domingo, 10 de abril de 2022

LILLIAN WHITE'S TOILETTE

 Isaac Warden Lewis

I am a young woman. My name is Lillian White. I am married. I get up early everyday to prepare myself to go to work, but when my husband gets up, I am not ready yet.

I go to the bathroom. I look at the mirror for a long time. Then I open the cabinet and take out the tooth-brush, the tooth-paste and the soap-ball. I look at the mirror again. I wonder whether I am still young or I am getting old. Then I wash my face and clean my teeth. I look at the mirror again. Then I take a shower. I dry myself with the towel. Then I go back to the bedroom. I choose a dress. I put on a blue dress. I look at the mirror.

I notice that my husband is awake. He is looking at me. I take off the blue dress. I put on a white blouse and a brown skirt. Then I take off the blouse and the skirt and put on a green dress. I look at the mirror. My husband is still looking at me. I get nervous. I wonder why he does not get up at once and go to the bathroom and leave me alone in the bedroom. I know that when he gets up he will be ready in thirty minutes. He will fetch the morning paper. Then he will go into the bathroom. He will sit on the toilet and read the newspaper. Then he will open the cabinet and take off the tooth-brush, the tooth-paste and the toilet-soap. He will shave himself, wash his face, clean his teeth and take a bath. Then he will come back to the bed-room, choose a suit, a shirt, a tie, a pair of socks and a pair of shoes. He will put on his clothes immediately. He will pick up his wallet and his wrist-watch. Then he will have his breakfast and in the next moment he will be urging me to finish my toilette. I take off the green dress. I remember that my green shoes are at the shoemaker’s. I put on the blue dress again. Now I have to choose which umbrella and handbag I must carry. Finally I look at the mirror once more. I am not very happy with my toilette. My husband is looking at me sarcastically.

“Why are you looking at me?”,  I asked.

“I think you are getting mad, but you are very lovely today”, he answered.

…………

In: Lewis, Isaac Warden. Practical English Course. Manaus: Editora   Mundo Novo, 2009, p. 34-35

A PEDRA NO MEIO DO CAMINHO

 Isaac Warden Lewis

 

Encontrei uma pedra no meu caminho,

Será isso um acontecimento singular?

Todos encontram uma pedra no seu caminho.

O que fazer com uma pedra no meio do caminho?

 

Poderei ignorá-la.

Poderei passar por cima dela.

Poderei carregá-la para longe do meu caminho.

Poderei explodi-la.

 

Uma vez decidido o que fazer com a pedra no meio do caminho.

A pedra deixará de ser um problema no meu caminho.

Pouparei a vida de minha retina e da minha mente.

Eu me esquecerei da pedra no meu caminho.

Já me esqueci que no meio do caminho havia uma pedra.

Agora posso continuar o meu caminho.

 

.........

Do livro “Sentimento e consciência”.

 

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 23 de março de 2022

BRASIL:TRAGÉDIA PORTUGUESA. MEDIEVAL E COLONIZADA

                                                                                                               Isaac Warden Lewis 

François Marie Arouet, Voltaire (1694 – 1778), escritor francês, vivendo longe do Brasil, refletiu, em seu livro “Cândido ou o otimismo”, sobre a atuação e o comportamento de padres da Companhia de Jesus, no Paraguai (colônia da Espanha) e na Europa. Um personagem, Cacambo, afirma que os jesuítas dirigiam milhares de índios numa redução conhecida como Sete Povos das Missões, havendo ensinado técnicas de produção de artesanato a esses índios e que objetivavam estabelecer um império entre as colônias da Espanha e de Portugal (Brasil) e, para isso, preparavam-se para confrontar os poderes imperiais desses países. Entretanto o personagem mostra-se perplexo ante as atitudes hipócritas dos jesuítas na Europa. Ele revela que os padres movem guerra contra o rei da Espanha e o rei de Portugal em suas colônias e, ao mesmo tempo, ouvem suas confissões na Europa antes de enviar suas almas para o céu. Mais adiante, Cacambo e Cândido são presos por índios canibais que pretendem matar e comer Cândido por confundirem-no com um jesuíta. Cacambo defende Cândido e apresenta aos índios provas de que Cândido era inimigo dos jesuítas. Ao confirmarem que Cândido havia matado um jesuíta, os índios oferecem uma festa para os dois aventureiros e deixam-nos partir. O personagem Cândido fica perplexo com as civilidades demonstradas pelos indígenas. Declara que se ele não tivesse matado um jesuíta, ele teria sido morto e comido pelos índios.

