Isaac Warden Lewis
Max Weber considerava que o compromisso dos cientistas
era com a verdade, mas que os políticos não precisavam necessariamente ter tal
compromisso. Para Max Weber, a realidade política demandava dos políticos
compromisso com as meias verdades. Claro que Max Weber não poderia imaginar as
consequências de suas ideias não só na Alemanha, como em todo mundo e, em
especial, no mundo subdesenvolvido (incluindo Brasil e Estados Unidos), onde as
ideias esboçadas na Europa eram distorcidas, enviesadas e passavam a ser
consideradas ideias civilizadas, superiores por letrados preguiçosos que
assimilavam tais ideias acriticamente.
No Brasil, no período colonial, os jesuítas foram mestres
em ensinar meias verdades, pois seus educandos , os nativos da América, os
senhores e as senhoras de escravos e os próprios escravos não deveriam saber
das questões científicas que foram e estavam sendo desenvolvidas naquele
momento na Europa, assim como não deveriam saber sobre as críticas feitas à
religião pelos não católicos.
Sabemos que nem todo cientista tem compromisso com a
verdade e nem todo político orienta-se por meias verdades. Na realidade, há
pessoas, de modo geral, que buscam a verdade para se orientarem, assim como há
pessoas que, esperta ou ingenuamente, se satisfazem com as meias verdades
pronunciadas por agentes ou instituições qualificados ou não pertencentes a uma
determinada sociedade.
Certa vez, um professor de História de uma renomada
instituição universitária paulista e também um ativista de esquerda, em um
congresso de professores, pronunciando-se contra qualquer debate sobre quotas ou política afirmativa na universidade, declarou extemporaneamente que
em Ruanda membros da etnia hutu haviam massacrado membros da etnia tutsi. Em
nenhum momento, esse professor de História sublinhou que os membros da etnia
tutsi haviam massacrado anteriormente membros da etnia hutu com apoio dos
colonizadores belgas. Esse professor, como cientista e como esquerdista
radical, pronunciou uma meia verdade, fazendo coro com as autoridades políticas
belgas que condenavam os massacres contemporâneos em Ruanda, sem mencionar seu
apoio às arbitrariedades e discriminações promovidas pelos tutsis contra os
hutus durante sua colonização do país. Estranhamos o posicionamento de um
professor de esquerda que se solidariza com os colonizadores europeus.
Um outro exemplo de meia verdade está sendo propalado
pela propaganda do Ministério da Educação do Brasil a favor de uma reforma que
prosseguirá a precarização da formação de qualquer profissional nesse país. No
início do século XX, vários filósofos educacionais (americanos, principalmente)
propugnaram que os educandos não precisavam aprender tantas matérias para se
tornarem profissionais de que a sociedade precisava.
Imaginamos que, para esses filósofos educacionais, o
bibliotecônomo não precisaria saber ler, escrever, contar, literatura, história,
geografia, qualquer conhecimento científico. Bastaria ele saber pegar um livro,
ler o código e colocá-lo na estante. Imaginamos também que um médico não
precisaria saber ler, escrever, contar, literatura, ciência, biologia, física,
química e nem anatomia. Bastaria esse acadêmico escolher sua especialidade, por
exemplo, implantação de silicone, seguir os manuais produzidos nos países
globalizados corporativos onde a medicina é estudada seriamente e, pronto, já poderia atuar como cirurgião do silicone no
país globalizado dependente.
Esses filósofos educacionais modernos não explicavam por que Bertrand Russell, sendo um brilhante
matemático, era também filósofo e
escritor. Nem seriam capazes de explicar a genialidade de Oscar Niemeyer que,
além de arquiteto, era também escritor e escultor. A lista seria interminável,
se pesquisássemos profissionais que se notabilizaram em várias áreas.
Os filósofos educacionais dos países globalizados
dependentes, como o Brasil, foram mais longe. A um estudante de matemática não
se deveria exigir o estudo da língua materna, de história, geografia,
filosofia, ciência. Do mesmo modo, a um estudante de língua estrangeira, não se
deveria exigir o estudo da língua nacional, de história, geografia, matemática,
ciência, filosofia. A um estudante da língua nacional, não se deveria exigir o
estudo de gramática. Para tais filósofos, esse estudo atrapalhava a
aprendizagem da língua. A abolição de disciplinas e de conteúdos tornou-se a experiência
pedagógica moderna e avançada para esses pseudo filósofos educacionais. Para
serem consequentes, deveriam ter proposto a abolição da escola.
A reforma do ensino médio, proposto por autoridades
burocráticas do Ministério da Educação com apoio de autoridades políticas e
governamentais, é tardia e extemporânea como são as reformas que imitam
reformas realizadas há muito tempo em outros países e a publicidade do Ministério da
Educação não esclarece que vários países que realizaram esse tipo de reforma,
segundo os filósofos educacionais modernos, voltaram atrás ou estão voltando
atrás, adotando a educação tradicional que ensina os educandos a estudarem toda
e qualquer disciplina para enriquecerem seu conhecimento e seu pensamento, haja
vista que os exercícios de múltipla escolha adotados como exercícios modernos
em muitos países foram abolidos imediatamente porque professores e pedagogos
desses países descobriram que exercícios de múltipla escolha não possibilitavam
que os educandos desenvolvessem seu conhecimento e seu pensamento. Tal
descoberta ainda não chegou aos países de cultura subdesenvolvida, embora
muitos professores brasileiros já tenham abolido, por conta própria, esse tipo
de exercício.
Nenhum comentário:
Postar um comentário