sábado, 2 de maio de 2020

O CORONAVIRUS NUMA SOCIEDADE COLONIZADA

                                                                                                          Isaac Warden Lewis
A pandemia do coronavirus no Brasil tem exacerbado a cultura do esquecimento e da alienação de segmentos tanto das classes favorecidas quanto das classes desfavorecidas, de tal sorte que os comportamentos de alienação e de esquecimento são confundidos. A Biologia ensina que o desenvolvimento de vírus e bactérias pode ocorrer à revelia da vontade dos seres humanos. Isso significa que as instituições científicas precisam estar vigilantes e preparadas para evitar ou minorar os impactos de tais ocorrências.
O primeiro aspecto a ser observado são os pronunciamentos de autoridades, especialistas e de políticos que pretendem transmitir didaticamente os problemas do COVID-19 e as possíveis soluções para a população, constituída, em sua maioria, de analfabetos absolutos e funcionais, utilizando palavras inglesas, como fake news, guidelines, lock down, knock down, delivery, live, break, workshop, paper, home office. Esse comportamento das autoridades e especialistas é deveras estranhíssimo, pois muitas dessas autoridades afirmam que “o Brasil será um grande país” ou referem-se a esse país como a “pátria amada”.
O segundo aspecto comportamental a ser observado refere-se ao fato de políticos, ministros, empresários e profissionais liberais alardearem continuamente que o Brasil é a oitava maravilha capitalista do mundo, porém não explicitam por que o Brasil, independente há duzentos anos, não consegue fabricar produtos médicos hospitalares para atender a necessidade dos seus profissionais da saúde e da sua população e precisa depender da produção de países do Oriente (Coréia, Índia, China) que iniciaram seu desenvolvimento industrial há menos de cem anos.
O terceiro fato a ser observado é a louvação que autoridades da saúde, políticos e empresários fazem do SUS – Sistema Único de Saúde. Louvam-no como o maior sistema público de saúde do mundo (1). Essa louvação assemelha-se a outras louvações, como, por exemplo, a ideia de que o Brasil é um estado democrático de direito (2). Essas louvações referem-se ao que se proclama sobre o SUS ou ao Brasil e não ao sistema real de saúde ou ao Brasil real.
1 – Não devemos esquecer que antes da chegada do coronavirus, o Sistema Único de Saúde estava praticamente falido, quase parando. Ele era público, porém contava com parcerias estranhas com muitas clínicas e hospitais particulares. Os planos de saúde nem sempre se revelavam como tal, mais parecendo planos de morte. Muitos egressos de Faculdades de Medicina cometeram erros letais e os Conselhos de Medicina nunca se revelaram órgãos científicos de investigação eficientes. Nem mesmo as faculdades foram responsabilizadas pelas incompetências de seus egressos. Quando o SUS foi criado, as faculdades de medicina não foram avisadas, preparadas ou orientadas para formar profissionais comprometidos com os interesses e as necessidades da maioria da população brasileira.
2 – Precisamos lembrar que o Brasil real tornou-se independente e uma república através do protagonismo de senhores, senhoras e traficantes de escravos e de poucos elementos das classes emergentes que nunca entenderam ou assumiram  as lutas pela democracia e pela república, defendidas pelos revolucionários franceses em 1789. O resultado disso é o país ser mais um estado burocrático de direito do que um estado democrático de direito. Os dispositivos discriminatórios e excludentes das ordenações coloniais portuguesas foram reproduzidos nas constituições do império e da república. Uma das consequências perversas da apropriação do estado brasileiro pelas classes favorecidas do período colonial foi a monopolização das terras e de seus recursos naturais e minerais por essas classes e sua cessão exclusiva para classes privilegiadas das metrópoles colonizadoras. Dessa forma, ocorre a concentração de terras em mãos de minorias, restando às classes desfavorecidas a ocupação em mangues, morros, terrenos precários, onde passaram a viver. Por isso as epidemias e pandemias atingem perigosamente essas populações.  
O último aspecto a ser observado refere-se à insistência de grupos supostamente religiosos cristãos que pretendem confundir crenças com conhecimentos. Qualquer hora, esses grupos vão querer instituir diplomas e certificados para as suas crenças. Esquecem esses falsos religiosos, fanáticos e fundamentalistas, que em 1978, na Guiana Inglesa, Jim Jones, um messias que confundia crenças religiosas com vários conhecimentos, liderou suicídio em massa de mais de novecentos membros de sua Igreja Templo dos Povos, além de assassinatos de 300 crianças e de adultos que se recusaram a seguir as determinações de suicídio do messias. Quando ele nasceu, sua mãe acreditava que ele era “o messias”. Concluímos que tanto a alienação propicia esquecimento quanto o esquecimento induzido ou voluntário propicia alienação. A História ensina fatos políticos, sociais e religiosos para quem quer aprender.
 
