Isaac
Warden Lewis
É
fato que a sacralização do mistério, do desconhecido, se constituiu na
Antiguidade através da fundação de templos religiosos. Os sacerdotes, os
letrados, os legisladores tornam-se funcionários essenciais a serviço das
classes favorecidas em várias sociedades antigas e medievais, principalmente,
tanto no Oriente como no Ocidente, graças à falta de conhecimentos precisos
sobre a realidade natural e social. De acordo
com os sacerdotes, os letrados e os legisladores dessas sociedades, o universo
seria obra divina, misteriosa. A Terra seria o centro do universo, o homem
seria um ser privilegiado entre os animais, a vida seria uma dádiva divina,
misteriosa. Tudo giraria em torno da Terra: o sol, os planetas, as estrelas.
Uma divindade ou algum ser misterioso dirigia o movimento dos astros, a
existência, a vida, os seres humanos, a sociedade.
É
fato também que a dessacralização do mistério, do desconhecido, começou a constituir-se
na Antiguidade. No século VI a. C., Sidarta Gautama, o Buda (c563-c483 a. c.),
rompe com a doutrina mística e religiosa do bramanismo, o qual ensinava que os
seres humanos passavam por várias reencarnações e, por isso, dividiam-se em castas
superiores, intermediárias e inferiores. Insatisfeito com as desigualdades e
injustiças sociais da sociedade hindu e depois de longas peregrinações e meditações,
Sidarta Gautama declarou que todos os seres humanos eram iguais e que a
felicidade humana era alcançável por cada ser humano através de seu esforço de
busca pela compreensão. Aristarco de
Samos (cerca de 270 a. C.) postulou que a Terra e os planetas giravam em torno
do sol. Eratóstenes (276-194 a.C.) mediu, com relativa precisão, a distância da
Terra em relação ao sol. Nicolau Copérnico (1473-1543) realizou estudos,
constatando que os planetas giravam em torno do sol. Galileu Galilei
(1564-1642), Johannes Kepler (1571-1630) e Isaac Newton (1643-1727)
aprofundaram os conhecimentos e as descobertas realizadas por Copérnico. O sol
passa a ser considerado o centro do sistema solar e, não, do universo.
A
partir disso, várias áreas do conhecimento serão dessacralizadas,
principalmente com a chegada de muçulmanos à Europa no século XII. Seus
estudiosos levaram manuscritos de filósofos e estudiosos gregos da Antiguidade,
de ciência médica dos árabes. Vários estudiosos europeus dedicam-se, então, ao
estudo do corpo humano. Realizam dissecações e revelam a anatomia do ser humano
através de desenhos e diagramas, como, por exemplo, Andreas Vesalio (1514-1564),
em seu livro, “A organização do corpo humano”, publicado em 1543.
A
partir do século XIV, vários teólogos europeus propuseram a reforma da
religião, como John Wycliffe (1328-1384), John Huss (1369-1415), Martinho
Lutero (1483-1546), Thomas Müntzer
(1490-1525), João Calvino (1509-1564), John Knox (1513-1572). Os
reformadores assinalaram que, na Europa, grassava a ignorância entre a
população e, por isso, ela era sufocada pela religião. Contestaram a
infalibilidade do papa e criticaram o autoritarismo e a arbitrariedade do clero
católico. Condenaram os rituais pagãos, a idolatria e as superstições adotados
pela Igreja Católica Apostólica Romana.
Do
século XVI ao século XIX, os cientistas desvelam os conhecimentos em várias
áreas. A Biologia, a Botânica, a Zoologia, a Geografia, a História Natural, a
História das sociedades, a Antropologia dessacralizam mistérios e mitos, sugerindo
aos seres humanos reformularem suas ideias, seus pensamentos sobre a vida, a
sociedade, o mundo e os seus comportamentos. Louis Pasteur (1822-1895) revela
que as doenças são geralmente produzidas por vírus e bactérias e, não, por
seres malignos ou misteriosos.
Nesse
período, vários estudiosos, educadores e teólogos criticaram a educação e as
práticas de ensino nas escolas dirigidas por igrejas. Eles propõem a reforma da
educação. Pedagogos desenvolvem a concepção de que todos os seres humanos (homens
e mulheres) devem ter acesso ao conhecimento científico, técnico e artístico
independentemente de suas crenças religiosas e de suas condições de vida,
sugerem que a educação científica, técnica e artística deve ser propiciada por
um estado laico e que o ensino religioso deve ser realizado pelas igrejas em
seus respectivos templos. Em resumo, os educadores propõem uma educação
universal, laica, comprometida com a popularização dos conhecimentos
científicos, técnicos e artísticos que vinham sendo desenvolvidos desde a
Renascença na Europa.
No
Brasil, a partir do século XVI, os jesuítas e os letrados, a serviço da corte
portuguesa medieval, insistem no monopólio da catequese e da educação para
manter a dominação e a espoliação dos nativos, dos africanos e dos
trabalhadores livres por parte dos colonizadores portugueses. Mesmo depois da
proclamação da independência (1822), da proclamação da abolição (1888) e da
proclamação da república (1889), os setores conservadores católicos continuaram
mantendo uma educação fundamentalmente teológico-catequética mística em favor
da organização político-social feudal colonizada da sociedade brasileira. Essa
organização favorecia os latifundiários nacionais e os empresários de países
colonizadores, como, por exemplo, a Inglaterra. Desse modo, a propriedade da
terra, como meio de produção, é monopolizada legalmente (e não legitimamente)
por esses dois setores. A classe desfavorecida (os índios, os negros, os
trabalhadores livres) é destituída legalmente do direito à propriedade da terra
como meio de produção. O Brasil tem sido um país de apartheid não declarado. Na
verdade, todos os países da América Latina são sociedades de apartação não
declaradas, distinguindo-se do sistema da África do Sul que era uma sociedade
de apartheid legalmente declarado. Porém tal como a
África do Sul, o Brasil teve e tem seus genocídios, tem tido suas prisões
arbitrárias, ilegais, direitos humanos negados à grande maioria da população e
a liberdade de expressão cerceada.
Os
dois golpes político-militares de 1930 e de 1964, rotulados erroneamente de
“revoluções”, mantiveram a sociedade
brasileira como uma organização político-social feudal colonizada. Os dois
golpes tiveram o apoio de setores católicos conservadores. A partir da década
de 1970, os setores conservadores brasileiros passaram a contar com o apoio político
e ideológico de igrejas “evangélicas”, patrocinadas pelo Complexo
Industrial-Militar dos Estados Unidos. As igrejas evangélicas resgataram e adotaram
princípios e práticas religiosas medievais do catolicismo romano. Adotaram
principalmente rituais pagãos, idolatria e superstições. Insistem ainda em
entrelaçar anacronicamente práticas religiosas com as atividades políticas e
profissionais inerentes ao estado laico moderno.
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