A novela escrita por Voltaire revela que franceses, vivendo no século XVIII, tinham noção de que os padres jesuítas não eram nada santos, porém vários setores da população portuguesa e luso-brasileira consideravam e ainda consideram tais padres heróis da civilização europeia e da colonização portuguesa. Mais do que hipócritas, esses padres apoiaram e sustentaram projetos de massacres, escravização de nativos da América, África e da Ásia, da expropriação das terras ocupadas pelos nativos, além de permitirem a exploração dos recursos naturais e humanos pelos colonizadores em benefício de capitalistas europeus.

Do mesmo modo, na Europa, no século XVIII, enquanto vários setores da população (aristocratas, plebeus, camponeses) questionavam a organização social injusta, os privilégios da aristocracia, as arbitrariedades dos governos monárquicos, as apropriações feudais, os direitos restritos para alguns setores favorecidos ou privilegiados, no Brasil, os setores favorecidos (escravagistas, agregados) e desfavorecidos (escravos e despossuídos) amavam e idolatravam os detentores de títulos nobiliárquicos europeus e luso-brasileiros a ponto de alçarem-nos a heróis, como foi o caso de Luís Alves de Lima e Silva, conhecido como duque de Caxias, mesmo tendo massacrado negros maranhenses e gaúchos que lutavam por melhores condições de vida, reivindicando terras, outrora pertencentes aos nativos, e que as classes favorecidas luso-brasileiras reservavam para investidores internacionais. Na realidade, os luso-brasileiros, tais como os luso-africanos, sempre consideraram  tal idolatria como legado da civilização europeia, fingindo ignorar que a maioria dos europeus (e também a maioria dos portugueses) já haviam abolido tal costume há muito tempo.

Há duzentos anos da proclamação da independência, cento e trinta e quatro anos da proclamação da abolição da escravatura e cento e trinta e três anos da proclamação da república, os setores favorecidos e desfavorecidos da população brasileira ainda  pensam e vivem  como se o Brasil devesse se orientar por ideias inventadas na Alta Idade Média da Europa ou, talvez, por ideias pré-históricas inventadas por sacerdotes orientais.

 

quarta-feira, 16 de março de 2022

A MORTE DE UM ANIMAL

 Isaac Warden Lewis

 

Caminhava por uma rua movimentada.

Avistei um animal morto.

Havia sido atropelado.

Ninguém se preocupava.

Era um gato.

 

Caminhava por uma rua movimentada.

Avistei um animal morto.

Havia sido envenenado.

Ninguém se preocupava.

Era um cachorro.

 

Caminhava por uma rua movimentada.

Avistei um animal morto.

Ninguém sabia a causa da sua morte.

Ninguém se preocupava.

Não era um gato.

Não era um cachorro.

Era um homem.

 

.............

Do livro “Sentimento e consciência”

 

terça-feira, 15 de março de 2022

UMA VIDA PARA VIVI

 

Nada em Vivi agora lembrava outros tempos.

Recostada na grade do portão da casa de seus donos, resumida à pele ossos e feridas, ela dava, de instante a instante, longos suspiros como a lastimar sua sorte. Ninguém lhe dizia mais qualquer palavra agradável. Quando se lembravam de sua incômoda presença, era para lhe lançar um olhar de asco ou para enxotá-la a um lugar o mais distante possível.

