Lucilene Gomes Lima*
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Foto: Wikipédia |
As palavras revelam mais
do que seus emissores desejam ou pensam revelar. O senador Plínio Valério em
audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado, no dia 27 de maio de 2025, em
que interpelava a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva,
lhe diz: “A mulher merece respeito, a ministra, não. O senador separou o ser
mulher do cargo que ela ocupa. Acaso alguém pode se separar da sua condição
social, histórica, biológica para assumir um cargo? Isso precisaria ser possível
para que o senador, segundo outra fala sua, pudesse enforcar somente a ministra
e não a mulher.
Singularmente com a mulher ocorre o fato de se separar
o que ela é profissional e socialmente de sua categoria ontológica. Na
sociedade de consumismos em que vivemos, muitas vezes, as datas de vendas do
comércio separam mãe, mulher, profissional. Nesse contexto, por mulher se
entende apenas o sexo e sua capacidade de atração e geração. Por isso, quando
alguém refere a palavra mulher precisa explicitar o que quer dizer com essa
palavra.
O senador Plínio Valério diz respeitar as mulheres
porque tem seis filhas. Para ele, ter filhas, fato que, no momento de geração,
não depende de sua escolha, significa respeitar mulheres. É preciso saber se
ele respeita as filhas em seus estudos, suas profissões e como seres pensantes.
O senador diz respeitar a ministra Marina como mulher, porém demonstra não
respeitar Marina, ser histórico com inegável participação e luta nas questões ambientais,
as quais motivaram toda a discussão e os desentendimentos. Marina, ser social
mulher, já estava envolvida com as questões ambientais antes de ser ministra do
meio ambiente. O senador Plínio finge ignorar que a mulher nunca se separou em
convicção, pensamento e ação da ministra. Marina cresceu ativista ambiental, foi
membra de partido político de ativismo ambiental, o Partido Verde, e fundou um
partido cujo lema principal é o ativismo ambiental, a Rede Sustentabilidade, e se
não merece respeito como ministra, também não é considerada confiável pelo setor
do agronegócio brasileiro, daí seus embates como sindicalista, parlamentar e
ministra. Marina sempre enfrentou embates nos cargos que ocupou, tendo se
mantido firme em seus princípios. O senador Plínio separou Marina, ser real,
histórico de seu cargo e a pôs numa categoria abstrata, a mulher. Por outro
lado, o senador Plínio demonstrou, por suas próprias palavras, não respeitar
nem mesmo essa categoria, uma vez que diz que a esposa o repreendeu por não a
ouvir e ouvir a ministra Marina. Não é demais inferir que se o senador não ouve
sua mulher, que não é ministra, pode também não a considerar nem respeitar.
Dizem que a emenda costuma sair pior do que o soneto e
parece ter sido isso que ocorreu quando o senador Plínio, ao tentar se retratar
por sua fala com relação à ministra Marina, disse em entrevista: “Se eu pedir
desculpas para Marina não entro em casa”. Não se pode precisar o que o senador
quis dizer com essa fala. Talvez signifique que ele nunca pede desculpas para
sua mulher e ela, a exemplo do contexto em que o recriminou por não ter
disposição de ouvi-la, não aceite a sua contradição.
O senador Plínio demonstrou covardia usando as
mulheres (esposa e filhas) para se eximir da acusação de preconceito e foi
oportunista e demagógico ao recorrer à pandemia de Covid 19 para justificar o
descaso e o desrespeito para com o ambiente de sua terra natal. Como as
palavras não estão livres do oportunismo de quem as enuncia, o senador Plínio
Valério e o senador Omar Aziz se transformaram em paladinos dos direitos
humanos, da compaixão humana, alardeando o desejo de salvar pessoas e, ao mesmo
tempo, menosprezando a catástrofe ambiental planetária, na qual, inclusive, as
pandemias podem se generalizar. Quando o senador Plínio diz que se pedisse
desculpas à ministra não conseguiria se eleger nem para o cargo de vereador,
indica quem são seus eleitores, mas, devido sua imprecisão vocabular, não se
sabe se o que ele quis realmente comunicar é que não será reeleito porque pede
desculpas a uma ministra que se posiciona a favor da preservação do meio
ambiente ou porque, simplesmente, pede desculpas a uma mulher.
O senador Marcos Rogério, presidindo a Comissão de
Infraestrutura, disse à ministra Marina que ela estava agindo por sexismo e
depois que era mal-educada por interromper a fala dos senadores e lhes apontar
o dedo, por último, disse à ministra que se colocasse no seu lugar. Todas essas
acusações têm um contexto que as precederam, apesar de o senador Marcos omitir
esse contexto ao se defender em plenário por suas falas e criticar o
comportamento da ministra como de uma pessoa exaltada e desrespeitosa. O
sexismo do qual o senador acusou a ministra foi trazido à discussão na comissão
não por ela, mas pelo senador Plínio, e o desrespeito ao direito de fala foi
praticado pelo próprio senador Marcos quando cortou o microfone da ministra,
que respondia ao senador Omar Aziz, o qual, com tom de voz alterado e ofensivo,
ao denominar a equipe do ministério de “meia dúzia de especialistas que falam besteira
sobre região que não conhecem”, a acusou de não ter lhe respondido uma pergunta.
O que o senador Omar finge não saber é que Marina nasceu num estado da Amazônia,
o Acre, e que conhece a região como lugar de vivência, não somente como função
burocrática de governo. O contexto demonstra que a ministra só alterou o tom de
voz, apontou o dedo em riste e, por fim, retirou-se da audiência após ter sido
sucessivamente ofendida.
Os três parlamentares foram inábeis ou sordidamente
hábeis com as palavras, apesar de ocuparem o cargo de respeitáveis senadores da
República. Todos revelaram-se por suas palavras: aquele que disse que
respeitava uma mulher sem, de fato, respeitá-la; aquele que menosprezou a
preocupação com a segurança ambiental, qualificando-a como “conversinha de
governança” e aquele que disse a uma ministra mulher qual era o seu lugar de
fala – calar-se. É preciso questionar para que servem a Educação, o Congresso,
o Ministério do Meio Ambiente se os senadores Omar Aziz, Marcos Rogério e
Plínio Valério, dentre outros, não consideram e não respeitam os conhecimentos
e os dados técnicos produzidos por especialistas brasileiros.
Longe de não ser importante a discussão sobre o gênero
que a audiência possibilitou, a questão do meio ambiente é central,
primeiramente, por demonstrar a capilaridade dos interesses em jogo. Um embate,
na verdade, entre o grande capital e os defensores da preservação ambiental,
conforme explicita na audiência a fala do senador Lucas Barreto, autor do
requerimento que convidou a ministra: “[...] Nós queremos esse direito de
prospectar essa riqueza que tem na costa do Amapá”. Enquanto uma ministra
apresenta dados técnicos, um senador apenas diz que ela está mentindo, ecoando
os interesses das empresas que extraem gananciosamente os elementos naturais,
constroem estradas, administram e lucram com as frotas rodoviárias. Nesse
aspecto, explica-se a confluência de propósitos dos senadores: desmoralizar o
poder de voz de uma mulher e menosprezar o tema da catástrofe ambiental.
* Mestra em Estudos literários pela Universidade Federal do Pará, autora dos livros O mestre e o discípulo, O julgamento, Ficções do ciclo da borracha, A expressão literária, O produto imaginário, cofundadora da editora Mundo Novo