domingo, 2 de agosto de 2020

SOCIEDADES COLONIZADAS: PARA QUE SERVEM?

 Isaac Warden  Lewis

 

Setores da sociedade luso-brasileira (classes favorecidas, classes desfavorecidas, classes emergentes) manifestam sua perplexidade com relação à violência, discriminação e à barbaridade, perpetradas por instituições públicas (governos, secretarias de segurança, órgãos jurídicos e de segurança – militar e policial) contra moradores de favelas, de comunidades de povos nativos (tanto do Brasil quanto dos países onde participam em “missões de paz da ONU”, porém nunca questionaram a bula papal que cedeu as terras a serem encontradas por navegadores espanhóis e portugueses aos reis da Espanha e de Portugal. Essa bula papal possibilitou as covardes violências praticadas pelos europeus contra os povos nativos que habitavam, há centenas e centenas de anos, o território, que passou a ser chamado de América. Os referidos setores luso-brasileiros nunca anularam as determinações da referida  bula, envidando esforços para devolver aos indígenas as terras usurpadas pelos portugueses e seus descendentes.

Os setores da sociedade luso-brasileira também declaram sua perplexidade com relação à desigual distribuição de renda entre as classes favorecidas e as classes desfavorecidas, à concentração contínua de renda dos setores favorecidos e à pauperização contínua dos setores desfavorecidos, porém nunca questionaram as discriminações negativas e os conhecimentos preconceituosos contra os nativos da América, da África e da Ásia contidos nas ordenações editadas pelos reis de Portugal para orientar e ordenar a vida social e produtiva nas colônias portuguesas na América e na África. As ordenações do reino português negavam aos nativos da América e da África o acesso à terra, a serviços e a cargos na vida social das colônias. Os setores da sociedade luso-brasileira, na prática cotidiana, nunca se preocuparam em anular tais discriminações e conhecimentos preconceituosos, perpetuando-os nos ordenamentos jurídicos elaborados depois da Proclamação da Independência (1822), da Proclamação da Abolição da Escravatura (1888) e da Proclamação da República (1889). Os setores favorecidos da sociedade brasileira apreciam  fazer proclamações.

A sociedade luso-brasileira tem negado direito à vida e à terra aos nativos que já habitavam o território brasileiro há milhares de anos antes da chegada dos portugueses, ou seja, a sociedade brasileira comete crime contra a humanidade com relação aos povos  indígenas. A ONU – Organização das Nações Unidas – já deveria ter intervido nessa questão há muito tempo, em vez de solicitar ajuda militar do governo brasileiro para que  os mesmos crimes sejam cometidos em outros países.

Setores da sociedade colonizada brasileira consideram-se europeus, civilizados, diferentes dos setores de outras sociedades colonizadas da América Latina ou da África, porém não explicam por que há tantas semelhanças nas práticas políticas, sociais, jurídicas e policiais entre o Brasil e os outros países colonizados, como, por exemplo: 1) todos os países colonizados implantaram estados burocráticos de direito formalmente, seguindo e acatando orientações de metrópoles colonizadoras. 2) Os países colonizados mantiveram constituições e instituições que protegem mais os interesses de investidores das metrópoles colonizadoras do que os interesses e os direitos dos cidadãos de seus países.  3) Líderes políticos luso-brasileiros comportam-se do mesmo modo que outros líderes de países da América Latina, denominados de republiquetas da banana. 4) O sistema educacional (escolas públicas, escolas privadas e escolas militares) dos países colonizados mais deforma as mentes dos educandos do que os forma para o desenvolvimento de seu conhecimento crítico da realidade natural, social e política do país em que vivem. Muitos estudantes que terminam o ensino fundamental como analfabetos funcionais conseguem prosseguir estudos, tornando-se policiais, advogados, juízes, militares, políticos, professores, médicos e, às vezes, até ministros. Evidentemente que há exceções brilhantes e honrosas, porém tal sistema educacional produz profissionais incompetentes, irresponsáveis e ignorantes. Concordamos, pois, com Darcy Ribeiro quando diz que “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”