À noite, recolhia-se para os fundos da casa. Ali mesmo jogavam sua comida. Ela cheirava, provava um bocado e abandonava o restante às formigas. Nos bons tempos, a comida era recebida com festa. Era uma comida melhor, também. Depois que ela se tornou abjeta, reservaram-lhe a pior alimentação: restos de comida estragada e pelancas fétidas.

A sua presença se tornou completamente desnecessária quando chegou o novo cachorro. Viu a alegria dos donos da casa ao recebê-lo, as crianças brincarem com ele na mais expansiva alegria, os cuidados que recebeu, a coleira nova, o banho.

Recolheu-se definitivamente para os fundos da casa porque a frente havia sido reservada para o novo cão. Não poderia saber, entretanto, que os donos tinham planos de se livrarem dela o mais rapidamente possível. Assim foi que, um dia, chegaram os homens do canil para levá-la.

Presenciou a violência da captura dos cães que se encontravam perambulando pela rua e quando chegou a sua vez de entrar no carro, uivou com tanto desespero que parecia estar sendo sacrificada.

Deixava para sempre a casa onde tinha vivido desde pequena. Nunca saíra daquela rua ou daquele bairro. Poucas vezes transpusera o portão da casa. Era cativa, mas se acostumara a isso. Sua vida estava ligada aos limites da casa e guardá-la era sua única tarefa.

Após a chegada ao canil, ela e os outros foram forçados a entrarem num grande engradado. Incapaz de compreender o que isso significava, ela aguardou resignadamente sua sorte.

Para os funcionários do canil, a expectativa em relação à chegada dos cães era sempre a mesma.

- Mais vadios para sacrificar? – perguntava um funcionário, apontando para um grupo de cães recém-chegados.

- Pois é. Fizemos uma limpeza na rua, mas tem uma que veio de encomenda. Ficou imprestável e os donos queriam se livrar dela.

Um homem que observava a chegada dos cães se aproximou e, curioso em relação à conversa, indagou:

- Vão sacrificar todos os cachorros?

Os funcionários se entreolharam. A pergunta os surpreendeu e como desconheciam o interlocutor, interessaram-se em saber quem era e o que estava fazendo ali.

É dono de algum desses cachorros?

- Não, não – esquivou-se o desconhecido. – Sou primo do Ivan, estou esperando por ele.

- O Ivan não vem trabalhar esse mês, está de férias – informou o funcionário.

- Ah ... – murmurou o desconhecido, desapontado pela viagem perdida.

O funcionário, notando que o homem não tinha aspecto de um morador da cidade, perguntou:

- Veio de muito longe para falar com ele?

- Sim, moro num sítio longe da cidade. Vou voltar ainda hoje, aproveitando uma carona.

- E está interessado em algum desses cachorros?

- Um cachorro faz falta.

- Se quiser levar algum...

O homem aproximou-se do grupo de cães, olhou-os com atenção e apontou para Vivi, dizendo:

- Posso levar essa do pelo marrom?

O funcionário riu e duvidou:

- Essa cadela velha? Por que não escolhe outro?

- Quero essa. Tem focinho de caçadora. Eu não me engano.

- Mas está tão feia e magra!

- Ela vai ter muito o que comer no mato.

- Se é assim, então, pode levar.

Vivi não fez objeção a que o homem amarrasse uma corda em seu pescoço e assim ele a levou do canil. Viajaram na carroceria de uma caminhonete por vários quilômetros. Por fim, a caminhonete parou em frente a uma estrada de barro. Desceram e, a partir daí, caminharam um longo percurso a pé. Entraram num caminho cercado por uma mata densa e foram dar numa clareira onde se avistava uma casa pequena, de paredes de madeira e cobertura de zinco.

Vivi estava tão cansada que se prostrou no tapete de folhas à entrada da clareira. A língua de fora, o coração batendo num ritmo acelerado. O som de sua respiração se destacava no silêncio do lugar. O homem compreendeu que ela não poderia dar mais um passo e não insistiu que o acompanhasse, desamarrou a corda de seu pescoço e seguiu sozinho até a casa.