 
 

NAVIO À DERIVA

                                                                                                       Isaac Warden Lewis

Meu país é um navio hospício.
Deveria ir para o norte.
Vai mesmo para o leste.
Às vezes, vai para o oeste.
Mas navega sempre para o sul.
 

Meu país é um navio hospício.
Seus tripulantes planejam o norte.
Dirigem o navio para o leste.
Às vezes, viram-no para o oeste.
Mas navegam sempre para o sul.
 

Meu país é um navio hospício.
Seus passageiros almejam o norte.
Aprumam-se para o leste.
Desviam-se para o oeste.
Mas navegam sempre para o sul.
 

Meu navio hospício está à deriva.
Quando vira para o norte,
vai para o leste.
Às vezes, vai para o oeste.
Mas navega sempre para o sul.
 

Meu país hospício navega sem rumo.
Seus passageiros estão à deriva.
Nunca vão chegar a lugar algum.
Seus tripulantes estão à deriva.
Nunca vão encontrar o norte.
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Do livro “Um pássaro que canta”

 

 

 

 

quinta-feira, 2 de abril de 2020

A CONSAGRAÇÃO DO "MISTÉRIO"

                                                                                                   Isaac Warden Lewis
Na Antiguidade, sacerdotes, escribas, letrados e legisladores concentraram-se em destacar palavras como alma, espírito, fantasma, destino, acidente, contingência, incidente, sorte, fortuna, mistério para explicar fenômenos e acontecimentos supostamente incompreensíveis. Tais palavras passaram a representar seres mágicos poderosos. Depois, foi acrescentada a ideia de que esses seres seriam capazes de propiciar felicidade ou infelicidade aos seres humanos. Para tanto, sacerdotes, letrados, e legisladores declararam  ser os mediadores, para o bem ou para o mal, entre esses seres e os pobres seres humanos, destituídos de saberes e poderes mágicos. Iniciou-se, desse modo, a justificativa para explicar fenômenos e acontecimentos que não poderiam ou não deveriam ser investigados a fundo pelas autoridades competentes, ou seja, os próprios sacerdotes, escribas, letrados, legisladores. Há mais de dois mil anos, incompetência profissional, crimes contra humanidade, genocídios, massacres foram justificados como acidentes, incidentes, contingências ou explicados como fatalidades do destino ou da vontade do espírito, da alma ou de algum fantasma ou fazendo parte de algum mistério, de alguma sorte ou fortuna.
Até a Idade Média, podemos entender que explicações metafísicas fossem aceitas pela maioria da população (incluindo acadêmicos e letrados), pois os conhecimentos sobre a realidade natural e humana eram bem precários. É surpreendente que alguns cientistas, estudiosos, acadêmicos, legisladores, médicos, professores, em pleno século XXI, insistam em justapor seres inexistentes ou abstratos a certos acontecimentos, fenômenos ou a certas incompetências profissionais reais que ocorrem na realidade natural, social ou humana. Por que essa insistência? Será que tais estudiosos não conseguiram se libertar das ideias inventadas por sacerdotes comprometidos com os interesses patriarcais, patrimoniais ou políticos das classes privilegiadas do mundo antigo e do mundo contemporâneo? Um exemplo de coragem e honestidade intelectual nos é dado pelo cientista Pierre-Simon Laplace (1749-1827), ao responder à indagação feita por Napoleão Bonaparte pelo fato de esse cientista não ter se referido ao construtor do universo em seu livro, o qual versava sobre o sistema do universo:
Napoleão: “Me disseram que você escreveu [...] sobre o sistema do universo e jamais sequer mencionou seu criador”.
Laplace: “Eu não precisei fazer tal suposição.”
É preciso honestidade e competência intelectual para que estudiosos, legisladores e políticos brasileiros se manifestem vigorosamente e indignados contra o episódio em que soldados dispararam  mais de oitenta tiros contra uma família que viajava em um carro. Para a História, isso não foi um “incidente”, nem um “mistério”.  Esse episódio exige um estudo sério e rigoroso sobre o curso de formação de oficiais, sargentos e cabos das Forças Armadas brasileiras e sobre o treinamento técnico e intelectual dos soldados, de modo geral. Afinal de contas, é papel das Forças Armadas de países do Terceiro Mundo combater os naturais de suas próprias nações e manter a ordem na periferia do capitalismo através da mediação da Organização das Nações Unidas em prol de países do Primeiro Mundo? Se houvesse a predominância de honestidade intelectual entre os estudiosos e os legisladores brasileiros, os crimes perpetrados por policiais e militares covardemente contra civis seriam investigados a fundo, punidos seus autores (executores e comandantes), obrigado o estado brasileiro a indenizar suas vítimas dignamente. Então, poderíamos concordar, com estudiosos, legisladores e políticos, que vivemos em um estado democrático de direito.    
 