Por tudo isso, grassam nas sociedades colonizadas a corrupção política, a violência  institucional, policial, militar, o desrespeito aos direitos universais da pessoa humana, a barbárie, a ineficiência dos sistemas político e jurídico para punir e coibir a corrupção, a violência e os abusos das autoridades, muitas vezes praticadas por funcionários (políticos, juízes, policiais, promotores) que deveriam zelar pelos direitos universais. Parafraseando Darcy Ribeiro, concluímos que não há crise política, social, jurídica, militar e policial, há, sim, um projeto que vem sendo executado desde a proclamação da independência pela sociedade luso-brasileira colonizada.

 


sábado, 18 de julho de 2020

racismo, preconceito e intolerância religiosa numa sociedade colonizada


                                                                                                Isaac Warden Lewis


Falar de racismo, preconceito, discriminação, intolerância religiosa em sociedades colonizadas da Asia, África ou América implica compreender o processo de construção ideológica realizada pelos colonizadores capitalistas e imperialistas, no século XVI, os quais planejaram a invasão desses continentes com o objetivo de explorar seus recursos naturais e humanos. Para isso, os colonizadores preestabeleceram que esses continentes eram terras de ninguém e que os povos, por ventura, existentes nelas, seriam animais inferiores, destituídos de inteligência, naturalmente sujos e preguiçosos.
Os europeus, seus descendentes (incluindo os mestiços), os nativos das terras invadidas passaram a acreditar nas construções ideológicas das classes capitalistas europeias. Escritores, como Luís de Camões (português) e José de Alencar (brasileiro), em seus textos, enalteceram as ações selvagens e atitudes hipócritas dos colonizadores e dos colonos portugueses nas terras invadidas e desqualificaram as atitudes heróicas e dignas dos nativos dessas terras sem ressaltar que os nativos foram covardemente submetidos às condições de vida e de trabalho inferiores através da força das armas e de legislações escravocratas feudais herdadas de sociedades escravagistas antigas, como a grega e a romana. Ainda na contemporaneidade, políticos, juízes e advogados brasileiros referem-se às leis gregas e romanas orgulhosamente como a fonte do direito português e brasileiro, abstraindo o fato de que a sociedade brasileira nunca foi um império.
As ordenações afonsinas (1446), manuelinas (1514) e filipinas (1603) continham explicitamente discriminações negativas contra os índios, negros, judeus, árabes, ciganos, ateus e a todas as religiões não católicas romanas. Essas discriminações eram práticas institucionais do estado português e referendadas pela Igreja Católica Apostólica Romana através de suas ordens e da Inquisição, responsáveis pelo cumprimento das normas estabelecidas nas legislações do reino português e nas bulas papais.
