, de ciência médica dos árabes. Vários estudiosos europeus dedicam-se, então, ao estudo do corpo humano. Realizam dissecações e revelam a anatomia do ser humano através de desenhos e diagramas, como, por exemplo, Andreas Vesalio (1514-1564), em seu livro, “A organização do corpo humano”, publicado em 1543.
A partir do século XIV, vários teólogos europeus propuseram a reforma da religião, como John Wycliffe (1328-1384), John Huss (1369-1415), Martinho Lutero (1483-1546), Thomas Müntzer  (1490-1525), João Calvino (1509-1564), John Knox (1513-1572). Os reformadores assinalaram que, na Europa, grassava a ignorância entre a população e, por isso, ela era sufocada pela religião. Contestaram a infalibilidade do papa e criticaram o autoritarismo e a arbitrariedade do clero católico. Condenaram os rituais pagãos, a idolatria e as superstições adotados pela Igreja Católica Apostólica Romana.  
Do século XVI ao século XIX, os cientistas desvelam os conhecimentos em várias áreas. A Biologia, a Botânica, a Zoologia, a Geografia, a História Natural, a História das sociedades, a Antropologia dessacralizam mistérios e mitos, sugerindo aos seres humanos reformularem suas ideias, seus pensamentos sobre a vida, a sociedade, o mundo e os seus comportamentos. Louis Pasteur (1822-1895) revela que as doenças são geralmente produzidas por vírus e bactérias e, não, por seres malignos ou misteriosos.
Nesse período, vários estudiosos, educadores e teólogos criticaram a educação e as práticas de ensino nas escolas dirigidas por igrejas. Eles propõem a reforma da educação. Pedagogos desenvolvem a concepção de que todos os seres humanos (homens e mulheres) devem ter acesso ao conhecimento científico, técnico e artístico independentemente de suas crenças religiosas e de suas condições de vida, sugerem que a educação científica, técnica e artística deve ser propiciada por um estado laico e que o ensino religioso deve ser realizado pelas igrejas em seus respectivos templos. Em resumo, os educadores propõem uma educação universal, laica, comprometida com a popularização dos conhecimentos científicos, técnicos e artísticos que vinham sendo desenvolvidos desde a Renascença na Europa.
No Brasil, a partir do século XVI, os jesuítas e os letrados, a serviço da corte portuguesa medieval, insistem no monopólio da catequese e da educação para manter a dominação e a espoliação dos nativos, dos africanos e dos trabalhadores livres por parte dos colonizadores portugueses. Mesmo depois da proclamação da independência (1822), da proclamação da abolição (1888) e da proclamação da república (1889), os setores conservadores católicos continuaram mantendo uma educação fundamentalmente teológico-catequética mística em favor da organização político-social feudal colonizada da sociedade brasileira. Essa organização favorecia os latifundiários nacionais e os empresários de países colonizadores, como, por exemplo, a Inglaterra. Desse modo, a propriedade da terra, como meio de produção, é monopolizada legalmente (e não legitimamente) por esses dois setores. A classe desfavorecida (os índios, os negros, os trabalhadores livres) é destituída legalmente do direito à propriedade da terra como meio de produção. O Brasil tem sido um país de apartheid  não declarado. Na verdade, todos os países da América Latina são sociedades de apartação não declaradas, distinguindo-se do sistema da África do Sul que era uma sociedade de apartheid  legalmente declarado. Porém tal como a África do Sul, o Brasil teve e tem seus genocídios, tem tido suas prisões arbitrárias, ilegais, direitos humanos negados à grande maioria da população e a liberdade de expressão cerceada.
Os dois golpes político-militares de 1930 e de 1964, rotulados erroneamente de “revoluções”,  mantiveram a sociedade brasileira como uma organização político-social feudal colonizada. Os dois golpes tiveram o apoio de setores católicos conservadores. A partir da década de 1970, os setores conservadores brasileiros passaram a contar com o apoio político e ideológico de igrejas “evangélicas”, patrocinadas pelo Complexo Industrial-Militar dos Estados Unidos. As igrejas evangélicas resgataram e adotaram princípios e práticas religiosas medievais do catolicismo romano. Adotaram principalmente rituais pagãos, idolatria e superstições. Insistem ainda em entrelaçar anacronicamente práticas religiosas com as atividades políticas e profissionais inerentes ao estado laico moderno.