sexta-feira, 27 de março de 2020

BARBÁRIE VERSUS CIVILIZAÇÃO

                                                                                            Isaac Warden Lewis
O que é barbárie?
É resposta pronta, fácil, catequética, religiosa.
O mundo é um mundo dado, criado por deuses,
seres supostamente superiores.
Tudo o que existe é parte da divindade:
a natureza, a vida, as plantas, os animais, os seres humanos.
Tudo é desígnio divino:
a vida ou a morte: a felicidade ou a desgraça;
a riqueza ou a pobreza; a paz ou a guerra;
a igualdade ou a desigualdade;
a justiça ou a injustiça; o paraíso ou o inferno.
O bem é dádiva. O mal é castigo.
A religião adora divindades,
louva os sacerdotes e os poderosos,
justifica a barbárie, a hipocrisia, a mentira,
a falsidade, a desumanização,
a exploração dos seres humanos pelos seres humanos,
sacraliza o mistério, o destino, a sorte, a fatalidade,
difunde a discriminação, o preconceito, produz alienação.

O que é a civilização?
É proposta, promessa, utopia,
aspiração de um mundo melhor,
uma vida melhor
e de seres humanos melhores.
O mundo está em permanente construção,
resulta do esforço animal, do trabalho humano.
É, por isso, transformação contínua, luta constante.
Tudo pode ser compreendido, transformado,
melhorado. aperfeiçoado:  
o mundo, a vida, a sociedade,
o ser humano, o conhecimento,
a ciência, a consciência, a verdade.
A ciência busca a civilização, a humanização,
a sociedade inclusiva,
dessacraliza o mistério, o destino, a sorte, a fatalidade,
desvela a alienação, o preconceito,
a exploração do ser humano pelo ser humano.   

 

