quinta-feira, 2 de junho de 2016

DESVIO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES: A RAIZ DO PROBLEMA


                                                               Isaac Warden Lewis

 
O país chamado Brasil consolidou uma série de contradições e confusões temáticas e conceituais difíceis de serem corrigidas. Esta terra começou sendo chamada de ilha de Vera Cruz. A terra não era uma ilha e a cruz não era vera. Depois, chamou-se Terra de Santa Cruz. Esse nome também não vingou porque a cruz não era santa. Não havia e nunca houve documento divino provando que esta terra deveria pertencer a Portugal. Essa nação propagou, então, que descobrira uma terra que passaria a ser chamada Brasil. Que descoberta era essa onde viviam povos nativos há mais de mil anos antes de os europeus chegarem à América (outro nome problemático)? Para piorar as coisas, chegaram com os invasores portugueses ordens religiosas (jesuítas, principalmente) que nada sabiam sobre cristianismo. Ensinavam, na verdade, cristianismo às avessas porque, na Europa, estudiosos questionavam os dogmas cristãos e produziam conhecimentos científicos que desqualificavam qualquer conhecimento religioso. Mas, para os nativos, os africanos e os portugueses analfabetos e ignorantes, o ensino jesuítico era considerado farol da civilização. A partir desse ensino precário, mas satisfatório para os colonizadores e exploradores dos indígenas e dos negros, os filhos de senhores e senhoras escravagistas iam a Portugal estudar Direito, que não consistia em estudar ciências jurídicas e, sim, aprender a operacionalizar as leis manuelinas e joaninas, favoráveis à escravização e discriminação negativa de índios e negros africanos e seus descendentes. Havia, naturalmente, exceções, como, por exemplo, Gonçalves Dias, mas a maioria dos formados nessas escolas eram somente operadores das leis estabelecidas em favor das classes privilegiadas e favorecidas de Portugal e do Brasil, ou seja, traficantes, senhores e senhoras escravagistas, incluindo reis, rainhas e a corte.

No Brasil Império, as contradições e as confusões temáticas e conceituais continuaram. O Brasil torna-se independente. Mas, como? Os brasileiros ou o povo brasileiro lutou para se tornar independente de Portugal? Não, o regente D. Pedro declarou sua independência com relação às cortes portuguesas. Depois da revolução francesa (1789) que aboliu o absolutismo dos reis, como Luís XIV, que dizia “o estado sou eu”, os brasileiros aceitaram o fato de que o Brasil era independente sem luta revolucionária. Claro que os brasileiros, nesse caso, eram os traficantes, os senhores e as senhoras escravagistas e seus filhos letrados, a maioria, operadores das leis manuelinas e joaninas que, agora, passariam a ler os manuais e as apostilas de segunda mão da burguesia vitoriosa na Inglaterra e na França. Embora houvesse um grande número de advogados formados nas faculdades de Direito de São Paulo e de Olinda, os cientistas jurídicos eram poucos, como, por exemplo, Castro Alves, Rui Barbosa, Antônio Bento, Saldanha Marinho e outros em várias províncias do Brasil. O diploma possibilitava a esses letrados empregos nos órgãos públicos. Essa era a expectativa dos senhores e das senhoras escravagistas para os seus filhos ou afilhados. Nesse período, senhores e senhoras escravagistas, seus descendentes e agregados, a maioria constituída de mamelucos, viam-se como europeus. Macaqueavam-se física e espiritualmente, pretendendo serem europeus, civilizados, cristãos, embora não tivessem noção exata do que era ser europeu, civilizado, cristão. Além disso, esses senhores e essas senhoras, analfabetos, ignorantes, preguiçosos, em sua maioria, ambicionavam conquistar títulos de nobreza. Vários barões, marqueses, duques conquistaram seus títulos por terem massacrado índios e negros desarmados. O Brasil era um império às avessas. Era um império de papel. Para quem leu a história do império persa, romano ou britânico, por exemplo, fica difícil entender que império era esse constituído no Brasil. Oficialmente, o Brasil constituiu-se através de proclamações. O rei de Portugal proclamou aos quatro cantos da terra que os portugueses descobriram o Brasil. D. Pedro proclamou a independência. A república brasileira também não resultou de luta do povo para fundar uma república. Os senhores escravagistas resolveram proclamar a República. Ponto final.

