terça-feira, 19 de julho de 2016

OS IDEAIS DA REVOLUÇÃO FRANCESA


                                                                              Isaac Warden Lewis

O mundo todo tomou conhecimento da magnífica comemoração dos duzentos anos da Revolução Francesa. A história dessa revolução tem-nos oferecido, fundamentalmente, duas versões que são, na verdade, as duas faces dessa mesma história.
A primeira versão é a oficial, geralmente, ensinada nas escolas e transmitida pelos meios de comunicação. Ela nos informa que a Revolução Francesa foi realizada com o objetivo de estabelecer princípios universais aplicáveis a todos os homens, independentemente de sua condição social, sua raça ou sua religião. Tais princípios afirmam que todo homem tem direito à vida, à liberdade e à felicidade. As três palavras de ordem – liberdade, igualdade, fraternidade – resumiriam, nessa versão oficial, os ideais da Revolução Francesa.
A outra versão é a extraoficial, menos conhecida do grande público, diz que a Revolução Francesa, na verdade, continha, dentro dela, várias revoluções, uma vez que classes diferentes e até antagônicas participaram ativamente da derrubada das instituições do regime feudal. Logo após a efetivação desse objetivo, as duas classes vencedoras se digladiaram para estabelecer o governo e as instituições que melhor atenderiam os seus respectivos interesses. Infelizmente, o proletariado sofreu vários golpes e a burguesia criou governos e instituições em seu próprio benefício.
 
O problema, agora, é tomarmos uma posição em relação a uma dessas versões, ou seja, estabelecermos qual das duas seria a mais verdadeira, já que os defensores de cada uma dessas versões consideram a sua como a verdadeira. Acreditamos que a experiência histórica nos ajudará a nos definirmos por uma delas.

Todos nós sabemos que os historiadores, de modo geral, referem-se ao período do terror da Revolução Francesa em que inúmeras pessoas foram condenadas à morte, principalmente, reis e rainhas.

Inegavelmente, esse período reflete as lutas intestinais da revolução em que setores conservadores e setores progressistas lutavam radicalmente para fazer valer a sua interpretação do que entendiam por democracia, fraternidade, igualdade, liberdade etc.
 
No final desse período, emergiu vitorioso o governo de Napoleão Bonaparte que representou, na verdade, a vitória dos interesses da classe mais poderosa e mais bem organizada naquele momento – a burguesia francesa.

A outra etapa da história da Revolução Francesa é a propagação dos ideais dessa revolução em todo mundo. Ou seja, a burguesia vitoriosa inicia a guerra aos regimes feudais da Europa, tentando revolucionar os sistemas políticos vigentes nos países daquele continente. Nos outros continentes – África, América e Ásia – a burguesia francesa empreende algumas conquistas, em busca de matérias-primas para a sua indústria nascente e criando, nessas colônias, mercado para os seus produtos industrializados. A todos os continentes, a burguesia francesa vitoriosa levou os seus ideais, ou melhor, a sua interpretação dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade para todos os homens.
 
Como exemplo, veremos como a França democrática operou, de modo geral, esses ideais, em suas colônias, na África, no século XIX. Os franceses desembarcaram em várias regiões daquele continente, com armas modernas, eliminaram milhares de africanos negros, tomaram as melhores terras, criaram cidades europeizadas e urbanizadas para os franceses brancos, apropriaram-se dos recursos naturais dessas regiões e marginalizaram os habitantes naturais, que passaram a viver na periferia da cidade, como cidadãos de segunda classe e como mão-de-obra explorada, segundo os interesses dos colonizadores.
Esse exemplo, é claro, foi seguido pela Grã-Bretanha, uma das grandes nações democráticas burguesas do século XIX. Tanto que esses dois países entraram em guerra várias vezes para decidir a quem caberia impor os tais ideais e interesses burgueses, nas colônias da África, América e da Ásia. No século XX, os Estados Unidos constituem o exemplo perfeito de vitória dos interesses e dos ideais da burguesia internacional em todo mundo.