Todo o dia transcorrera de forma inusitada para Vivi, a começar pela partida da casa, o transporte para o canil até sua chegada àquele lugar. Vira tantas coisas e percebia-se num mundo completamente diferente, olhava ao redor e não via os muros da casa, o portão. Seu faro detectava os odores novos dos frutos adocicados caídos no chão, das cascas das árvores, úmidas pela água da última chuva que caíra.

Depois que se sentiu mais aliviada do cansaço da viagem, ela matou a sede numa poça d’água. Em pouco tempo, escureceu e o lugar transformou-se em uma algazarra de sons.

Ela nunca havia estado numa tal escuridão, via apenas pequenos pontos de luz que acendiam e apagavam. Essa dança dos vaga-lumes a deixou temerosa. Foi- se esconder embaixo da casa. Pelas frestas das tábuas do assoalho, apareceram outros pontos de luz. Ela percebeu que ali estaria mais segura e se manteve quieta, esperando.

Estava faminta e à exata hora em que costumavam lhe trazer o alimento já guardava ansiosamente. Passaram-se horas e nada veio, mas ela continuou esperando. E esperou a noite toda.

Somente quando amanheceu, o homem saiu de casa. Ela acompanhou atentamente todos os movimentos dele. Tentando atrair sua atenção, passou a segui-lo.

Chegando até um riacho, ele arregaçou as pernas da calça, molhou os pés na água, depois apanhou um pouco de água numa cuia e lavou o rosto.

Vivi não ousou se aproximar, estava com sede, mas a visão de tanta água lhe causava temor.

O homem continuou ignorando-a. Sentou-se à beira do riacho e começou a pescar. Fisgou alguns peixes, fez um fogo e começou a assá-los.

O cheiro do peixe assado impacientou-a. Seus olhos, fixos no homem, tinham uma expressão suplicante.

O homem, que parecera indiferente até aquele momento, compadeceu-se em vê-la tão aflita por um alimento e atirou um pedaço de peixe para junto dela. Ela engoliu tudo de uma só vez. O alimento compartilhado foi o primeiro elo de comunicação entre os dois. Grata, ela veio se deitar quase aos pés do homem. Ele deu três leves batidas em sua cabeça e começou a falar com a cadela como se ela fosse capaz de entender suas palavras.

- Você estava esperando que eu lhe desse comida? Então não é uma caçadora como eu pensava?

Vivi fez um movimento de cabeça, projetando o focinho para cima e ele interpretou o gesto como uma resposta.

- Você é mesmo uma caçadora? É isso que quer me dizer? Pois vamos ver, vamos ver. Mas, agora, quer que eu divida minha comida com você?

Quando ela viu o pedaço de peixe balançando entre os dedos do homem, deu a resposta mais convincente possível, agitando o rabo e salivando abundantemente.

No caminho de volta a casa, Vivi acompanhou o homem lado a lado. Seu andar e seu ar de altivez demonstravam que sentia satisfação de estar na companhia do novo dono. Às vezes, ela se adiantava a frente dele, atraída por algum movimento entre as folhagens, mas retrocedia quando se deparava com a mata cerrada e voltava a acompanhá-lo pela picada.    

O homem voltou muitas vezes a pescar no riacho em sua companhia. Ela perdeu o medo de se aproximar da água. Saciava a sede tranquilamente e a confiança que adquirira de andar dentro da água lhe deu também a presteza de capturar vez por outra um peixe.

No sítio, Vivi passou a ter uma vida independente. Descondicionou-se de esperar a alimentação sempre à mesma hora e aprendeu a ir além dos limites da casa.

Passava todo o dia num trabalho incansável de farejar os esconderijos de pequenos lagartos e quase sempre seu esforço era recompensado com a captura de algum deles. Nessa atividade, descobrira os segredos da sobrevivência: mantinha-se longe das cobras e dos sapos venenosos.

