Isaac Warden Lewis
Os colonizadores europeus –
portugueses, espanhóis, ingleses, franceses, holandeses, belgas – invadiram territórios da Ásia, África e da América, norteados por ideias
preconcebidas em relação às populações que viviam nesses continentes.
Por considerarem inferiores, bárbaros e selvagens os seres
humanos, que viviam nas terras invadidas, e suas culturas, os colonizadores
europeus arrogaram-se o direito de se apropriarem das terras invadidas com o objetivo de
explorarem os recursos materiais e humanos dessas terras.
Para
isso, utilizaram-se de armas de fogo e de ensinamentos supostamente cristãos, desconhecidos
dos povos que viviam nas terras invadidas, para realizarem massacres,
genocídios, decapitações, esquartejamentos de todos os colonizados que se recusassem
a aceitar as práticas civilizatórias e religiosas, impostas pelos
colonizadores.
O
escritor medieval Luís de Camões ilustra bem o comportamento dos colonizadores
em geral, embora ele louve especialmente os colonizadores portugueses em sua
epopeia denominada “Os Lusíadas”: Neste livro, os portugueses são considerados gentes boas e os colonizados, gentes ruins. A cultura portuguesa é boa e a cultura dos colonizados, ruim. As barbaridades e as selvagerias
dos portugueses são consideradas heroicas
e meritórias e as dos colonizados, terríveis
e atrozes.
No
Brasil, no século XVI, os colonizadores portugueses trouxeram arcabuzes,
inquisidores, padres, ordens religiosas e as leis manuelinas, joaninas e
filipinas, que discriminavam negativamente ateus, judeus, ciganos, índios,
africanos negros, muçulmanos como gentes sujas, não merecedoras de consideração
e de direitos do reino português, mas que deveriam respeitar e cumprir os
deveres impostos a eles.
As
ordens religiosas organizaram campos onde concentravam os índios (crianças e
adultos), ensinando-lhes os costumes e comportamentos que deveriam adotar para
se tornarem trabalhadores civilizados. Os índios que reagiram ou se rebelaram
contra essa domesticação foram mortos ou
escravizados através de guerras justas ou
guerra aos bárbaros, previstas nas
leis elaboradas pelos reis portugueses.
Desse
modo, através da violência e da domesticação, os índios se tornaram
trabalhadores e escravos suprindo Portugal de pau brasil, drogas do sertão,
especiarias e ainda foram forçados a trabalharem nas primeiras plantações e
engenhos de açúcar.
Ao
ampliarem investimentos em plantações de
cana e de engenhos de açúcar, os portugueses trouxeram africanos negros para o
Brasil e obrigaram-nos a trabalharem à força. Os negros africanos e brasileiros
ainda foram empregados à força nas plantações de tabaco, de cacau, de café e na
mineração.
Em
todo o período colonial e no período imperial, as autoridades jurídicas e
policiais perseguiram e puniram índios e negros rebeldes ou que se recusassem a
trabalhar eficientemente nas plantações e nos engenhos, torturando-os, deportando-os,
matando-os, degolando-os, esquartejando-os. Não somente, índios e negros foram
punidos bárbara ou selvagemente, também foram
punidos dessa forma homens livres, incluindo altos funcionários
brasileiros e portugueses que se rebelaram contra as determinações das
autoridades reinóis.
Em
resumo, o Brasil foi fundado, estruturado
e consolidado através da violência bárbara e selvagem perpetrada pelos
colonizadores portugueses, pelas autoridades políticas, jurídicas, militares
(incluindo bandeirantes) e policiais, brasileiras e portuguesas, a serviço das
classes privilegiadas de Portugal (até 1822).
O estado burocrático de direito,
construído, a partir de 1549, no Brasil, para garantir a expropriação das
terras indígenas, a exploração do trabalho forçado dos indígenas e africanos e
a submissão e o respeito dos súditos portugueses e luso-brasileiros às
diretrizes políticas estabelecidas pelas cortes portuguesas, era administrado,
inicialmente, por funcionários portugueses (governadores gerais, vice-reis,
militares, auditores, juízes e seus auxiliares), tendo, depois, muitos desses
funcionários (a maioria constituída de mamelucos) nascidos no Brasil.
A partir de 1822, declarada a
independência do Brasil de Portugal, o estado burocrático de direito passou a
ser administrado para atender os
interesses comerciais e industriais da Inglaterra, a nação amiga, que
apadrinhara a iniciativa de independência de setores escravagistas brasileiros.
