terça-feira, 1 de novembro de 2016

O ANIMAL QUE GANHOU UM DIPLOMA


                                                                          Isaac Warden Lewis
A presente história de um animal que ganhou um diploma é verdadeira e dou fé, pois ocorreu numa determinada escola, num determinado ano, num determinado município do Brasil. Lamento não poder precisar o ano e nem citar o nome da escola e o do município por uma questão ética.
Oito anos antes da data referida acima, um menino começou a frequentar a escola mencionada. Ele tinha um cachorro, chamado Tupã de Oliveira, que o acompanhava a todos os lugares onde ia. Quero alertar que o nome do cachorro é fictício. Por razões óbvias, não posso mencionar seu verdadeiro nome. Quando o menino começou a frequentar a escola, Tupã acompanhou-o também durante os oito anos letivos.
A princípio, Tupã ficava perto do portão e aguardava o menino sair da escola. Mas, pouco a pouco, ele foi fazendo amizade com os colegas do menino, os funcionários e os professores da escola e, logo, era admitido na sala de aula em que o menino estudava. Assim, por oito anos, Tupã frequentou as aulas da referida escola.
Consta que Tupã comportava-se bem, prestava atenção às palavras dos professores e jamais faltou às aulas. É certo que, muitas vezes, ele cochilava durante algumas aulas, principalmente, àquelas em que os professores discorriam sobre algum tema durante todo o tempo da aula. Entretanto, nas aulas em que os professores propunham brincadeiras, atividades extra-classe ou culturais e nas festas, Tupã participava ativa e alegremente.
Desse modo, Tupã e a maioria das crianças passaram os oito anos na escola. Quase todas iriam receber seus diplomas de conclusão do curso. Os técnicos escolares estavam satisfeitos, pois a maioria das crianças, que ingressaram no mesmo ano que o menino e o cachorro, estavam concluindo a oitava série. As estatísticas revelavam insignificante índices de evasão e de repetência. Os técnicos olhavam os gráficos com alegria.
De repente, o supervisor chamou a atenção de que havia um membro da escola, cuja matrícula, frequência e aproveitamento não foram computados pelos técnicos. Diante da estupefação de seus colegas, ele lembrou que Tupã de Oliveira frequentara aulas durante oito anos e o gráfico não registrava esse fato. Argumentou que a escola também deveria conceder um diploma ao Tupã de Oliveira.
Entretanto alguns técnicos alertaram  que Tupã não havia realizado provas e exercícios escolares e que, por conseguinte, a escola não tinha notas do referido cachorro. O supervisor sugeriu que o Conselho de Classe da escola poderia resolver questão tão insignificante. Isso era um mero detalhe. Todos os técnicos concordaram, então, unanimemente, em convocar o Conselho para que atribuísse notas às várias disciplinas necessárias para a aprovação de Tupã de Oliveira.
Dias depois, o Conselho estava reunido. Os professores que o constituíam julgaram vários casos, promovendo automaticamente os alunos reprovados para as séries seguintes. O caso mais difícil foi o do Tupã, pois ele não tinha nota em nenhuma disciplina. O supervisor, que presidia o Conselho, defendeu a aprovação do cachorro, ressaltando que, durante os oito anos de frequência às aulas, Tupã jamais causara algum problema. Nunca faltou às aulas desde que ingressara na escola. Respeitava os professores, os funcionários e os outros estudantes. Era um estudante exemplar. Ponderou que, nesse caso, a avaliação qualitativa era mais importante do que a quantitativa, pois interessava à escola e à sociedade o comportamento exemplar demonstrado por Tupã de Oliveira. Não importava se ele não sabia nada sobre a língua nacional, a matemática, as ciências, a história e a geografia. O que importava era que ele era educado e respeitador das normas da escola e da sociedade.
Um dos professores que sempre criticava as concepções e os procedimentos pedagógicos dos técnicos daquela escola replicou que a concessão de um diploma àquele cachorro seria a comprovação da falência da educação nacional. A seu ver, a escola deveria conceder diploma ou certificado a um aluno como prova de que esse aluno adquiriu e domina determinados conhecimentos das várias áreas do saber, pois a função da escola era transmitir e desenvolver tais conhecimentos. Se o Conselho se propunha a dar diploma sem considerar essa função da escola, era melhor, então, fechá-la e deixar aberta a sua secretaria para dar ou vender diploma a quem quisesse. A escola que concedia diplomas sem considerar se o aluno adquiriu conhecimentos de acordo com a sua série escolar desperdiçava tempo, dinheiro e recursos humanos irresponsavelmente. Argumentou ainda que a avaliação quantitativa pressupunha a avaliação qualitativa e que os professores e técnicos que defendiam a avaliação qualitativa sem considerar a quantitativa não entendiam e nunca entenderam quais eram os verdadeiros objetivos de uma escola. Possivelmente, em sua vida estudantil, esses professores e técnicos não aprenderam absolutamente nada, por isso postulavam que os alunos deviam  ser avaliados mais em relação aos seus comportamentos do que em nível de aprendizagem do conteúdo das disciplinas oferecidas pelo currículo escolar.
A maioria dos professores presente à reunião do Conselho de Classe sentiu-se abalada com essa argumentação. Porém o supervisor rapidamente tomou a palavra e disse que a reprovação de Tupã de Oliveira seria um ato de injustiça daquela escola e da sociedade. O domínio desse ou daquele conhecimento não era relevante para o aluno. O que importava era a garantia de acesso à escola para todas as crianças. Elas precisariam de diploma ou certificado para conseguir um emprego mais tarde. A manutenção das crianças na escola era o meio de evitar que elas passassem a viver nas ruas e se tornassem marginais. A função da escola era, portanto, tirar as crianças das ruas. A concessão de um diploma ao Tupã de Oliveira era um avanço da escola e do município para tirar também os cachorros das ruas, onde viviam na vadiagem e na sem-vergonhice. Tupã de Oliveira aprendeu muito nessa escola. Sempre participou de festas e de atividades culturais. Durante esses oito anos, tornou-se o mascote da escola nos desfiles escolares por ocasião das festas cívicas. Tupã de Oliveira devia não somente receber um diploma, mas também uma medalha pelo seu comportamento e dedicação à escola.
A seguir, os professores votaram  sobre a pertinência ou a não pertinência de se conceder um diploma ao cachorro. A maioria votou a favor da concessão. Depois, os professores atribuíram notas às várias disciplinas do currículo para que Tupã fosse aprovado. Foi assim que um animal ganhou um diploma.   
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Do livro “Educação no Reino de Banan e outras fábulas”

 

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