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Do livro “Educação: doutrinação ou desvelamento?”   








domingo, 3 de julho de 2016

DESAMOR FILIAL

                                                                      Lucilene Gomes Lima

O filho se comunica com a mãe após um longo período de indiferença:
-Alô,  mãe, como estão as coisas por aí?
-Tá tudo no mesmo. Vou vivendo como Deus permite. – ela começa então a descrever seu calvário. Mas o filho não está muito disposto a ouvir a mãe se lamuriar, o que ele quer, realmente, é contar uma novidade:
- Mãe,  comprei um peixe muito bonito. Deve  pesar uns dez quilos. Ainda estava vivo quando comprei.
- Puxa, já faz tempo que eu não como peixe – a mãe se alegra.
- Vou levar um pedaço para a senhora. Só vendo como o peixe é bonito!
- Já estou até sentindo o gosto. Se você pudesse trazer também os temperos... Não tenho quase nada aqui para temperar.
- Hoje mandei a mulher preparar ao molho de leite de coco e amanhã vou mandar preparar com um molho especial de legumes. Mas o peixe é tão bom que a senhora pode comer só com água e sal. Eu vou lhe levar um pedaço.
- Estou esperando, filho, Deus lhe abençoe.
Três dias depois, o filho volta a telefonar para a mãe. Conversam algumas banalidades. Ela faz, como de hábito, seus queixumes, mas o filho não menciona o peixe. Ela tenta lembrá-lo:
- E o peixe? Estava bom mesmo?
- Estava gostosíssimo. O peixe mais gostoso que já comi.
- Quando você vai trazer o pedaço para eu provar – ela cobra.
- Ah, mamãe! O peixe é tão bom que nós comemos até lamber os dedos. Ainda sobrou uma parte. A senhora gosta da costela?
- Gosto, sim.
- Então, vou levar para a senhora.
- Tá bom. Vou ficar esperando. Deus lhe abençoe.
Passam-se mais três dias e o filho nada de aparecer, a mãe insiste:
- Alô. E então? E a costela?
- Que costela? Ah, é a senhora, mãe.
- Você esqueceu de trazer a costela do peixe?
- Ah, mamãe! Aquele peixe era muito gostoso! Comemos e ainda ficamos com água na boca. Só sobrou a cabeça.
- É mesmo? – ela pergunta tristemente.
- A senhora quer a cabeça? Dá para fazer um caldo, não dá?
- É... dá.
- Então, eu posso levar para a senhora?
- Pode. Quando?
- Amanhã eu levo. Tchau.
- Tchau. Deus lhe abençoe.
Passaram-se dias, semanas e a mãe ainda não recebeu aquela cabeça de peixe.
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Do livro "O julgamento e outras histórias" 

sábado, 2 de julho de 2016

O TRABALHO DO PADEIRO

                                                                                                       Isaac Warden Lewis
 

Para fazer pão,
primeiro, o padeiro tem de preparar a massa.
Para prepará-la,
ele tem de juntar e mexer farinha, água e fermento.
Para fazer isso,
ele precisa ter esses produtos.

Isso implica dizer que:
alguém plantou trigo e alguma indústria transformou-o em farinha;
alguma companhia tratou e processou a água da natureza,
alguém fabricou o fermento.

Também, antes de começar a fazer pão,
ele tem de acender o forno.
Para acender o forno,
ele tem de colocar lenha nele.
Antes disso, ele tem de rachá-la
e carregá-la para o forno.

Depois disso tudo, é que ele coloca a massa no forno.
E faz o pão que eu e você comemos.
É simples, não é?

Mas, antes de poder fazer o pão,
o padeiro precisa aprender a fazer pão.
Também para fazer pão todos os dias,
ele precisa ter prazer em fazê-lo.
E para ter esse prazer,
ele precisa ser bem remunerado
para poder viver condignamente.
Pois, nem só de pão vive o padeiro.
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Do livro "Sentimento e consciência"