quarta-feira, 23 de março de 2022

BRASIL:TRAGÉDIA PORTUGUESA. MEDIEVAL E COLONIZADA

                                                                                                               Isaac Warden Lewis 

François Marie Arouet, Voltaire (1694 – 1778), escritor francês, vivendo longe do Brasil, refletiu, em seu livro “Cândido ou o otimismo”, sobre a atuação e o comportamento de padres da Companhia de Jesus, no Paraguai (colônia da Espanha) e na Europa. Um personagem, Cacambo, afirma que os jesuítas dirigiam milhares de índios numa redução conhecida como Sete Povos das Missões, havendo ensinado técnicas de produção de artesanato a esses índios e que objetivavam estabelecer um império entre as colônias da Espanha e de Portugal (Brasil) e, para isso, preparavam-se para confrontar os poderes imperiais desses países. Entretanto o personagem mostra-se perplexo ante as atitudes hipócritas dos jesuítas na Europa. Ele revela que os padres movem guerra contra o rei da Espanha e o rei de Portugal em suas colônias e, ao mesmo tempo, ouvem suas confissões na Europa antes de enviar suas almas para o céu. Mais adiante, Cacambo e Cândido são presos por índios canibais que pretendem matar e comer Cândido por confundirem-no com um jesuíta. Cacambo defende Cândido e apresenta aos índios provas de que Cândido era inimigo dos jesuítas. Ao confirmarem que Cândido havia matado um jesuíta, os índios oferecem uma festa para os dois aventureiros e deixam-nos partir. O personagem Cândido fica perplexo com as civilidades demonstradas pelos indígenas. Declara que se ele não tivesse matado um jesuíta, ele teria sido morto e comido pelos índios.

A novela escrita por Voltaire revela que franceses, vivendo no século XVIII, tinham noção de que os padres jesuítas não eram nada santos, porém vários setores da população portuguesa e luso-brasileira consideravam e ainda consideram tais padres heróis da civilização europeia e da colonização portuguesa. Mais do que hipócritas, esses padres apoiaram e sustentaram projetos de massacres, escravização de nativos da América, África e da Ásia, da expropriação das terras ocupadas pelos nativos, além de permitirem a exploração dos recursos naturais e humanos pelos colonizadores em benefício de capitalistas europeus.

Do mesmo modo, na Europa, no século XVIII, enquanto vários setores da população (aristocratas, plebeus, camponeses) questionavam a organização social injusta, os privilégios da aristocracia, as arbitrariedades dos governos monárquicos, as apropriações feudais, os direitos restritos para alguns setores favorecidos ou privilegiados, no Brasil, os setores favorecidos (escravagistas, agregados) e desfavorecidos (escravos e despossuídos) amavam e idolatravam os detentores de títulos nobiliárquicos europeus e luso-brasileiros a ponto de alçarem-nos a heróis, como foi o caso de Luís Alves de Lima e Silva, conhecido como duque de Caxias, mesmo tendo massacrado negros maranhenses e gaúchos que lutavam por melhores condições de vida, reivindicando terras, outrora pertencentes aos nativos, e que as classes favorecidas luso-brasileiras reservavam para investidores internacionais. Na realidade, os luso-brasileiros, tais como os luso-africanos, sempre consideraram  tal idolatria como legado da civilização europeia, fingindo ignorar que a maioria dos europeus (e também a maioria dos portugueses) já haviam abolido tal costume há muito tempo.

Há duzentos anos da proclamação da independência, cento e trinta e quatro anos da proclamação da abolição da escravatura e cento e trinta e três anos da proclamação da república, os setores favorecidos e desfavorecidos da população brasileira ainda  pensam e vivem  como se o Brasil devesse se orientar por ideias inventadas na Alta Idade Média da Europa ou, talvez, por ideias pré-históricas inventadas por sacerdotes orientais.

 

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