Em consequência disso, todos os indivíduos pertencentes aos grupos discriminados viviam na sociedade colonial como segregados e apartados, embora houvesse indivíduos (judeus, negros, índios, mestiços) que se destacaram em cargos importantes da administração colonial, como, por exemplo, Antônio Gonçalves Dias (1823-1864), Cristovão Vieira, pai do padre Antônio Vieira (1608-1697). Em Portugal, vários judeus exerceram atividades importantes na sociedade. Mesmo assim, foram perseguidos, sofreram violências étnicas e expulsos a partir de 1497. Levaram seus conhecimentos, suas técnicas e capacidades produtivas e financeiras para Inglaterra, Holanda e a outros países, contribuindo para o desenvolvimento econômico, social, político e intelectual desses países. A ideologia capitalista e colonialista do racismo, do preconceito, da discriminação permeou todos os setores da sociedade colonial brasileira de tal sorte que brancos discriminavam brancos, negros, índios e mestiços. Negros discriminavam negros, brancos, índios e mestiços. Mestiços discriminavam mestiços, brancos, negros e índios. Ìndios discriminavam índios, negros, brancos e mestiços. Inúmeros/as escritores/ escritoras e ensaístas negros/as, índios/as, mestiços/as têm analisado, em seus textos, as relações pessoais e interpessoais entre os vários grupos étnicos das sociedades colonizadas ou têm explicitado as ações iníquas e as atitudes hipócritas dos colonizadores e de seus descendentes tanto nos continentes invadidos como nas metrópoles coloniais. A lista desses escritores é longa: Maria Firmina dos Reis. Machado de Assis, Lima Barreto, Luiz Gama, Abdias Nascimento, Frantz Fanon, Albert Memmi, Angela Davis, Bell Hooks, Kabengele Munanga, Iray Carone, Maria Aparecida Silva Bento, Grada Kilomba, Djamila Ribeiro. Patricia Hill Collins. Também escritores e ensaístas brancos têm contribuído para a compreensão e o desvelamento do racismo, do preconceito étnico e da intolerância religiosa tanto nos países colonizados quanto nos países capitalistas ocidentais.
Outrossim, desde o início da colonização europeia nos continentes da Ásia, África e América, nativos desses territórios contradisseram as falsas opiniões de que eram inferiores, preguiçosos e incapazes de raciocínio lógico e inteligente. No Brasil, uma professora negra, Maria Firmina dos Reis (1822-1917), em seu romance “Úrsula”, publicado em 1859, criou personagens negros que refletiam sobre as selvagerias, as barbaridades, as iniquidades, as hipocrisias, as falsidades e a desumanidade cristã dos traficantes, senhores e das senhoras de escravos.
Em síntese, o racismo, o preconceito étnico contra os/as outros/outras, a intolerância religiosa constituíram e ainda constituem práticas sociais imperantes na sociedade brasileira  colonizada, uma vez que os europeus e seus descendentes luso-brasileiros, de mentalidade feudal, nunca refletiram que os nativos dos continentes não os convidaram para se instalarem nos seus territórios e nem os africanos saíram da África voluntariamente para serem explorados como escravos na América. No Brasil, as classes favorecidas apresentam o país como uma democracia racial, isso porque suas legislações não mencionam algum tipo de segregação ou de discriminação, porém suas instituições (principalmente as jurídicas, militares e policiais) praticam ações semelhantes às do sistema de apartheid que vigorou na África do Sul de 1948 a 1994. Pode-se concluir, então, que o Brasil tem sido um país de apartheid não declarado, enquanto que a África do Sul foi um país de apartheid declarado.
A melhor maneira de os povos colonizados (brancos, negros, índios, mestiços) lutarem contra o racismo, o preconceito, a intolerância religiosa é aprofundarem o conhecimento das práticas ideológicas que orientaram e orientam a invasão dos continentes asiáticos, africanos e americanos para a exploração de seus recursos naturais e humanos.   


