Lucilene Gomes Lima
A descrição que Geofrey Blainey (Uma breve história do mundo,
2004) faz referente aos seres humanos que viveram, há dois milhões de anos, no
planeta Terra pode parecer curiosa aos seres humanos contemporâneos. Nossos
antepassados se alimentavam primordialmente de frutas, nozes, sementes e
plantas e principiavam a se alimentar de carne, possuindo apenas implementos
primitivos para caçar. Mesmo a alimentação frugal era muito difícil de
conseguir e exigia longas caminhadas até encontrar frutas e sementes que
pudessem ser ingeridas. Foi necessário desenvolver a habilidade de reconhecer
plantas comestíveis e não comestíveis, pois, por não possuir esse conhecimento,
muitos seres humanos morreram envenenados. A jornada em busca de sobrevivência
era repleta de obstáculos e perigos, em nada comparável ao passeio pelo
supermercado na época em que vivemos.
Não devemos pensar que apenas na era contemporânea os seres
humanos buscam comodidades. Antes de transformar substancialmente os elementos
naturais, os seres humanos já faziam alguns usos desses elementos para facilitar
sua sobrevivência. Aproveitavam o fogo para clarear a escuridão da noite, endurecer
os rústicos instrumentos feitos para cavar, cremar os mortos, realizar rituais
simbólicos, afastar o risco de animais peçonhentos ou predadores, repelir
insetos.
Hoje o aproveitamento dos elementos naturais se apresenta de
forma bastante prática. Comemos com facilidade e rapidez, apesar de existirem
fatores relacionados à alimentação que não podemos ignorar: a forma de cultivo
e criação dos alimentos, seu processamento industrial e seu acondicionamento. Todos
estão ligados à praticidade da produção e do consumo.
Aparentemente, um supermercado com seus balcões assépticos,
suas ilhas geladas, suas prateleiras repletas de embalagens é mais higiênico do que uma feira de produtos naturais recém-extraídos da terra ou colhidos das
plantas, animais abatidos e tratados no local. Em primeiro lugar, poucos se
perguntam como os alimentos prontos para consumo nos supermercados chegaram
ali. Não refletem que a praticidade que buscam como consumidores também é
visada pelos produtores, principalmente porque para esses últimos ela se traduz
em maior lucratividade. Por esse motivo, as fases de criação e produção dos
alimentos passam a ser comandadas pela lógica industrial, que quer dizer
produção em larga escala. Sob essa perspectiva, o produto agrícola também deve
apresentar um controle de qualidade que prime pela padronização, como os
produtos fabricados na esteira industrial, ainda que, muitas vezes, isso
signifique modificar suas características naturais.
É mais prático e lucrativo para o produtor que galináceos se
reproduzam em pouco tempo e em maior número do que no tempo biológico regular,
o mesmo se dando com os bovinos, os suínos e os peixes. No sistema de
confinamento, o crescimento e a engorda são recordes em todas essas espécies. O
gado criado em sistema de confinamento é alimentado em cochos necessariamente
com rações a base de farelos de milho e de soja. O produto almejado é o boi
gordo, ou seja: aquele que pesa em média 16 arrobas ou mais e tem idade até
quarenta e dois meses, de acordo com as informações contidas no site boisaude.com.br.
Na chamada pecuária extensiva, em que os animais se alimentam cem por cento de
pasto, dificilmente eles adquirirão essas mesmas proporções. O método do boi de
cocho não necessita de grandes extensões de terra, uma vez que o gado não é
criado solto. Por outro lado, grandes extensões são necessárias para o cultivo
de grãos que irão alimentá-los. Esse fator tem feito com que muitos produtores
agreguem a pecuária à agricultura para maior controle da cadeia de produção.
Apesar da praticidade da criação do boi de cocho, esse animal fica mais
susceptível a adoecer com a dieta só à base de grãos, o que leva os produtores
a utilizarem os suplementos melhoradores de desempenho.
Do mesmo modo que a criação de animais é feita com
modificação dos processos biológicos naturais, alterando os estágios de
fecundação, nutrição, crescimento, o cultivo de plantas comestíveis sofre alteração
nos processos de adubação do solo, reprodução das espécies e defesa natural. As
plantas cultivadas com insumos agrícolas reproduzem-se mais rapidamente, em
maior quantidade e tamanho, de tal forma que seu armazenamento se prolonga além
do período da safra. Modificadas em sua reprodução natural, ficam mais sujeitas
a doenças e pragas.
