quinta-feira, 23 de junho de 2022

MULHERES EM SÉRIE

                                                                                                          Isaac Warden Lewis

                                                                           I

Juliano Ferreira, um homem negro de sessenta anos, vivia preocupado, angustiado. Homem de poucos amigos, na verdade, de nenhum amigo e de muitos colegas que gostavam de beber cerveja e acompanhar jogos de futebol. Juliano Ferreira não sentia prazer em se reunir com seus colegas. Pensava nos seus relacionamentos, mais precisamente, nos seus três falidos casamentos. Resumia sua experiência da seguinte maneira: mulheres em série, como produtos de fábrica.

A primeira mulher teve duas filhas. Ele viveu quinze anos com ela e as filhas. Juliano e a primeira mulher brigavam constantemente sobre educação das filhas. Juliano Ferreira entendia que educação era coisa séria e uma ação para toda a vida. Sua esposa entendia que as filhas deveriam ser tratadas como crianças por toda vida e cobrava do marido festas e presentes para agradar as filhas. Juliano Ferreira tentou convencer a primeira esposa que era papel dos pais conversarem com as filhas sobre trabalho para atender as necessidades e carências humanas e que o mundo não deveria se resumir em festas e presentes e quem gostava de festinhas e presentes eram os animais de quatro patas. Sua primeira esposa ofendeu-se com as lições do marido e resolveu abandoná-lo. Desapareceu com suas filhas. Juliano Ferreira acabou se conformando. Pensou que era melhor viver só do que mal acompanhado.

 

II

Mas surge a segunda mulher. Ela também era separada e tinha três filhos. Depois de muito conversarem sobre seus fracassados relacionamentos, Juliano passou a viver com a segunda mulher e seus três filhos. No início, Juliano imaginou que tudo seria maravilhoso. Ele pensou em educar sua nova família, falando sobre a situação miserável do país em que viviam. Disse-lhes que o Brasil era um país de apartheid não declarado. A sociedade brasileira era excludente, desigual e que o poder político existia para o benefício das classes favorecidas e discriminava negativa e continuamente as classes desfavorecidas e isso era observado na contínua concentração de renda a favor de poucas pessoas e a pauperização continuada da maioria das pessoas das classes desfavorecidas. Juliano Ferreira explicou que, nessa circunstância, ele e todos iguais a ele tinham de trabalhar muito para viver razoavelmente, sem luxo, sem vaidade, sem desejos irracionais.  Talvez a segunda mulher não tenha conseguido entender ou não quis entender as lições políticas e sociais de seu companheiro e logo, bem logo, começaram as cobranças. Ela disse ao Juliano que ele não manifestava simpatia pelos afilhados, parecia mesmo não gostar deles. Juliano Ferreira sentiu-se incompreendido, tentou justificar-se, tentou dizer a sua segunda companheira que ele não ganhava o suficiente para comprar um celular para cada um de seus afilhados se divertir com jogos idiotas que não educavam ninguém, nem crianças, nem adultos. A segunda mulher passou a viver triste, sempre de mau humor, não queria conversar, disse que não queria saber de política, educação, desigualdade e, muito menos, de pobreza e miséria na sociedade brasileira. Juliano Ferreira não conversou mais com a sua nova família.  Sua segunda mulher resolveu partir com os filhos depois de conviver três anos  com Juliano. Ao ficar só mais uma vez, ele decidiu que jamais se casaria.

 

III

Entretanto Juliano Ferreira cometeu o erro de comparecer a uma festa na casa de seu vizinho. Nessa festa, ele conheceu sua terceira mulher. Ela também era separada, tinha dois filhos e duas filhas. Todos eram adolescentes e estudantes. Juliano passou a viver com a terceira mulher e seus filhos e filhas. Inicialmente, ele acreditou na maturidade de sua nova família e imaginou que todos seriam felizes. Para melhorar o relacionamento com a sua nova família, Juliano Ferreira começou a conversar com seus afilhados sobre a importância do estudo, ressaltando que eles deveriam pensar em construir seu conhecimento tanto sobre a realidade natural quanto a realidade social. Disse a eles que estudar é uma atividade séria que exige esforço e dedicação. Disse-lhes que não deveriam ver estudo como possibilidade de ganhar coisas e sim como possiblidade de compreender o mundo, os problemas do mundo, as lutas, as descobertas, as invenções, as conquistas realizadas por homens e mulheres ao longo da história.

