Isaac Warden Lewis
François
Marie Arouet, Voltaire (1694 – 1778), escritor francês, vivendo longe do
Brasil, refletiu, em seu livro “Cândido ou o otimismo”, sobre a atuação e o
comportamento de padres da Companhia de Jesus, no Paraguai (colônia da Espanha)
e na Europa. Um personagem, Cacambo, afirma que os jesuítas dirigiam milhares
de índios numa redução conhecida como Sete Povos das Missões, havendo ensinado
técnicas de produção de artesanato a esses índios e que objetivavam estabelecer
um império entre as colônias da Espanha e de Portugal (Brasil) e, para isso,
preparavam-se para confrontar os poderes imperiais desses países. Entretanto o
personagem mostra-se perplexo ante as atitudes hipócritas dos jesuítas na
Europa. Ele revela que os padres movem guerra contra o rei da Espanha e o rei
de Portugal em suas colônias e, ao mesmo tempo, ouvem suas confissões na Europa
antes de enviar suas almas para o céu. Mais adiante, Cacambo e Cândido são
presos por índios canibais que pretendem matar e comer Cândido por
confundirem-no com um jesuíta. Cacambo defende Cândido e apresenta aos índios
provas de que Cândido era inimigo dos jesuítas. Ao confirmarem que Cândido
havia matado um jesuíta, os índios oferecem uma festa para os dois aventureiros
e deixam-nos partir. O personagem Cândido fica perplexo com as civilidades
demonstradas pelos indígenas. Declara que se ele não tivesse matado um jesuíta,
ele teria sido morto e comido pelos índios.
A
novela escrita por Voltaire revela que franceses, vivendo no século XVIII,
tinham noção de que os padres jesuítas não eram nada santos, porém vários
setores da população portuguesa e luso-brasileira consideravam e ainda
consideram tais padres heróis da civilização europeia e da colonização
portuguesa. Mais do que hipócritas, esses padres apoiaram e sustentaram
projetos de massacres, escravização de nativos da América, África e da Ásia, da
expropriação das terras ocupadas pelos nativos, além de permitirem a exploração
dos recursos naturais e humanos pelos colonizadores em benefício de
capitalistas europeus.
Do
mesmo modo, na Europa, no século XVIII, enquanto vários setores da população
(aristocratas, plebeus, camponeses) questionavam a organização social injusta,
os privilégios da aristocracia, as arbitrariedades dos governos monárquicos, as
apropriações feudais, os direitos restritos para alguns setores favorecidos ou
privilegiados, no Brasil, os setores favorecidos (escravagistas, agregados) e
desfavorecidos (escravos e despossuídos) amavam e idolatravam os detentores de
títulos nobiliárquicos europeus e luso-brasileiros a ponto de alçarem-nos a
heróis, como foi o caso de Luís Alves de Lima e Silva, conhecido como duque de
Caxias, mesmo tendo massacrado negros maranhenses e gaúchos que lutavam por
melhores condições de vida, reivindicando terras, outrora pertencentes aos
nativos, e que as classes favorecidas luso-brasileiras reservavam para
investidores internacionais. Na realidade, os luso-brasileiros, tais como os
luso-africanos, sempre consideraram tal
idolatria como legado da civilização europeia, fingindo ignorar que a maioria
dos europeus (e também a maioria dos portugueses) já haviam abolido tal costume
há muito tempo.
Há
duzentos anos da proclamação da independência, cento e trinta e quatro anos da
proclamação da abolição da escravatura e cento e trinta e três anos da
proclamação da república, os setores favorecidos e desfavorecidos da população
brasileira ainda pensam e vivem como se o Brasil devesse se orientar por
ideias inventadas na Alta Idade Média da Europa ou, talvez, por ideias
pré-históricas inventadas por sacerdotes orientais.
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