Após as etapas de produção de animais e plantas em larga
escala para a comercialização, eles sofrem novos processos para que possam ser
estocados nos pontos de venda. Na indústria, a maioria dos alimentos também se
altera a fim de que possam chegar embalados para o consumo. Como no
supermercado tudo é prático e rápido, a leitura de rótulos de embalagens que
informam a origem dos alimentos, e a alteração química que sofreram em seu
processo de industrialização, é deixada para trás pela maioria dos
consumidores. Mais do que ler os rótulos para compreender as composições
químicas dos alimentos industrializados, é preciso conhecer as denominações que
são empregadas, por exemplo, os tipos, subtipos, grupos, subgrupos, classes, no
caso de grãos. Essas informações não são apenas de interesse dos produtores e
beneficiadores, são igualmente importantes para os consumidores porque
especificam o tipo de tratamento e beneficiamento que os grãos sofrem na fase
de industrialização.
Uma pessoa pode ler na embalagem de um produto que ele
contém ou não contém glúten sem que saiba o que é glúten ou que muitos produtos cuja embalagem diz não conter glúten
contêm soja, um grão cultivado extensivamente com agrotóxicos no Brasil. O
mesmo pode ocorrer, por exemplo, com as denominações sêmola, ácido fólico, ácido tartárico, lecitina de soja
e com a classificação transgênico. Os
processos e os aditivos químicos são ainda mais difíceis de o consumidor pouco
familiarizado com as nomenclaturas entender e a lista de aditivos autorizados
para alimento no Brasil é extensa. São trezentos e cinquenta, dentre os quais
diglicerídeos, pirofosfato dissódico, emulsificante, poliglicerol,
polirrinoneato etc. A justificativa da indústria de produtos alimentícios para
tantos aditivos é o melhoramento. Segundo essa indústria, um melhorador de
farinha de trigo contém amido de milho, estabilizante, lactilato de sódio,
polisorbato, ácido ascórbico, ácido cítrico, enzimas com o objetivo de
branquear, melhorar o sabor e a textura, aumentar o volume, o valor nutritivo e
a qualidade dos produtos que com ela são feitos. Esse processamento facilita a
produção porque permite que a massa seja menos trabalhada, reduz o tempo de
fermentação, aumenta o tempo de duração, possibilitando maior capacidade de
armazenagem.
Uma pessoa que apresente intolerância ao glúten pode não saber que ele é um composto de proteínas presente em vários cereais, como cevada, trigo, centeio, portanto além dos pães, bolos e biscoitos, o glúten está contido em vários outros produtos, conforme detalha o site sensibilidadealimentar.com.br: sorvetes, bebidas em pó, bebidas maltadas, barras de chocolate, licores, cervejas escuras e claras e também nas chamadas comidas de conveniência, as sopas prontas, os molhos, os temperos, as carnes processadas, transformadas pelos processos de salga, cura, fermentação ou defumação (presunto, salsicha, linguiça, bacon, salame, mortadela, peito de peru, blanquet de peru, charque, toucinho), as refeições prontas (entre elas, hambúrgueres, pizzas, lasanhas), as batatas de forno, carnes ou peixes empanados, carne enlatada, patês ou pastas, molhos de carne, cubos de caldos, ervas, temperos, fermento em pó, comidas enlatadas em geral, espaguetes, assim como em subprodutos do trigo como farinheta, farelo fino e farelo grosso que também estão contidos em alimentos industrializados, de tal sorte que há probabilidade de que a intolerância possa desenvolver-se pelo excesso do composto no organismo. O pesquisador Ulisses Fagundes Neto, do Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo, aponta que a doença celíaca (decorrente da intolerância ao glúten) era rara até um passado recente e agora é prevalente no mundo ocidental (igastrpoed.com.br). Existem graus de doença celíaca que podem levar também à intolerância à lactose. No Brasil, 70% da população apresenta algum grau de intolerância à lactose na atualidade.
O triticale é um cereal híbrido, resultado do cruzamento de duas espécies, o trigo e o centeio, após pesquisas e experimentos nas décadas de 30, 40 e 50 do século XX, desenvolvido para comercialização em 1968, no entanto, nenhum símbolo específico foi criado nas embalagens para representar esse cereal, assim como foi feito com o transgênico. As plantas híbridas já fazerem parte do processo agrícola há milhares de anos, incluindo o próprio trigo atual que sofreu sucessivos cruzamentos, passando de planta de dois conjuntos de cromossomos para quatro conjuntos. O triticale apresenta características similares às dos transgênicos (plantas modificadas geneticamente pela transplantação de genes específicos de uma espécie para outra), desenvolvidos na década de 1980, é resistente a doenças fúngicas e tem custo menor de produção em relação ao trigo. Como as plantas transgênicas, apresenta-se resistente aos efeitos de herbicidas, usados para matar pragas e plantas daninhas invasoras, mas tanto as plantas daninhas quanto as pragas também desenvolvem uma resistência aos herbicidas, levando ao uso mais intenso do agrotóxico, que contamina não somente todas as plantas como também o solo e as águas. Além de ser utilizado em biscoitos, massas de pizzas, bolos, waffles, panquecas, tortillas, o triticale também é misturado ao trigo na panificação, pois torna a massa do pão menos pesada e mais branca.