Por conseguinte, os traficantes e os senhores de escravos brasileiros entraram
em conflito com os projetos políticos de D. Pedro I, acusado de beneficiar
comerciantes estrangeiros (portugueses e ingleses) que começaram a instalar
negócios em várias cidades do país (Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador,
Recife, Belém, Manaus). Além disso, D. Pedro I propunha em sua constituição que
nenhuma condenação à morte de qualquer pessoa (livre ou escrava) poderia ser
executada sem pedido obrigatório de graça ao imperador; proibia açoites,
torturas e todas as penas cruéis aos escravos; concedia cidadania aos negros
libertos e sugeriu concessão de terras a colonos europeus. José Bonifácio,
entre outras propostas, defendeu que o estado concedesse terra e implementos
aos negros libertos. Pressionado, D. Pedro renunciou e partiu para Portugal.
José Bonifácio também foi forçado a exilar-se.
A partir de então, os senhores e traficantes
de escravos conseguiram transformar o estado burocrático de direito brasileiro
numa feitoria administrada pelas classes favorecidas locais em benefício dos interesses
das classes privilegiadas (comerciantes e industriais ingleses), apesar desses
interesses conflitarem com os mesquinhos interesses dos senhores e traficantes
de escravos. Em consequência, as medidas e as propostas de D. Pedro I e de José
Bonifácio foram revogadas ou ignoradas e as autoridades políticas, jurídicas e
policiais continuaram perseguindo, punindo violentamente índios, negros e
mestiços (escravos e livres) e homens livres considerados rebeldes ou
malfeitores. Nesse período, revoltas populares (Cabanagem, Cabanada, Sabinada,
Balaiada) foram reprimidas pelo exército, pela polícia e pela Guarda Nacional
por pretenderem melhorias de condições de vida e de trabalho através de
reformas (política, agrária). Os traficantes e os senhores de escravos
aprovaram, em 1850, a Lei da Terra, estabelecendo que a aquisição de terra só
poderia ser feita através de compra ao governo imperial, dificultando, desse
modo, o acesso à terra aos escravos e aos homens livres (índios, mestiços,
negros, brancos e imigrantes europeus)
A
sociedade brasileira independente continuou excludente e violenta com relação à
maioria da população. Os escravos libertos em 1888 foram lançados na
marginalidade. Em 1889, os senhores de escravos proclamam a república, sem a
participação popular e conformaram o estado burocrático de direito aos seus
interesses imediatos (manutenção de latifúndios, exploração violenta dos
trabalhadores imigrantes, negros, índios, mestiços (mulatos, mamelucos, cafuzos
etc), tornando o país exportador de produtos agrícolas (café, cacau, borracha)
e de matérias primas e importador de produtos industrializados. O sistema
político, jurídico, policial reprimia violentamente negros, índios, mestiços e
imigrantes italianos, portugueses e espanhóis que se recusavam a serem tratados
como escravos. Imigrantes italianos foram expulsos por tentarem organizar
sindicatos para defender os interesses dos trabalhadores.
Ao longo do período republicano, a
polícia perseguiu, torturou ou matou trabalhadores, favelados, detentos,
praticantes de religiões africanas com a complacência de secretários de
segurança, ministros da justiça e de juízes que se resumiam a prometer fazer
investigações e sindicâncias jamais concluídas. Nessa conjuntura,
latifundiários assassinaram trabalhadores sem terra, homens mataram mulheres em
nome da sua honra, os índios tiveram suas terras invadidas e alguns foram
assassinados, sindicalistas, advogados, juízes, políticos que criticaram as
injustiças, as desigualdades e a corrupção estrutural na sociedade foram
perseguidos e até mortos, detentos foram mortos nas prisões, grupos de extermínio têm
atuado impunemente em todo país e uma parcela significativa da população sempre
aceitava essas anomalias com naturalidade.
Um escritor negro, Paulo Lins, escreveu
um romance “Cidade de deus”, no qual focaliza as histórias de criminosos
residentes num conjunto popular, no Rio de Janeiro. O romance narra histórias
de meninos pobres que se tornam criminosos, vendedores e consumidores de
drogas, rotulados erroneamente de traficantes, que cometem assassinatos e são,
por sua vez, assassinados. O livro foi saudado e aplaudido por intelectuais
hipócritas porque, em nenhum momento, o
autor relacionou o contexto do referido conjunto residencial com o contexto
colonial, social, histórico e cultural da sociedade brasileira que produziu e
estigmatizou as periferias criadas por ela.
Outra hipocrisia professada por alguns
intelectuais e “revolucionários de esquerda” é pensar ou imaginar que a
violência, a perseguição, a tortura e o assassinato nas prisões só ocorreram em
um período da história do Brasil, mais
precisamente, por ocasião do golpe militar de 1964.
Enquanto isso, as autoridades
políticas, jurídicas e policiais atuais continuam preocupadas com a saúde e o
bem estar da política econômica e social para atender os interesses mercantis
das classes privilegiadas internacionais como se o papel dessas autoridades
fosse manter a ordem e o progresso da periferia do capitalismo.
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Publicado
originalmente no Jornal da ADUA, nº 74, Manaus,
fev., 2017
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