segunda-feira, 2 de março de 2020

A REALIDADE FANTÁSTICA DE UM PAÍS COLONIZADO

                                                                                                          Isaac Warden Lewis*
A realidade social e política de um país colonizado, como o Brasil, é mais fantástica do que a ficção  produzida por autores latino americanos (incluindo autores luso brasileiros). Stanilaw Ponte Preta produziu livros, na década de 1960, revelando o festival de besteiras que assolava o país, denominado Brasil. Percebemos que há necessidade de autores brasileiros debruçarem-se sobre os festivais de besteiras do Brasil Colônia, Brasil Império e do Brasil República pós morte de Stanilaw  Ponte Preta. Possivelmente essa gigantesca obra deveria chamar-se Festival de Horrores que assolaram/assolam o país.  Há necessidade, por exemplo, de alguém ir estudar na Universidade de Chicago e retornar ao Brasil para afirmar que os servidores públicos brasileiros são parasitas, sem explicitar que servidores são realmente parasitas ou dizer que até as empregadas domésticas estão viajando para Disney? Será que alguém que estudou na Universidade de Chicago sabe que, no Brasil Colônia e Brasil Império, traficantes, senhores e senhoras escravagistas analfabetos viajavam  para Paris para comprar roupas, perfumes e livros em francês somente para exibição?
Precisamos lembrar que a proposta de educação democrática, defendida por John Dewey e outros filósofos educacionais americanos, formou/forma jovens doutores que entraram/entram em bombardeiros e jogaram/jogam bombas  em países orientais (Japão, Vietnam, Iraque) sem remorsos de serem heróis genocidas.  Que educação democrática é essa? Na década de 1960, muitos oficiais militares de países latino americanos (incluindo o Brasil, é claro) foram estudar nos Estados Unidos e, ao retornarem aos seus países, participaram de golpes militares contra os governos democráticos que não eram da simpatia do Complexo Industrial Militar dos Estados Unidos. Não haveria necessidade de a Secretaria Estadual de Educação de Rondônia explicitar que formação tiveram e onde se formaram os assessores e os técnicos educacionais que censuraram os livros de Machado de Assis, Mário de Andrade, Euclides da Cunha, Rubem Fonseca, Ferreira Gullar, Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony, Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, Franz Kafka, Edgar Allan Poe, entre outros?
Em um país onde a grande maioria da população é constituída de analfabetos funcionais com diplomas, que necessidade há ou que sentido faz censurar os livros dos autores citados pelos censores ou inquisidores modernos? Esses inquisidores censores leram funcionalmente quantos livros durante sua formação escolar? Arriscamos afirmar que nem leram os livros da bíblia que costumam chamar de sagrados. Se tivessem lido funcionalmente a bíblia, teriam  observado que ela está cheia de ideias e conteúdos inapropriados, como preconceitos e discriminações contra os outros, contra as mulheres, além de informações incorretas sobre o mundo, a natureza e sobre os seres humanos. Os censores inquisidores deveriam ficar atentos às ideias e aos conteúdos contidos nos livros sagrados de todos os povos.  O que sabem dos livros que constituem a bíblia foi-lhes contado por algum  pastor. Como foi a formação desse pastor? Quantas vezes esse pastor viajou para os Estados Unidos para receber orientações de como alienar as mentes e os corações dos crentes do Terceiro Mundo? Do mesmo modo, precisamos saber como se dá a formação de um juiz, secretário de polícia, policial, militar, médico, professor, advogado em um país colonizado que não mudou a formação de sua casta política escravagista com a proclamação da independência, com a proclamação da abolição, com a proclamação da república. A propósito, o roteiro do filme “Queimada” (1969), dirigido por Gillo Pentecorvo, revela como um país colonizado por um país europeu pode se tornar independente, tornando-se, ao mesmo tempo, colonizado por outro país imperialista.
A realidade social e política fantástica do Brasil seria melhor compreendida, se tivéssemos algumas das respostas para as perguntas feitas nos parágrafos anteriores. Talvez a leitura dos livros “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury; “O admirável mundo novo”, de Aldous Huxley; “1984”, de George Orwell; “A crônica da morte anunciada”, de Gabriel Garcia Marques, “O inspetor geral”, de Nicolai Gogol; “O processo”, de Frank Kafka, “Os ratos”, de Dyonelio Machado seja suficiente para entendermos a sociedade colonizada brasileira fantástica. Mas, atenção, é preciso adquirir esses livros urgentemente antes que os inquisidores censores dos tempos das trevas medievais contemporâneas resolvam censurar esses livros.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

HUMANIDADE CÓSMICA

Isaac Warden Lewis

Oriundo da poeira cósmica,
o ser humano é apenas um ser
que rasteja sobre a Terra.
Sente fome e sede.
Defeca e urina.
Veste-se e abriga-se.
Trabalha e descansa.
Ama e odeia.
Ri e chora.
Cuida de seus filhos.
Ensina sua juventude.
Cuida de seus doentes.
Enterra seus mortos.
Anseia viver entre seus semelhantes.
Busca explicações do universo e da vida.
Inventa e destrói coisas.
Acerta e erra.
Aperfeiçoa os acertos e corrige os erros.
Armazena e renova conhecimentos em seu cérebro.
Acredita e duvida.
Pensa e sonha.
Tem esperanças e temores.
Deseja viver para sempre.
Morre depois de cansar-se de todas essas coisas,
retornando à poeira cósmica
para alimentar minúsculos seres vivos.
_______________
Do livro “Sentimento e consciência”.