O símbolo de produto transgênico costuma aparecer em
produtos primários como soja, milho, mas o transgênico também pode estar
presente nos ingredientes secundários de outros produtos que não recebem o selo,
como pode também estar nos ingredientes acidentais, aqueles que o rótulo diz
“poderem conter”, ou seja, que o consumidor não é informado se estão ou não nos
ingredientes. Quando o fabricante usa essa informação, trata-se de um alerta
sobre contaminação industrial, o qual é exigido pela Anvisa. Essa informação
dúbia, no entanto, fere o artigo 37 do Código de defesa do consumidor, que
proíbe informações que levem o consumidor ao erro. Apesar disso, a Anvisa
aceita essa rotulação como satisfatória, como também permite que produtos com
30% de ingredientes integrais possam ser denominados de integral.
Pesquisas realizadas pelo Idec, em 2016/2017, constataram
que produtos cujos ingredientes continham milho, soja e óleo de soja
transgênicos não informavam em seus rótulos que os continham, ou seja, os
ingredientes secundários não eram identificados. O órgão constatou procedimento
similar no caso de gordura trans. Produtos que informavam não ter essa gordura
a possuíam em seus ingredientes secundários. Outras constatações foram que 93%
de produtos que alegavam ter aditivos nutricionais eram pobres nutritivamente e
bebidas que indicavam ser zero açúcar, possuíam outras substâncias tão nocivas
quanto o açúcar, como o sódio e o adoçante.
O consumidor pode se sentir mal informado ou mesmo ludibriado numa série de situações. Muitos são os produtos alimentícios que não se sabe realmente o que são, incluindo os oferecidos como alimenticiamente corretos, alternativos em situações específicas, como a intolerância à lactose ou ao glúten, situações que poderiam ser evitadas também com a exclusão desses alimentos da dieta e inclusão de outros que os substituíssem, preferencialmente não industrializados. Entre esses produtos alimentícios estão o café descafeinado, o leite sem lactose (açúcar do leite), o leite desnatado, o leite desnatado, sem lactose e gordura trans, as bebidas gaseificadas zero açúcar, o óleo composto de soja e oliva. As informações nos rótulos dos produtos divulgam pouco, às vezes nada, de seus processos industriais No caso dos elementos retirados, parece não ser conveniente informar ao consumidor que o café é descafeinado por meio de solventes que também são usados na produção de vernizes e tintas. Esses solventes, inclusive, são usados como aditivos de outros alimentos industrializados. Também não parece ser de interesse da indústria alimentícia esclarecer que o leite sem lactose é uma expressão não exata para representar os produtos lácteos que têm a sua constituição transformada, ou seja: recebem a enzima lactase em sua fórmula para quebrar as moléculas da lactose, que o organismo humano não mais produz ou produz em níveis muito baixos. Desse modo, a lactose não é, de fato, retirada do processo industrial. Os leites desnatados e semidesnatados, por sua vez, possuem menor teor de gordura em comparação ao integral, embora isso não signifique que a quantidade de proteínas que contêm não possa contribuir para aumento de peso.
Enquanto surgem os alternativos, com
ingredientes a menos e os produtos mistos, outros apresentam excesso de
ingredientes processados em sua composição. A lasanha congelada, por exemplo,
segundo a matéria o que tem nos alimentos
industrializados que consumimos?, publicada no site noticias.uol.br (2017),
possui amido modificado, margarina, queijo processado gorgonzola, queijo
provolone, requeijão cremoso, queijo parmesão, açúcar, sal, soro de leite,
fécula de mandioca, leite concentrado pasteurizado, ácido lático, creme de
milho, gordura vegetal de soja, extrato de levedura, aroma idêntico ao natural de queijo, aroma natural de galinha, corante idêntico ao natural caramelo IV, farinha de arroz, farinha de trigo, frango, aroma idêntico ao natural de frango,
aroma idêntico ao natural de manteiga, clara de ovo, produto processado à base
de massa para elaborar queijo, mussarela com gordura vegetal, concentrado
proteico de leite, concentrado proteico de soro, além de quatro aditivos com
sódio: polifosfato de sódio, sorbato de sódio, cloreto de sódio e glutamato
monossódico, usados para estabilizar a textura do alimento e prolongar a sua
vida útil. Ao leite UHT integral são adicionados três aditivos à base de sódio:
monofosfato, difosfato, trifosfato de sódio, que funcionam como estabilizantes
para evitar a sedimentação do produto. O acréscimo de sal no preparo de uma
refeição com leite, portanto, é mais um excesso que o organismo recebe.
