Lucilene Gomes Lima
Humarintituba, 20 de maio de ...
Meu único e
inesquecível amor:
Quando esta
carta chegar as tuas mãos, tudo já estará terminado. Se tu pudesses ver o meu
estado ao escrevê-la, ficarias com o coração despedaçado e sentirias remorsos
por teres me dito aquele adeus. Queria que, ao pegares esse papel, molhasses
tuas mãos com as lágrimas que estou derramando por ti. Perdoa-me, meu amado,
mas queria que o meu próprio sangue molhasse toda essa carta para que tu
pudesses sentir o meu sofrimento.
Fica sabendo que
toda a alegria da minha vida se vai com esse amor desenganado. Sonhei a minha
vida inteira encontrar um príncipe encantado e esse sonho se realizou. Tu eras
meu príncipe. Eras mais que isso, eras o meu rei. O meu amor por ti foi como a
beleza do arco-íris, coloriu meu coração até tu partires. Esse pensamento é meu
mesmo. Acho que o amor inspira a gente.
Eu não sei
escrever muitas palavras bonitas, por isso escolhi uns versos que abaixo te
dedico:
Oh! Ninguém sabe como a dor é funda,
Quanto pranto s’engole e quanta angústia
A
alma nos desfaz!
Horas
há em que a voz quase blasfema...
E
o suicídio nos acena ao longe
Nas
longas saturnais! *
*Versos do poema Dores, do poeta Casimiro de Abreu (1839-1850)
Escolhi esses
versos porque falam coisas que estou sentindo e por causa das palavras blasfema e saturnais que achei bonitas.
Jamais
esquecerei os momentos felizes que passamos juntos. Esses momentos nunca mais
se repetirão? Que bobagem estou dizendo! Tu terás muitos momentos felizes junto
da tua nova amada e nem mesmo te lembrarás de que fomos felizes um dia! Será
que ela te fará tão feliz quanto eu te fiz? Não, ninguém te amará como eu te
amei. Ninguém entregará a vida a um amor como eu a entreguei. Lembras quando
ficavas doente? Nem mesmo tua mãe te dedicava tanta atenção! E os teus
problemas? No ombro de quem vinhas chorar?
Sabes, eu me acabei por esse amor. Deixei de me divertir, gastei os melhores anos de minha vida e até envelheci. Todos diziam que um noivado longo só poderia acabar em casamento e eu acreditava nisso com devoção. Passei privações economizando dinheiro para te ajudar a construir nosso lar e agora estou sendo recompensada com essa ingratidão da tua parte.
Apesar de tudo,
se me pedisses perdão e quisesses recomeçar, eu aceitaria. Estás vendo a que
ponto chegou o meu amor? Eu estou me humilhando, mesmo sabendo que não queres
voltar, que realmente me trocastes por outra. Ela é mais bonita, não é? Eu
também fui bonita um dia! Lembras como eu era? Mas agora estou um trapo, uma
mulher abandonada e traída pelo homem que ela sempre amou.
Eu não quero que
sintas pena de mim, nem que tenhas remorsos. A minha vida acabou. Eu sou uma
mulher sem futuro. Tudo eu fiz por um amor cruel que me retribuiu com uma
ilusão, uma amargura e que tornou a minha vida sem sentido. Não vejo mais graça
em nada, desaprendi a sorrir. Acabou tudo! Só me resta desaparecer da face da
terra!
Do teu perdido amor
Adeus.
A carta foi colocada num envelope e ela
o lacrou com a saliva, deixando depois sobre uma mesinha no seu quarto. Em
seguida, dirigiu-se como uma autômata até a cozinha, abriu uma gaveta e retirou
uma faca.
A faca foi usada para cortar um bolo que
ela passou a comer avidamente. Era a segunda vez na semana que quebrava o
regime.
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Conto publicado originalmente no livro O mestre e o discípulo (2000)
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