domingo, 2 de fevereiro de 2020

A SÍNDROME DORIAN GRAY INVERTIDA: EXPLICAÇÕES EQUIVOCADAS

                                                                                                              Isaac Warden Lewis*
Não resta dúvida de que o transplante de valores e concepções culturais europeias em países colonizados da Ásia, África e América (incluindo os Estados Unidos que preservaram valores e concepções dos colonizadores do século XIX) constituiu e ainda constitui distorção e equívoco para compreender o contexto econômico, político e social dos países colonizados. No Brasil, explicações equivocadas da realidade social produzem a síndrome Dorian Gray invertida (ou talvez a síndrome Dorian Gray invertida produza explicações equivocadas). O escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900), em sua obra O retrato de Dorian Gray, apresenta um personagem, fisicamente belo, o qual descobre que seu retrato degenera à medida que ele comete crimes e iniquidades contra seus semelhantes. Nos países colonizados, elementos das classes favorecidas cometem crimes e iniquidades contra os elementos das classes desfavorecidas e se imaginam e/ou se retratam como pessoas belas, civilizadas, cristãs, europeias.
No Brasil, em 1822, o príncipe D. Pedro, herdeiro do trono de Portugal, proclamou a independência do Brasil de Portugal e ainda tornou o Brasil um império. Império de quê? Transplantaram-se títulos nobiliárquicos europeus para tornar traficantes, senhores e senhoras escravagistas (ignorantes e analfabetos) barões, baronesas, duques, duquesas, marquês, marquesas. Em 1889, traficantes, senhores e senhoras escravagistas falidos proclamaram a república no Brasil. Se estivessem na França em 1789, esses elementos teriam sido fuzilados ou enforcados pelos revolucionários franceses. E para acentuar o exotismo de um país colonizado, seus estudiosos mamelucos transplantaram o lema Ordem e Progresso. Ordem significava, no Brasil, a manutenção paradoxal de ideias  do catolicismo medieval e de propriedade latifundiária, herdadas do reino feudal de Portugal. Progresso de quê? Para quem? No contexto da sociedade brasileira, tanto no império quanto na república, não havia/ não há burguesia, classes medias, proletariados, ou seja, nunca houve acumulação primitiva do capital para propiciar progresso, desenvolvimento econômico autônomo, independente, pleno. Houve, sim, há, sim, homens de negócios que compravam e compram produtos manufaturados de países altamente industrializados, vendiam e  vendem produtos agrários para as metrópoles europeias. Também compravam e vendiam escravos, exploravam violentamente trabalhadores livres. Progresso, portanto, como lema não significava nada. Era e ainda é pura abstração das classes favorecidas brasileiras colonizadas. Basta lembrar que a expropriação das terras dos nativos, a monopolização dessas terras, a exploração dos recursos naturais e minerais, o modo de produção agrário-exportador, a relação de produção entre as classes favorecidas dos países colonizados e as classes privilegiadas dos países colonizadores, a relação de produção entre as classes favorecidas e as classes desfavorecidas nos países colonizados – tudo isso foi estabelecido pelas classes privilegiadas das metrópoles colonizadoras.
Em 1964, oficiais das Forças Armadas implantaram ditadura militar no Brasil com apoio do Complexo Industrial Militar dos Estados Unidos e com a anuência das classes favorecidas brasileiras (empresários emergentes, latifundiários e católicos conservadores). O golpe militar reafirmou a vocação colonizada e subordinada das classes favorecidas brasileiras a uma metrópole imperial, no caso, os Estados Unidos que substituíam a hegemonia das metrópoles europeias que vigorou até a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).  Agora, a classe favorecida, portadora da síndrome Dorian Gray invertida, explicava a necessidade da ditadura, da tortura e até de assassinatos políticos para implantar a democracia liberal no país.
Somente o delírio, provocado pela síndrome Dorian Gray invertida, explica que há no Brasil burguesia, classe média alta, classe média baixa, proletariado, tal como nos países capitalistas centrais. Os estudiosos não explicam por que muitos elementos dessas supostas classes se sentem vocacionados para se subordinarem a países imperialistas (primeiro, Inglaterra, depois, os Estados Unidos). Entendemos que o transplante de categorias sociais europeias não explica a mediocridade geral dos estratos sociais presentes na sociedade brasileira. O que temos no Brasil desde a invasão dos portugueses são classes favorecidas e classes desfavorecidas, ambas subordinadas aos interesses das classes privilegiadas dos países colonizadores. 
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·         Professor aposentado da Faculdade de Educação/UFAM