Entrementes, a terceira mulher começou a ficar de mau humor toda vez que Juliano Ferreira conversava com os afilhados e estes, por sua vez, pareciam felizes com as suas lições. Numa dessas conversas, a terceira mulher dirigiu-se ao Juliano, chamando-o de filósofo e acusando-o de incutir ideias nocivas na cabeça de seus filhos. Disse ainda que ele estava estragando a educação que ela havia lhes dado de ser alguém na vida e de estudar para ganhar muito dinheiro e que todo estudante brasileiro deseja isso e mais nada dessa coisa de trabalhar para o bem da humanidade e blá, blá, blá. A temperatura do mau humor da terceira esposa aumentou quando a filha mais velha manifestou-se a favor de seu padrasto, dizendo que ele ajudava ela e seus irmãos a pensaram sobre o futuro de suas vidas. Com isso, a terceira mulher virou-se para Juliano Ferreira e disse-lhe para ir embora porque ela não iria aceitar que ele desviasse o comportamento de suas filhas e de seus filhos. Disse-lhe para arrumar suas coisas imediatamente e sair de casa antes que ela atirasse tudo na rua. Juliano Ferreira levantou-se, despediu-se de seus afilhados, da sua nova família, arrumou suas coisas e partiu. Desde então, Juliano Ferreira vive desgostoso, quer saber onde ele errou, pensa nos seus relacionamentos e conclui que as mulheres estão sendo produzidas em série.

 

 

                                                     F I M

 

Outubro de 2021.

 

quinta-feira, 16 de junho de 2022

BRASIL:GENOCÍDIO HISTÓRICO EM UM PAÍS COLONIZADO

                                                                                                                 Isaac Warden Lewis

O Brasil comemora oficialmente 200 anos da proclamação da independência de Portugal. Entretanto os acontecimentos trágicos e dramáticos sofridos pelos indígenas em suas terras, pelos  afro-brasileiros  nos quilombos e nas favelas, por jornalistas e missionários/as comprometidos/as com a melhoria das condições de vida de indígenas, afro-brasileiros, trabalhadores sem terra ou sem teto, todos vítimas de violência praticada por forças armadas que supostamente existem para a proteção de povos anteriormente colonizados e explorados pelos colonizadores portugueses através de suas classes privilegiadas portuguesas e de suas classes favorecidas luso-brasileiras, demonstram que a proclamação da independência constituiu uma ficção, uma invenção produzida pela diplomacia do imperialismo britânico para usufruir das matérias primas produzidas pela colônia portuguesa e controlar a produção agrícola e comercial. Desse modo, os ideólogos britânicos não deveriam ficar perplexos quando cidadãos ingleses são baleados ou mortos nas favelas brasileiras, no rio Amazonas ou nos territórios indígenas da floresta amazônica, uma vez que os poderes políticos, militares, jurídicos e policiais luso-brasileiros existem desde o período colonial para coagir, perseguir e punir os povos nativos da América, da África, Ásia, além de colonos portugueses rebeldes com  relação às determinações contidas nas Ordenações promulgadas pelo reis portugueses que discriminavam negativamente os povos nativos de continentes não-europeus.