sexta-feira, 17 de julho de 2020

A DESSACRALIZAÇÃO DO MISTÉRIO

                                                                                           Isaac Warden Lewis

É fato que a sacralização do mistério, do desconhecido, se constituiu na Antiguidade através da fundação de templos religiosos. Os sacerdotes, os letrados, os legisladores tornam-se funcionários essenciais a serviço das classes favorecidas em várias sociedades antigas e medievais, principalmente, tanto no Oriente como no Ocidente, graças à falta de conhecimentos precisos sobre a realidade natural e social.  De acordo com os sacerdotes, os letrados e os legisladores dessas sociedades, o universo seria obra divina, misteriosa. A Terra seria o centro do universo, o homem seria um ser privilegiado entre os animais, a vida seria uma dádiva divina, misteriosa. Tudo giraria em torno da Terra: o sol, os planetas, as estrelas. Uma divindade ou algum ser misterioso dirigia o movimento dos astros, a existência, a vida, os seres humanos, a sociedade.
É fato também que a dessacralização do mistério, do desconhecido, começou a constituir-se na Antiguidade. No século VI a. C., Sidarta Gautama, o Buda (c563-c483 a. c.), rompe com a doutrina mística e religiosa do bramanismo, o qual ensinava que os seres humanos passavam por várias reencarnações e, por isso, dividiam-se em castas superiores, intermediárias e inferiores. Insatisfeito com as desigualdades e injustiças sociais da sociedade hindu e depois de longas peregrinações e meditações, Sidarta Gautama declarou que todos os seres humanos eram iguais e que a felicidade humana era alcançável por cada ser humano através de seu esforço de busca pela compreensão.  Aristarco de Samos (cerca de 270 a. C.) postulou que a Terra e os planetas giravam em torno do sol. Eratóstenes (276-194 a.C.) mediu, com relativa precisão, a distância da Terra em relação ao sol. Nicolau Copérnico (1473-1543) realizou estudos, constatando que os planetas giravam em torno do sol. Galileu Galilei (1564-1642), Johannes Kepler (1571-1630) e Isaac Newton (1643-1727) aprofundaram os conhecimentos e as descobertas realizadas por Copérnico. O sol passa a ser considerado o centro do sistema solar e, não, do universo.
A partir disso, várias áreas do conhecimento serão dessacralizadas, principalmente com a chegada de muçulmanos à Europa no século XII. Seus estudiosos levaram manuscritos de filósofos e estudiosos gregos da Antiguidade, de ciência médica dos árabes. Vários estudiosos europeus dedicam-se, então, ao estudo do corpo humano. Realizam dissecações e revelam a anatomia do ser humano através de desenhos e diagramas, como, por exemplo, Andreas Vesalio (1514-1564), em seu livro, “A organização do corpo humano”, publicado em 1543.
A partir do século XIV, vários teólogos europeus propuseram a reforma da religião, como John Wycliffe (1328-1384), John Huss (1369-1415), Martinho Lutero (1483-1546), Thomas Müntzer  (1490-1525), João Calvino (1509-1564), John Knox (1513-1572). Os reformadores assinalaram que, na Europa, grassava a ignorância entre a população e, por isso, ela era sufocada pela religião. Contestaram a infalibilidade do papa e criticaram o autoritarismo e a arbitrariedade do clero católico. Condenaram os rituais pagãos, a idolatria e as superstições adotados pela Igreja Católica Apostólica Romana.  