Certo dia, chegou com um tatu que havia caçado e abatido. Largou-o no terreiro em frente da casa e ficou olhando para o homem com a língua de fora, ofegante. Ele deu uma batidinha em sua cabeça, chamou-a de grande caçadora e logo em seguida começou a cortar a caça, e não  esqueceu de recompensá-la com uma farta porção. Desse dia em diante, ela passou a trazer sempre os produtos de suas maiores calçadas e a fazer o mesmo gesto de depositá-los aos pés do homem e ele sempre a recompensava com justiça. Sua sobrevivência não dependia dessa alimentação que ele lhe dava, mas ela cumpria o ritual de partilha como se isso representasse o seu ato de gratidão para com ele.

Passaram-se meses em que os dias nasciam abrasados pelos raios do sol. Dias de atividades e cansaços. Depois, chegou a temporada das chuvas. As folhas das árvores se renovaram e ganharam um matiz verde-claro. Flores desabrocharam em todo o seu esplendor de cores e formas. Nas árvores frutíferas, despontaram frutos azedos e adocicados que cresceram e caíram no chão, formando pastas escorregadias. O capim cresceu viçoso, alastrando-se por toda parte.

A cadela Vivi adaptou-se às extremas temperaturas do verão e ao aguaceiro do inverno. Seu pelo se renovou, crescendo mais espesso e brilhante. O corpo ganhou carne e alguma reserva de gordura. Os olhos adquiriram vivacidade e perscrutavam tudo ao seu redor.    


*Do livro O julgamento e outras histórias


sábado, 19 de fevereiro de 2022

DIALÉTICA OPERÁRIA EM TRÊS ATOS

Isaac Warden Lewis

 

ATO I

 

Enquanto nós trabalhávamos arduamente,

vós elaboráveis as leis sobre o nosso trabalho.

Enquanto nós enfrentávamos o trabalho sob o sol e a chuva,

Vós administráveis o trabalho num escritório.

Enquanto nós produzíamos a riqueza,

vós participáveis do lucro dessa riqueza.

Enquanto nós sobrevivíamos com o nosso salário,

vós vivíeis exclusivamente da mais-valia.

Enquanto os nossos filhos sofriam de subnutrição,

os vossos participavam de concursos de crianças mais nutridas.

Enquanto nós não nos manifestávamos sobre a nossa condição de vida,

vós dizíeis que o nosso país era liberal e democrático,.

onde todos tinham oportunidades.

 

ATO II

 

Nós paramos para pensar sobre isso.

Vós dissestes que já tínheis pensado sobre isso

                       e que tudo tinha de ser como era.

Nós passamos a questionar tudo isso.

Vós respondestes que a nossa atitude era ilegal.

Nós perguntamos: por que era ilegal o pensamento da maioria?

Vós afirmastes que nós estávamos subvertendo a ordem.

Nós vos recordamos dos vossos princípios liberais e democráticos.

Vós nos acusastes de sermos agitadores e comunistas.

Nós começamos a reivindicar melhores condições de vida

                                                                     para os nossos.

Vós perseguistes, prendestes e até matastes os nossos líderes.

 

 

ATO III

 

Aprendemos desse diálogo e dessa confrontação que:

embora fôsseis minoria, possuíeis e utilizáveis a força.

Então, reunimo-nos e organizamo-nos para constituir a nossa força.

Quando medimos a nossa força com a vossa força, vencemos

e, então, fugistes da ira de nosso povo.

A partir daí, reestruturamos a sociedade.

Estabelecemos a nossa ordem.

Elaboramos as nossas leis.

Pensamos, questionamos e discutimos a nossa luta.

Vivemos do nosso trabalho.

Tornamos legais nossas ideias e nossos pensamentos.

porque são as ideias e os pensamentos da maioria.

Cuidamos dos nossos filhos.

Entretanto não sabemos se somos comunistas ou democratas.

Sabemos, apenas, que somos seres humanos,

dignificados  pela nossa luta e por nós mesmos.

