Isaac Warden Lewis
A escola dicotomizada
não produz relações sociais dicotômicas. E sim as relações sociais dicotômicas
que produzem a escola dicotomizada, ou seja, a escola reflete os anseios e interesses
das classes sociais, presentes na sociedade capitalista: burgoesia e
proletariado. Tais anseios e interesses resultam da situação e posição que cada
classe assume em relação ao modo de produção e de apropriação do produto do
trabalho coletivo.
Podemos observar
isso, estudando as funções sociais das escolas particulares e das escolas
públicas na sociedade brasileira. De modo geral, as primeiras atendem os
interesses e a situação das classes favorecidas e privilegiadas, enquanto que
as segundas atendem os anseios e as aspirações das classes populares.
A maioria das
escolas particulares – laicas ou confessionais – continua, de certo modo, a
concepção de educação surgida nas sociedades antigas. Nessas sociedades, como
resultado da divisão do trabalho entre atividades manuais e intelectuais,
surgiram instruções educacionais reservadas aos filhos dos iniciados nas
atividades intelectuais (sacerdotes) e aos filhos das castas dominantes da
sociedade (dirigentes políticos, altos funcionários, representantes da
oligarquia latifundiária, comerciantes ricos). A maioria da população
trabalhadora, constituída de escravos, não tinha acesso à escola.
Por serem os
sacerdotes os sistematizadores e guardiões do saber, eles controlavam e
dirigiam as primeiras escolas criadas nas sociedades antigas. E sendo eles
ligados ou comprometidos com os interesses das classes privilegiadas, eles
produziam e transmitiam o saber, o conhecimento que servia os interesses dessas
classes.
Desse modo, as
escolas sacerdotais escolarizavam os filhos das classes favorecidas e privilegiadas
com o objetivo de preservar a hegemonia política e econômica dessas classes em
relação aos outros grupos sociais presentes na sociedade. Uma das exceções
quanto à discriminação ao acesso à escolarização para um alto cargo nas
sociedades antigas seria a China, onde era possível, em tese, a todas as
crianças se tornarem mandarins, se estudassem e dominassem a leitura e escrita
dos caracteres do alfabeto chinês.
No Brasil, salvo
raras exceções, as escolas particulares representam o estigma da discriminação.
Elas constituem para os elementos das classes privilegiadas (oligarquias
latifundiárias, empresários) a garantia de preservação de seu status e poder
político e econômico. Para algumas famílias da classe média e da classe
trabalhadora, a escola particular constitui a possibilidade de ascensão social
e econômica de seus filhos.
Já a escola
pública moderna resulta da aspiração dos participantes das revoluções burguesas
ocorridas na Idade Moderna (principalmente a Revolução Francesa de 1789) por
uma escola acessível a todos os cidadãos de uma república.
Desde o início,
a escola pública foi concebida como uma instituição para realizar a concepção
de universalização e democratização do saber, ou seja, ela realizaria, na
prática, a concepção de que o saber deve ser comum e acessível a todas as
pessoas, a todas as crianças, a todos os seres humanos. Além disso, as escolas
públicas foram concebidas como parte da aspiração popular pela constituição de
uma sociedade justa e igualitária, onde todos os seres humanos seriam cidadãos.
Além do direito à educação gratuita, a esses cidadãos deveria ser garantido o
direito ao trabalho que possibilitasse a eles adquirirem moradia, alimentação e
saúde decente.
Talvez, por
isso, às escolas públicas brasileiras acorram os filhos de elementos de todas
as classes sociais. Estudam nelas os filhos de desempregados, dos
subempregados, da classe média e alta,. Também lecionam nessas escolas pessoas
de todas as origens sociais. Dessa forma, essas escolas são realmente
democráticas.
Em geral, a
maioria dos funcionários, professores, educadores e administradores das escolas
tem consciência do papel político da educação numa sociedade estruturada
política e socialmente em favor das classes privilegiadas do país. Esses
servidores estão comprometidos e engajados na luta para tornar a escola pública
a escola de todos os brasileiros.
Por outro lado,
muitos pais, cujos filhos sâo alunos das escolas públicas, não têm consciência
de seu papel como construtores de uma sociedade melhor, mas almejam para seus
filhos uma vida mais humana. Outros pais entendem que nas escolas públicas os
seus filhos devem aprender a serem pessoas como todas as outras. Outros pais
pensam que a escola e a sociedade devem estar a serviço de todas as pessoas
indistintamente. Outros pais vêem a escola pública como o caminho para um mundo
melhor para todos em futuro próximo. Alguns pais entendem que a escola pública
deve ser a sistematizadora, transmissora e centro de iniciação ao saber
produzido nas instituições e sociedades científicas.
Evidentemente
que, por estar inserida numa sociedade onde prevalecem a desigualdade e a
injustiça social, produzidas por estrutura político-social de interesse das
classes conservadoras (oligarquia latifundiária, empresários nacionais e
internacionais) a escola pública tem sofrido, aqui e ali, distorções de seus
objetivos e de suas aspirações populares, principalmente por parte da
administração pública. Nesse aspecto, a escola pública é administrada como se
fosse propriedade particular de governadores, prefeitos, políticos, ministros e
secretários da educação.
Contudo através
de esforços de seus professores, funcionários, alunos e pais de alunos, a escola
pública tem resistido e sobrevivido a tais distorções e, à medida do possível,
tem procurado cumprir o seu papel de universalização e democratização do
conhecimento.
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Publicado
originalmente no livro “Educação: doutrinação ou desvelamento”. Manaus: Editora
Mundo Novo, 2013, p. 90-91