Aprendemos com um personagem , Rafael Hitlodeu, criado por Thomas More (1478-1535), em seu livro “Utopia”, que, no início do século XVI, a Inglaterra estava-se transformando radicalmente porque uma nova classe de comerciantes capitalistas estava açambarcando as terras do reino inglês para criar carneiros para produção de lã, visando atender sua ganância de lucros comerciais e industriais, expulsando famílias e mais famílias das terras, tornando-as miseráveis e famintas, levando alguns de seus membros a praticarem roubos e outros crimes e, consequentemente, a serem enforcados. Essa ação de açambarcamento ou de monopolização de terras vai ser exportada pelos colonizadores europeus para outros continentes em benefício das classes privilegiadas europeias, ignorando os direitos de ocupação dos povos nativos americanos pré-colombianos, africanos, asiáticos. Os colonizadores europeus praticaram crimes hediondos contra os nativos desses continentes, muitas vezes, aliando-se a nativos para massacrar os nativos que reagiam contra os colonizadores. No Brasil, a história desses crimes praticados contra os nativos apresenta-nos uma lição inestimável. No século XVII, os povos indígenas guaranis obtiveram do rei da Espanha o direito de usar armas de fogo contra os bandeirantes paulistas escravagistas. Foi dessa maneira que  os portugueses, os mamelucos e  seus aliados indígenas aprenderam a não atacar covardemente as populações pacíficas que viviam nas missões jesuíticas. Entendemos que somente dessa maneira, as favelas, os quilombos, as terras indígenas poderão ser protegidas. Infelizmente, a partir da proclamação da independência, esses nativos foram destituídos do direito de se defenderem em seu território e, por isso, eles vêm sendo exterminados covardemente pelas forças políticas, militares, jurídicas, policiais e mercenárias luso-brasileiras que supostamente deveriam protegê-los. Em resumo, uma proclamação de independência é apenas uma proclamação e não uma ação revolucionária efetiva e radical de independência.

 

quinta-feira, 9 de junho de 2022

THE BIG PIG'S STORY

                                                                                                     Isaac Warden Lewis

There was a very, very big pig  which was very proud of his fatness. Because of that he considered himself as one that had done well in life. “I have succeeded”, he used to say to himself.

He never realized that his fate, his life, his fatness and his death had been scheduled by the gains or losses of a capitalistic farming. He did not know that he was solely an economic unity of the capitalistic mind of the farmer.

One day he said to his  kin: “Let’s make a house for us. Everybody has a house. We must have a shelter to protect us against the sun and the rain. The other pigs agreed. They gather themselves. Brothers, sisters, fathers, mothers, uncles, aunts, sons, daughters and friends. Everyone wanted to help because most animals have a socialistic instinct. In fact, they realized that from birth to death, they depended, in one way or another, on the work of others.

They began the construction of their house happily. One brought bricks, another brought woods, another brought cement, another brought tools. Everyone brought something or did something to help build the house. The big pigs, the little pigs and even the new-born pigs, all contributed in one way or another.

            The new-born pigs contributed in a very unique way. Every time when pigs were born, the work was momentarily paralysed in order to welcome them merrily with drinks and dancing and  many congratulations to one another. Everybody was happy and eager to go back to work when the feast finished.

            The big pig commanded the work for he was elected to direct the work once he had suggested it. Very proudly he said to the others: “Let’s do this”, “Let’s put that here”, “Bring that”, “Let’s carry this”, “Tell the carpenter to come here”, “Call the mason” and so on.

            After work, at night, when talking to his mates, he would say: “We are building a house, we are doing this, we are going to do that and so on. But funny as it may be his language began to change, but nobody noticed that for a long, long time. He said instead: “Do that”, “Carry this”, “Tell the mason to come here”< “Don’t do that”, “Don’t put that there”, and so on. After work at night, when talking to one or another, he would say:”I am building a house”, “I am doing this”, “I am doing that”, “I am going to do a lot of things interesting for my house”, and so on.

            The pigs continued to build the house. They did everything the great boss commanded them to do. The big pig was called the big boss now. The pigs finished the construction of the house. The big boss suggested that they had to fence in the house in order to protect it from invaders. The other pigs began to think that something was wrong. They wanted to know why the big  boss wanted to fence in their house. Some of the pigs realized that for a long time the big boss referred to the pigs’ house as “my house”. These pigs realized that the big pig decided to expel the workers from “his house”. These pigs decided to leave the work and went into the forest to find another place to live. A few pigs remained working for the big pig. They fenced the land where the house was located.

            As soon as the fence was finished, the big boss suggested that they ought to make a gate. After the gate was ready, he told the pigs that they were free  so they could leave the house and wander through the neighbouring forest and come back when they pleased. The pigs became happy to be free for a while. They spent the whole day in the forest. At night they returned home. They found the gate closed. The house was closed. The big pig did not bother to open the door of the house and neither he bother to open the gate. The pigs could not enter their house. They were expelled from it by the big pig. He began to tell everybody that he constructed the house by himself. 

 

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Silves, Amazonas, Abril de 2022.