 

...................

Do livro “Sentimento e consciência”.

domingo, 13 de fevereiro de 2022

BRASIL E SUA POLÍTICA COLONIZADA: CORRUPÇÃO, VIOLÊNCIA, BANDITISMO

                                                                                                          Isaac Warden Lewis

Márcio Souza, em seu livro “História da Amazônia: do período pré-colombiano aos desafios do século XXI”, registra a compreensão de um tuxaua da região do Sinu, na atual Colômbia, sobre a versão europeia do “descobrimento e da conquista da América”:

“Concordamos que há um só Deus, mas quanto o que diz o Papa, de ser o Senhor do Universo e que havia feita mercê destas terras ao Rei de Castela, este Papa somente poderia ser um bêbado quando o fez, pois dava o que não era seu. E este rei que pedia e tomava esta mercê, devia ser louco, pois pedia o que era dos outros. Pois venham toma-la, que colocaremos as vossas cabeças nos mastros [...]” (2019, p. 112).

Com poucas palavras, o tuxaua  da região do Sinu resume a patifaria realizada pelos europeus , ao invadirem as terras da América, África e da Ásia. Inicialmente, desvela a mentira elaborada pelos europeus de que eram homens inteligentes, superiores e que os homens dos continentes invadidos eram tolos, imbecis, ignorantes, inferiores. Revela também que os invasores europeus da América eram vigaristas que inventavam histórias para ludibriar os povos que viviam nas terras invadidas, portanto, eram vigaristas os religiosos que apoiavam os invasores, estes eram, vigaristas ´profissionais que invadiam terras alheias para se apropriarem delas, de seus recursos naturais e da força de trabalho dos nativos através da escravização, utilizando, para isso, armas de fogo, desconhecidas dos habitantes das terras invadidas.

Para garantir seus interesses, elaboravam leis civis e religiosas, estabelecendo seu direito a tudo que encontrassem nas terras invadidas. Para completar, seus cronistas e escribas, como Luís de Camões e José de Alencar, por exemplo, abstraíam os crimes, as violências e as hipocrisias cometidas pelos invasores europeus e louvavam suas ações como heroicas e épicas. Nessas histórias, os nativos eram sempre bandidos, selvagens, bárbaros e os invasores, homens virtuosos, como o padre José de Anchieta que condenava os índios que se recusavam a acreditar nas mentiras dos colonizadores  e os bandeirantes que faziam expedições para matar, capturar e escravizar índios. Até há pouco tempo, eram poucos os escritores ou historiadores que estabeleciam seriamente a verdade sobre as invasões dos europeus em territórios da América, África e da Ásia.

Hoje temos acesso a livros que relatam a vitória dos Zulus, em uma batalha contra as tropas invasoras inglesas na África do Sul. Márcio Souza, em seu livro, mencionado acima, relata várias derrotas de tropas invasoras portuguesas ao invadirem aldeias, malocas com o objetivo de cometer genocídios e capturar índios para explorá-los como escravos no Amazonas e no Pará. As glórias cantadas e louvadas pelos colonizadores portugueses são sempre de guerras empreendidas covardemente com armas desconhecidas dos nativos, entretanto, em várias batalhas,  os nativos seminus e com lanças derrotaram os europeus brava e inteligentemente.

De modo geral, a história oficial sobre a invasão dos portugueses em território brasileiro mantém os fatos verdadeiros encobertos por mentiras e mais mentiras que servem para elevar a auto-estima de alguns luso-brasileiros e mamelucos que se julgam no direito de explorar a terra e seus habitantes como se tivessem recebido uma herança milenar dos reis portugueses, ignorando e abstraindo que os nativos da América viviam nessa terra há milhares de anos e sabiam como cultivá-la e preservá-la,

