terça-feira, 31 de outubro de 2023

A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA

 

                                                                                                    Isaac Warden Lewis

 

A escola dicotomizada não produz relações sociais dicotômicas. E sim as relações sociais dicotômicas que produzem a escola dicotomizada, ou seja, a escola reflete os anseios e interesses das classes sociais, presentes na sociedade capitalista: burgoesia e proletariado. Tais anseios e interesses resultam da situação e posição que cada classe assume em relação ao modo de produção e de apropriação do produto do trabalho coletivo.

Podemos observar isso, estudando as funções sociais das escolas particulares e das escolas públicas na sociedade brasileira. De modo geral, as primeiras atendem os interesses e a situação das classes favorecidas e privilegiadas, enquanto que as segundas atendem os anseios e as aspirações das classes populares.

A maioria das escolas particulares – laicas ou confessionais – continua, de certo modo, a concepção de educação surgida nas sociedades antigas. Nessas sociedades, como resultado da divisão do trabalho entre atividades manuais e intelectuais, surgiram instruções educacionais reservadas aos filhos dos iniciados nas atividades intelectuais (sacerdotes) e aos filhos das castas dominantes da sociedade (dirigentes políticos, altos funcionários, representantes da oligarquia latifundiária, comerciantes ricos). A maioria da população trabalhadora, constituída de escravos, não tinha acesso à escola.

Por serem os sacerdotes os sistematizadores e guardiões do saber, eles controlavam e dirigiam as primeiras escolas criadas nas sociedades antigas. E sendo eles ligados ou comprometidos com os interesses das classes privilegiadas, eles produziam e transmitiam o saber, o conhecimento que servia os interesses dessas classes.

Desse modo, as escolas sacerdotais escolarizavam os filhos das classes favorecidas e privilegiadas com o objetivo de preservar a hegemonia política e econômica dessas classes em relação aos outros grupos sociais presentes na sociedade. Uma das exceções quanto à discriminação ao acesso à escolarização para um alto cargo nas sociedades antigas seria a China, onde era possível, em tese, a todas as crianças se tornarem mandarins, se estudassem e dominassem a leitura e escrita dos caracteres do alfabeto chinês.

No Brasil, salvo raras exceções, as escolas particulares representam o estigma da discriminação. Elas constituem para os elementos das classes privilegiadas (oligarquias latifundiárias, empresários) a garantia de preservação de seu status e poder político e econômico. Para algumas famílias da classe média e da classe trabalhadora, a escola particular constitui a possibilidade de ascensão social e econômica de seus filhos.

Já a escola pública moderna resulta da aspiração dos participantes das revoluções burguesas ocorridas na Idade Moderna (principalmente a Revolução Francesa de 1789) por uma escola acessível a todos os cidadãos de uma república.

Desde o início, a escola pública foi concebida como uma instituição para realizar a concepção de universalização e democratização do saber, ou seja, ela realizaria, na prática, a concepção de que o saber deve ser comum e acessível a todas as pessoas, a todas as crianças, a todos os seres humanos. Além disso, as escolas públicas foram concebidas como parte da aspiração popular pela constituição de uma sociedade justa e igualitária, onde todos os seres humanos seriam cidadãos. Além do direito à educação gratuita, a esses cidadãos deveria ser garantido o direito ao trabalho que possibilitasse a eles adquirirem moradia, alimentação e saúde decente.

Talvez, por isso, às escolas públicas brasileiras acorram os filhos de elementos de todas as classes sociais. Estudam nelas os filhos de desempregados, dos subempregados, da classe média e alta,. Também lecionam nessas escolas pessoas de todas as origens sociais. Dessa forma, essas escolas são realmente democráticas.

Em geral, a maioria dos funcionários, professores, educadores e administradores das escolas tem consciência do papel político da educação numa sociedade estruturada política e socialmente em favor das classes privilegiadas do país. Esses servidores estão comprometidos e engajados na luta para tornar a escola pública a escola de todos os brasileiros.

Por outro lado, muitos pais, cujos filhos sâo alunos das escolas públicas, não têm consciência de seu papel como construtores de uma sociedade melhor, mas almejam para seus filhos uma vida mais humana. Outros pais entendem que nas escolas públicas os seus filhos devem aprender a serem pessoas como todas as outras. Outros pais pensam que a escola e a sociedade devem estar a serviço de todas as pessoas indistintamente. Outros pais vêem a escola pública como o caminho para um mundo melhor para todos em futuro próximo. Alguns pais entendem que a escola pública deve ser a sistematizadora, transmissora e centro de iniciação ao saber produzido nas instituições e sociedades científicas.

Evidentemente que, por estar inserida numa sociedade onde prevalecem a desigualdade e a injustiça social, produzidas por estrutura político-social de interesse das classes conservadoras (oligarquia latifundiária, empresários nacionais e internacionais) a escola pública tem sofrido, aqui e ali, distorções de seus objetivos e de suas aspirações populares, principalmente por parte da administração pública. Nesse aspecto, a escola pública é administrada como se fosse propriedade particular de governadores, prefeitos, políticos, ministros e secretários da educação.

Contudo através de esforços de seus professores, funcionários, alunos e pais de alunos, a escola pública tem resistido e sobrevivido a tais distorções e, à medida do possível, tem procurado cumprir o seu papel de universalização e democratização do conhecimento.

 

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Publicado originalmente no livro “Educação: doutrinação ou desvelamento”. Manaus: Editora Mundo Novo, 2013, p. 90-91

 

 

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