A decisão dos senhores e das senhoras escravagistas ocorreu um ano após a proclamação (outra)! da abolição da escravidão. Essa abolição trouxe um problema anunciado para as classes privilegiadas e favorecidas. O que fazer com milhares e milhares de índios e negros vagando pelo Brasil? Em 1850, os escravagistas estabeleceram que a aquisição de terras no Brasil só poderia ser feita através de compra. Mesmo assim, milhares de índios, negros, cafuzos, pardos, mulatos, brancos, mamelucos ocuparam terras devolutas, distantes, em todas as províncias brasileiras desde o período colonial. Os fazendeiros mamelucos começaram a imaginar uma república europeia nos trópicos. Trouxeram europeus de verdade – italianos, portugueses, espanhóis, suíços para trabalharem em suas terras, mas, ao invés de se irmanarem com os brancos europeus, trataram-nos como escravos. Esses europeus não gostaram de tal tratamento. Os italianos – os rebeldes mais organizados – passaram a combater a escravidão, a exploração dos trabalhadores, propor reformas e revoluções. Os fazendeiros e os seus letrados (chefes de polícia, juízes, operadores de leis) descobriram horrorizados que os imigrantes eram politizados – comunistas, anarquistas, socialistas, sindicalistas combativos. Prenderam milhares desses imigrantes. Colocaram-nos em um navio e devolveram-nos para as suas pátrias. No século XIX, os escravagistas tiveram uma experiência similar na Bahia. Trouxeram da África negros muçulmanos. Descobriram horrorizados que tais negros eram rebeldes e que pretendiam fundar uma república negra muçulmana na Bahia. Mais horrorizados ficaram, ao descobrirem que tais negros sabiam ler e escrever em várias línguas. Prenderam-nos, castigaram-nos e devolveram-nos para África.

Enfim, os letrados mamelucos importaram textos sobre positivismo e darwinismo social de segunda mão, já superados, da Europa (digo, da Inglaterra e França), mas ainda em vigor nas colônias mais atrasadas, como Austrália, países da África, Estados Unidos (país independente, porém ideologicamente alinhado com países escravagistas), Alemanha (onde vigorava o idealismo medieval e antirrevolucionário de Kant e Hegel) e apropriados por mentes doentias em todas as partes do mundo. Esses letrados mamelucos perguntavam-se que país o Brasil deveria ser: Brasil europeu, Brasil africano ou Brasil ameríndio? Respondiam essa pergunta, desqualificando e discriminando negativamente negros e índios e concluíam com as afirmações já contidas nas leis manuelinas e joaninas. O Brasil deveria ser branco puro e índios e negros deveriam ser apartados. Os operadores de direito e os legisladores encontraram uma maneira de inventar um “estado burocrático de direito” e o denominaram “estado democrático de direito”. Nesse estado, tudo funciona às avessas. Todos têm direitos e, ao mesmo tempo, nem todos têm direitos. A lei deve ser para todos, mas nem todos devem necessariamente obedecer às leis. A Constituição é para todos, mas nem todos são regidos por essa Constituição. Os operadores das leis e do direito acham isso maravilhoso, pois podem enunciar, quando acham oportuno e conveniente, que “o Brasil é um estado democrático de direito”. E tudo se passa como se isso fosse verdade, mesmo com inocentes presos e criminosos soltos de acordo com a Constituição, o Direito, a Democracia etc, etc, etc. Num tribunal brasileiro, o honesto torna-se desonesto e o desonesto torna-se honesto.