Vigaristas atraem vigaristas na razão direta de seus interesses (geralmente mesquinhos) e repelem-se na razão inversa desses interesses. Vigaristas chegaram à América com apoio de capitalistas europeus, também vigaristas, que buscavam expandir seus negócios para além das fronteiras europeias. Os reis vigaristas portugueses apoiaram as iniciativas de invasão de “novas” terras com o objetivo de expropriá-las, autorizando os genocídios de povos que  recusassem a tutela do estado colonial português. Os papas, bispos e os padres vigaristas das ordens religiosas católicas acompanharam e apoiaram as invasões de “novas terras”, os genocídios e a escravização dos sobreviventes, convencendo-os a aceitarem a tutela do estado português para serem recompensados pela amor de Cristo, da mãe de Cristo e de deus depois da morte. Além disso, as caravelas trouxeram séquitos de medíocres, ignorantes, imbecis, idiotas que fugiam de pensamentos filosóficos, científicos e educacionais que contestavam a visão de mundo medieval que mantinha a humanidade europeia pobre, ignorante e estúpida. Os invasores portugueses pretendiam preservar a visão medieval do mundo entre as populações do “Novo Mundo” através da violência, vigarice, corrupção, mentira e do banditismo “legal”.

É essa cultura que continuou predominando hegemonicamente após a independência do país de Portugal. É claro e evidente que os heróis que fizeram a independência no Brasil não leram nem entenderam as filosofias do Iluminismo e da Revolução Francesa (1789). A maioria dos luso-brasileiros e mamelucos organizaram o país como uma feitoria para atender as necessidades mercantis, industriais e agrícolas dos capitalistas das metrópoles  ocidentais. É por isso que a vida social e política em vários países colonizados são muito semelhantes. O sistema burocrático, jurídico, militar, policial e político existe como função administrativa da feitoria brasileira que é igual no Haiti, Porto Rico, Panamá, Congo, República Dominicana, Venezuela etc.  Somente as classes favorecidas brasileiras, alienadas e iludidas, imaginam que o país se desenvolverá, aliando-se a uma potência imperialista capitalista, tal como se iludiram  os haitianos, os porto-riquenhos, os panamenhos e as classes favorecidas da Venezuela e de outros países colonizados. Por isso, as classes desfavorecidas  precisam ter consciência de não se alienar ou se iludir com os objetos de desejo das classes favorecidas. Como bem nos ensinam Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895): “A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes”.

O filme “Os sete samurais”, idealizado e dirigido pelo cineasta japonês Akira Kurosawa (1910-1998), produzido em 1954, conta a história de um lugarejo, onde viviam e trabalhavam lavradores. Na época da colheita, bandidos milicianos invadiam o lugarejo, assaltando e matando vários moradores, e apossando-se de sua produção. Os camponeses resolveram contratar um samurai experiente que convenceu mais seis samurais para defenderem o lugarejo. Os samurais organizam a luta com apoio e participação dos lavradores e conseguem matar todos os bandidos invasores de suas terras. Esse filme tem um final feliz: Os camponeses e as camponesas podem, depois da luta, voltar para as suas atividades: Cultivar a terra que lhes dará seu sustento.  Na refrega, quatro samurais morreram. O líder dos samurais comenta com outros dois sobreviventes: “Nós perdemos mais uma vez, os lavradores venceram”. Essa história retrata, de um certo modo, a história dos povos indígenas brasileiros e de outros países colonizados e de suas culturas: A terra é de todos e não de uma minoria de vigaristas nacionais e internacionais, por isso, os povos nativos da América, da África e da Ásia continuarão sua luta para sobreviver dignamente.

E para entendermos o mundo colonial  pós “independência”, outros livros merecem ser lidos, como: 1. Amazônia indígena, também de Márcio Souza (2015); 2. Povos indígenas: terra, cultura e lutas, de Benedito Prezia, Beatriz Maestri e Luciana Galante (2019); 3.  História da resistência indígena: 500 anos de luta, de Benedito Prezia (2019);  4. Violência contra os povos indígenas (Relatório), CIMI – Conselho Indigenista Missionário: Dados de 2017.