domingo, 5 de março de 2017

O ÔNIBUS


                                                                                               ISAAC WARDEN LEWIS

O ônibus parou no ponto final. O motorista e o cobrador estavam a postos. Os passageiros começaram a entrar. Eram cidadãos com direito de ir e vir livremente. Os primeiros a entrarem no ônibus puderam escolher seus lugares. Os outros tiveram de se conformar em sentar nos lugares restantes. Isso não importava. Todos eram iguais perante a lei.
O ônibus começou sua viagem. Parou em algumas paradas. Entraram os passageiros que iriam viajar em pé. Logo o limite do número de passageiros sentados e em pé estava completo. O ônibus continuou sua viagem.
Os passageiros sentados sentiam-se como se fossem uma elite privilegiada. Os passageiros em pé – a classe mediana – estavam satisfeitos. Eram a classe situada entre a classe dos passageiros sentados e as pessoas que não conseguiram entrar no ônibus. Estas constituíam a classe marginal. Se o ônibus continuasse a viagem sem parar seria ótimo para as duas classes que conseguiram entrar no ônibus.
Mas o motorista continuou a parar. Entraram mais passageiros. Os que estavam sentados sentiram-se incomodados. Havia menos ar no ônibus. Tiveram de se reacomodar em suas cadeiras. Suspiraram e murmurejaram. Os passageiros que viajavam em pé sentiram-se sacrificados em seu espaço mínimo. Esbravejaram e xingaram o motorista e o cobrador por aquela situação vexatória em que se encontravam. As pessoas que não conseguiam entrar no ônibus gritavam impropérios quando ele passava sem parar. Ameaçavam atirar pedras no ônibus ou incendiá-lo. A classe marginal estava irada.
Os passageiros – os que estavam sentados e os que estavam em pé – resolveram se solidarizar. Solicitaram ao motorista que providenciasse um policial para garantir sua viagem, seu direito de ir e de vir, sua segurança. As pessoas que não conseguiram entrar no ônibus discutiam sua situação entre si. Algumas postulavam que deviam colocar barreira na estrada, obrigar o ônibus a parar, expulsar o motorista e o cobrador, assumir o controle do ônibus e controlar o acesso das pessoas ao ônibus e às viagens do ônibus daquele momento em diante. Os mais radicais postulavam  que deviam tomar a empresa de ônibus, expulsar os donos e administrar o movimento e o itinerário dos ônibus.
A situação ficou crítica. As pessoas que não conseguiram entrar no ônibus pararam-no. O motorista, o cobrador e os passageiros desembarcaram. Formou-se um círculo em volta do ônibus. Havia o grupo das pessoas que estavam sentadas. Havia o grupo das pessoas que estavam em pé. Havia o grupo das pessoas que não conseguiram entrar no ônibus. Este último grupo declarou que também tinha o direito de ir e de vir. O motorista e o cobrador declararam que não tinham culpa por aquela situação, eram assalariados e mal remunerados.
Depois de alguma discussão, todos se deram conta de que uma força misteriosa não havia sido considerada até aquele momento. Era o lucro dos empresários de ônibus. Estes eram responsáveis por aquela situação. Continuavam com o mesmo número de ônibus de alguns anos atrás, enquanto o número de passageiros havia aumentado grandemente. Seus lucros haviam aumentado geometricamente. Era somente o que lhes interessava.   
Outros  ônibus foram chegando e obrigados a parar. Outros motoristas, cobradores e passageiros foram desembarcando e se aproximando dos grupos reunidos. Outras pessoas que não haviam conseguido entrar no ônibus também chegavam e se reuniam ao seu grupo. Depois de muita discussão, os motoristas e os cobradores declararam que só voltariam a trabalhar se os empresários aumentassem os seus salários  e melhorassem as suas condições de trabalho. Os passageiros declararam que só voltariam a viajar se os empresários aumentassem a frota de ônibus para melhorar o serviço de transporte de passageiros.
Os empresários resistiram, Os passageiros, os motoristas e os cobradores insistiram em suas reivindicações. Os empresários acabaram cedendo. Colocaram mais ônibus à disposição dos passageiros. Aumentaram os salários dos motoristas e dos cobradores. Seus lucros foram reduzidos. Os passageiros, os motoristas e os cobradores vivem melhor agora.
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Do livro “A ilha da Fantasia e outras histórias”.

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