Se é difícil entendermos certos temas, certos conceitos políticos nesse país, como entendermos o que sejam socialismo, esquerda, direita, democracia, burguesia, pequena burguesia, proletariado quando expressos por certos jornalistas, letrados de gabinete e oportunistas políticos. Como entendermos a insistência desses letrados em chamar o Partido dos Trabalhadores de partido de esquerda ou de partido socialista? O papel de um ativista político, de um intelectual engajado com a verdade, é o de esclarecimento não só de si mesmo como de seus contemporâneos. Nas linhas anteriores, tentamos mostrar que os letrados, no Brasil, sempre distorceram os sentidos, os significados de temas, ideias e conceitos. No período colonial, os jesuítas diziam-se cristãos, mas não se comportavam como cristãos. Ensinavam um cristianismo que permitia a desqualificação, a discriminação negativa e a exploração de índios e de negros. No Brasil império, os operadores das leis defendiam os interesses dos senhores e das senhoras escravagistas e se consideravam civilizados. Para entendermos as distorções do Brasil república, precisamos confrontar os significados de termos repetidos constantemente, como pátria, república, democracia, direito, igualdade, constituição, ordem e progresso etc, etc, etc.

Além disso, precisamos entender que, no Brasil, país capitalista periférico ou de segunda categoria, as classes sociais são emergentes, o que significa dizer que as classes emulam ou querem se parecer com as classes de países capitalistas centrais. A burguesia, a pequena burguesia, a classe média e até a classe proletária são classes emergentes. A ânsia das classes emergentes dos países periféricos é não só parecerem com as classes correspondentes nos países centrais, mas terem a riqueza e o poder que essas classes detêm em seus países. É por isso que os líderes periféricos se parecem tanto. Os líderes políticos e os intelectuais orgânicos dos países da África e do Brasil se parecem tanto. Ao assumirem o poder político de um país, fazem a mesma coisa que os seus antecessores antagônicos faziam. Envolvem-se em corrupção, em mentiras, consideram-se donos do país e comportam-se como se os cidadãos fossem seus súditos.

Os líderes que se dizem socialistas, revolucionários, tanto nos países africanos quanto no Brasil, esquecem rapidamente postulados básicos para transformação qualitativa da sociedade em que vivem. O primeiro postulado que esquecem é que os capitalistas (por conseguinte, o capital e o capitalismo) são fundamentalistas. Os projetos dos capitalistas não são conciliatórios e nem buscam a harmonia entre as classes. As propostas educacionais, políticas, trabalhistas, sociais, financeiras e de seguridade social são bem claras e visam a concentração de renda de poucos e a pauperização da maioria da população.

O projeto educacional, por exemplo, proposto pelo governo da Ditadura Militar (1964-1982), imposto pelo Acordo MEC-USAID, nas reformas de 1968 e de 1971, visou expandir educação de má qualidade em todos os níveis de ensino, mais precisamente a precarização do ensino, a privatização do ensino superior, tornando esse setor educacional formador de operadores e técnicos em todas as áreas profissionais sem exceção para atender os interesses do mercado, reservando aos países centrais a produção científica qualificada. As exceções existem. Há cientistas indianos, chineses, judeus, brasileiros trabalhando nos países centrais. O governo do Partido dos Trabalhadores, mais do que os governos anteriores, adotou e aprofundou os projetos de precarização do ensino em todos os níveis e de privatização do ensino superior.

Todos os projetos políticos adotados pelo governo do Partido dos Trabalhadores, principalmente depois da expulsão dos socialistas fundamentalistas de seus quadros, foram projetos conciliatórios, assistencialistas, cooperativos e condescendentes com os interesses de grandes grupos financeiros internacionais e nacionais. Ao assumirem o poder, os políticos do Partido dos Trabalhadores não questionaram os projetos políticos adotados pelos governos civis após o Governo Figueiredo. Não fizeram nada de novo, nem em relação à corrupção e aos desvios teóricos já praticados tão bem por socialistas e revolucionários de países africanos. Por que, então, os intelectuais de gabinete, os jornalistas e os oportunistas políticos insistem em chamar o Partido dos Trabalhadores de partido de esquerda? Esquerda de onde?

Precisamos respeitar os anarquistas, os comunistas, os socialistas italianos e brasileiros presos, condenados e até mortos por essa república desde o início de sua proclamação. Entendemos que o Partido dos Trabalhadores, mais do que qualquer partido de direita, abriu as portas para a Direita e fechou as portas para a Esquerda. É, por conseguinte, um partido contrarrevolucionário.   

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