Do século XVI ao século XIX, os cientistas desvelam os conhecimentos em várias áreas. A Biologia, a Botânica, a Zoologia, a Geografia, a História Natural, a História das sociedades, a Antropologia dessacralizam mistérios e mitos, sugerindo aos seres humanos reformularem suas ideias, seus pensamentos sobre a vida, a sociedade, o mundo e os seus comportamentos. Louis Pasteur (1822-1895) revela que as doenças são geralmente produzidas por vírus e bactérias e, não, por seres malignos ou misteriosos.
Nesse período, vários estudiosos, educadores e teólogos criticaram a educação e as práticas de ensino nas escolas dirigidas por igrejas. Eles propõem a reforma da educação. Pedagogos desenvolvem a concepção de que todos os seres humanos (homens e mulheres) devem ter acesso ao conhecimento científico, técnico e artístico independentemente de suas crenças religiosas e de suas condições de vida, sugerem que a educação científica, técnica e artística deve ser propiciada por um estado laico e que o ensino religioso deve ser realizado pelas igrejas em seus respectivos templos. Em resumo, os educadores propõem uma educação universal, laica, comprometida com a popularização dos conhecimentos científicos, técnicos e artísticos que vinham sendo desenvolvidos desde a Renascença na Europa.
No Brasil, a partir do século XVI, os jesuítas e os letrados, a serviço da corte portuguesa medieval, insistem no monopólio da catequese e da educação para manter a dominação e a espoliação dos nativos, dos africanos e dos trabalhadores livres por parte dos colonizadores portugueses. Mesmo depois da proclamação da independência (1822), da proclamação da abolição (1888) e da proclamação da república (1889), os setores conservadores católicos continuaram mantendo uma educação fundamentalmente teológico-catequética mística em favor da organização político-social feudal colonizada da sociedade brasileira. Essa organização favorecia os latifundiários nacionais e os empresários de países colonizadores, como, por exemplo, a Inglaterra. Desse modo, a propriedade da terra, como meio de produção, é monopolizada legalmente (e não legitimamente) por esses dois setores. A classe desfavorecida (os índios, os negros, os trabalhadores livres) é destituída legalmente do direito à propriedade da terra como meio de produção. O Brasil tem sido um país de apartheid  não declarado. Na verdade, todos os países da América Latina são sociedades de apartação não declaradas, distinguindo-se do sistema da África do Sul que era uma sociedade de apartheid  legalmente declarado. Porém tal como a África do Sul, o Brasil teve e tem seus genocídios, tem tido suas prisões arbitrárias, ilegais, direitos humanos negados à grande maioria da população e a liberdade de expressão cerceada.
Os dois golpes político-militares de 1930 e de 1964, rotulados erroneamente de “revoluções”,  mantiveram a sociedade brasileira como uma organização político-social feudal colonizada. Os dois golpes tiveram o apoio de setores católicos conservadores. A partir da década de 1970, os setores conservadores brasileiros passaram a contar com o apoio político e ideológico de igrejas “evangélicas”, patrocinadas pelo Complexo Industrial-Militar dos Estados Unidos. As igrejas evangélicas resgataram e adotaram princípios e práticas religiosas medievais do catolicismo romano. Adotaram principalmente rituais pagãos, idolatria e superstições. Insistem ainda em entrelaçar anacronicamente práticas religiosas com as atividades políticas e profissionais inerentes ao estado laico moderno.


quinta-feira, 16 de julho de 2020

OS CURANDEIROS



                                                                              Isaac Warden Lewis

Certo dia, Pedro Pinheiro, dirigiu-se a uma loja de um pajé de uma renomada tribo indígena para solicitar um remédio para curar dores que vinha sentindo há algum tempo. O pajé recebeu Pedro Pinheiro, com respeito e delicadeza, e sugeriu-lhe uma poção para massagear os músculos doloridos, mas disse-lhe que seria preciso que Pedro Pinheiro se submetesse a um ritual de bendição que ele realizaria para que a poção funcionasse.
Pedro Pinheiro perguntou ao pajé se ele poderia adquirir a poção para começar imediatamente o tratamento e que gostaria de voltar outro dia para o ritual de bendição, pois, naquele momento, ele não poderia demorar porque tinha um compromisso urgente e inadiável. A contragosto, o pajé concordou em marcar outro dia para a referida bendição e Pedro Pinheiro pagou pela poção e se retirou da loja do pajé, que ficava na cidade de Manaus.
Dias depois, Pedro Pinheiro passava por uma casa de um babalorixá famoso e resolveu conversar com ele sobre suas dores. O babalorixá recebeu Pedro Pinheiro atenciosamente, ouviu pacientemente o relato dos males que Pedro Pinheiro dizia sofrer e disse-lhe que ele poderia preparar uma infusão que o curaria totalmente dos males de que ele padecia, porém recomendou que Pedro Pinheiro voltasse à noite para participar de um ritual quando o babalorixá incorporaria a entidade de um mestre que expulsaria os demônios que viviam ao redor dele, produzindo aquelas dores. Desse modo, a infusão funcionaria melhor.
Pedro Pinheiro perguntou ao babalorixá se ele poderia levar a infusão, assim que estivesse pronto para começar o tratamento imediatamente e voltar outra noite para participar do ritual, pois, naquela noite, ele tinha uma viagem para uma cidade do interior, onde ele teria um compromisso urgente e inadiável. A contragosto, o babalorixá concordou em providenciar a infusão e propôs que Pedro Pinheiro voltasse na outra semana para participar do ritual de incorporação da entidade. Pedro Pinheiro pagou pela infusão, agradeceu ao babalorixá pela sua atenção e se retirou.
Duas semanas depois, Pedro Pinheiro passava por uma rua onde havia uma clínica de um médico especialista. Pedro Pinheiro resolveu fazer uma consulta com o especialista. Ao entrar no consultório, Pedro Pinheiro pagou antecipadamente a consulta a uma recepcionista. Meia hora depois, Pedro Pinheiro foi atendido pelo médico especialista que lhe perguntou qual era seu problema. Pedro Pinheiro explicou sobre as dores que sentia. O médico especialista disse que era preciso fazer alguns exames e, talvez, fazer, depois, uma operação cirúrgica. Pedro Pinheiro perguntou ao médico especialista se os exames e a operação resolveriam seu problema. O médico respondeu que ele poderia fazer o melhor, mas a cura perfeita dependeria do maior de todos os médicos , o divino deus.
Nesse momento, Pedro Pinheiro lembrou-se do pajé e do babalorixá e pensou: “Afinal de contas, são todos curandeiros.”.


Manaus, julho 2020

PAÍS DE AGREGADOS



                                                          Isaac Warden Lewis

De Portugal vieram para o Brasil
prisioneiros e aventureiros.
Todos viveram como degredados
E, nesta terra, tornaram-se agregados.

Nesta terra, viviam povos livres
em harmonia com o ambiente.
Foram forçados a viverem como degredados
                                         em sua própria terra.
E, pouco a pouco, tornaram-se também agregados.

Da África, negros foram sequestrados.
Nesta terra, foram recebidos como escravos degredados.
E, pouco a pouco, tornaram-se também agregados.

Neste país, fundado e inventado por degredados,
        todos ainda vivem como simples agregados.



sábado, 2 de maio de 2020

O CORONAVIRUS NUMA SOCIEDADE COLONIZADA

                                                                                                          Isaac Warden Lewis
A pandemia do coronavirus no Brasil tem exacerbado a cultura do esquecimento e da alienação de segmentos tanto das classes favorecidas quanto das classes desfavorecidas, de tal sorte que os comportamentos de alienação e de esquecimento são confundidos. A Biologia ensina que o desenvolvimento de vírus e bactérias pode ocorrer à revelia da vontade dos seres humanos. Isso significa que as instituições científicas precisam estar vigilantes e preparadas para evitar ou minorar os impactos de tais ocorrências.
O primeiro aspecto a ser observado são os pronunciamentos de autoridades, especialistas e de políticos que pretendem transmitir didaticamente os problemas do COVID-19 e as possíveis soluções para a população, constituída, em sua maioria, de analfabetos absolutos e funcionais, utilizando palavras inglesas, como fake news, guidelines, lock down, knock down, delivery, live, break, workshop, paper, home office. Esse comportamento das autoridades e especialistas é deveras estranhíssimo, pois muitas dessas autoridades afirmam que “o Brasil será um grande país” ou referem-se a esse país como a “pátria amada”.
O segundo aspecto comportamental a ser observado refere-se ao fato de políticos, ministros, empresários e profissionais liberais alardearem continuamente que o Brasil é a oitava maravilha capitalista do mundo, porém não explicitam por que o Brasil, independente há duzentos anos, não consegue fabricar produtos médicos hospitalares para atender a necessidade dos seus profissionais da saúde e da sua população e precisa depender da produção de países do Oriente (Coréia, Índia, China) que iniciaram seu desenvolvimento industrial há menos de cem anos.
O terceiro fato a ser observado é a louvação que autoridades da saúde, políticos e empresários fazem do SUS – Sistema Único de Saúde. Louvam-no como o maior sistema público de saúde do mundo (1). Essa louvação assemelha-se a outras louvações, como, por exemplo, a ideia de que o Brasil é um estado democrático de direito (2). Essas louvações referem-se ao que se proclama sobre o SUS ou ao Brasil e não ao sistema real de saúde ou ao Brasil real.
1 – Não devemos esquecer que antes da chegada do coronavirus, o Sistema Único de Saúde estava praticamente falido, quase parando. Ele era público, porém contava com parcerias estranhas com muitas clínicas e hospitais particulares. Os planos de saúde nem sempre se revelavam como tal, mais parecendo planos de morte. Muitos egressos de Faculdades de Medicina cometeram erros letais e os Conselhos de Medicina nunca se revelaram órgãos científicos de investigação eficientes. Nem mesmo as faculdades foram responsabilizadas pelas incompetências de seus egressos. Quando o SUS foi criado, as faculdades de medicina não foram avisadas, preparadas ou orientadas para formar profissionais comprometidos com os interesses e as necessidades da maioria da população brasileira.
2 – Precisamos lembrar que o Brasil real tornou-se independente e uma república através do protagonismo de senhores, senhoras e traficantes de escravos e de poucos elementos das classes emergentes que nunca entenderam ou assumiram  as lutas pela democracia e pela república, defendidas pelos revolucionários franceses em 1789. O resultado disso é o país ser mais um estado burocrático de direito do que um estado democrático de direito. Os dispositivos discriminatórios e excludentes das ordenações coloniais portuguesas foram reproduzidos nas constituições do império e da república. Uma das consequências perversas da apropriação do estado brasileiro pelas classes favorecidas do período colonial foi a monopolização das terras e de seus recursos naturais e minerais por essas classes e sua cessão exclusiva para classes privilegiadas das metrópoles colonizadoras. Dessa forma, ocorre a concentração de terras em mãos de minorias, restando às classes desfavorecidas a ocupação em mangues, morros, terrenos precários, onde passaram a viver. Por isso as epidemias e pandemias atingem perigosamente essas populações.  
O último aspecto a ser observado refere-se à insistência de grupos supostamente religiosos cristãos que pretendem confundir crenças com conhecimentos. Qualquer hora, esses grupos vão querer instituir diplomas e certificados para as suas crenças. Esquecem esses falsos religiosos, fanáticos e fundamentalistas, que em 1978, na Guiana Inglesa, Jim Jones, um messias que confundia crenças religiosas com vários conhecimentos, liderou suicídio em massa de mais de novecentos membros de sua Igreja Templo dos Povos, além de assassinatos de 300 crianças e de adultos que se recusaram a seguir as determinações de suicídio do messias. Quando ele nasceu, sua mãe acreditava que ele era “o messias”. Concluímos que tanto a alienação propicia esquecimento quanto o esquecimento induzido ou voluntário propicia alienação. A História ensina fatos políticos, sociais e religiosos para quem quer aprender.
 
 
 

NAVIO À DERIVA

                                                                                                       Isaac Warden Lewis

Meu país é um navio hospício.
Deveria ir para o norte.
Vai mesmo para o leste.
Às vezes, vai para o oeste.
Mas navega sempre para o sul.
 

Meu país é um navio hospício.
Seus tripulantes planejam o norte.
Dirigem o navio para o leste.
Às vezes, viram-no para o oeste.
Mas navegam sempre para o sul.
 

Meu país é um navio hospício.
Seus passageiros almejam o norte.
Aprumam-se para o leste.
Desviam-se para o oeste.
Mas navegam sempre para o sul.
 

Meu navio hospício está à deriva.
Quando vira para o norte,
vai para o leste.
Às vezes, vai para o oeste.
Mas navega sempre para o sul.
 

Meu país hospício navega sem rumo.
Seus passageiros estão à deriva.
Nunca vão chegar a lugar algum.
Seus tripulantes estão à deriva.
Nunca vão encontrar o norte.
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Do livro “Um pássaro que canta”