Excessos também ocorrem com a sacarose (açúcar) ou similar que consta na
composição de diferentes produtos. Os mais comuns são a maltodextrina,
produzida a partir de hidrólise (quebra de moléculas) de amido de milho, que
tem rápida absorção pelo organismo humano, contribuindo para um aumento de insulina
na corrente sanguínea, e os flavorizantes os quais dão sabor doce a produtos
lácteos para crianças, criando-lhes o hábito de consumir alimentos doces. O
suco industrializado contém açúcar e maltodextrina ao mesmo tempo, além da
frutose, o açúcar próprio da fruta.
A indústria alimentícia tem criado cada vez mais a ilusão de
variedade. Desse modo, acaba-se comendo o mesmo alimento com a impressão de que
se está variando as refeições ou fazendo uma escolha personalizada. Os
produtores, para entregar ao comércio bandejas com várias unidades de coxas ou
miúdos de frango precisam criar mais e em menos tempo. O que é cômodo para o
consumidor no balcão frigorífico do supermercado faz parte de uma cadeia
complexa que tem de ser altamente produtiva. A alta taxa de produção poderia
alimentar a todos. Infelizmente não é o que ocorre. O desperdício de alimento
industrializado no Brasil é da ordem de 30%, segundo dados do IBGE.
No processo de embalagem a vácuo, estão associadas a
praticidade para o consumidor, a conservação do alimento e a rentabilidade para
o produtor. O empacotamento a vácuo estende a vida útil dos produtos em uma
quantidade de tempo de 3 a 5 vezes maior que o normal, mas para que isso
aconteça é necessário que os produtos sejam mantidos congelados. Desse modo,
mesmo alimentos perecíveis podem ser estocados em maior quantidade. Uma
praticidade leva à outra. As carnes congeladas tendem a se tornar menos tenras,
pois o congelamento enrijece as suas fibras. A praticidade do congelado leva à
praticidade do amaciante artificial. O processo de embalagem é essencial para os
produtos alimentícios processados e fracionados. A vantagem propalada das
embalagens é a eliminação de intoxicação alimentar. Ironicamente o produto pode
já vir contaminado da produção e ao ser embalado no processo a vácuo poderá
absorver ainda resíduos tóxicos plásticos no processo de selagem do invólucro,
que é por meio de aquecimento. O produto embalado a vácuo fica com o componente
químico da embalagem mais próximo do alimento, quase aderindo a ele.
Os aspectos revelados sobre o conteúdo dos alimentos
industrializados podem receber a justificativa do beneficiamento, da
conservação, qualidade e diversificação, mas os casos de fraude escapam
totalmente a essa justificativa. Manipulações grosseiras são ocultas nas perfeições
das embalagens. O leite de vaca está entre os produtos mais adulterados no
mundo, segundo estudo publicado no Journal of Food Protection. E há mais
adulterações: carne de cavalo acrescentada à carne bovina moída, carne bovina
misturada com carne de outras espécies, proteína de soja ou vísceras, frutos do
mar vendidos como sendo de algumas espécies, mas pertencendo a outras, xarope
de milho diluído em mel; sumo de fruta comercializado como cem por cento de
polpa com acréscimo de água, açúcar; água, ureia e detergente adicionados a
produtos lácteos. Estudos compilados por pesquisadores da Food ChainID apontam
outra lista extensa de produtos: azeite de oliva extra virgem, condimentos
(pimenta em pó, pó de cúrcuma, açafrão) com corantes artificiais, folhas,
cascas e farinha de milho, leite de vaca em pó, vodka, manteiga clarificada,
chamada ghee, suco de laranja, vinho, uísque, licor, carne de frango,
diferentes tipos de óleos vegetais.
Certamente nem todos os produtos são falsificados, mas a
falta de escrúpulos de empresas, com certificação de qualidade e licença para
comercializar, ao adulterarem e falsificarem produtos é vergonhosa e covarde,
pois o consumidor em geral não tem recursos técnicos para verificar a
autenticidade dos produtos. As fraudes se caracterizam, de acordo com os
pesquisadores, pela diluição ou substituição de ingredientes, sendo que 46% das
adulterações foram classificadas como potencialmente perigosas para a saúde
humana. Entre 34% e 60% dos produtos possuíam pelo menos uma adulteração.
Facilidade para os grandes empreendedores do ramo da alimentação é produzir
muito em menor tempo para obter grandes lucros, pois esses lucros suplantam com
folga os custos. Para isso, necessitam de demanda. A demanda, inclusive,
impulsiona a fraude. Quanto mais os produtos industrializados são procurados
por causa de sua praticidade, mais são alvos de fraudes.
O quadro geral da alimentação industrializada é preocupante
e não é ocultado. As informações estão nos veículos de comunicação (algumas
controladas ou atenuadas pelo filtro do patrocínio), as denúncias surgem
frequentemente. Por isso, o esforço dos produtores em oferecer alternativas,
divulgando e oferecendo o alimento integral, original natural. A situação é tão
ostensiva que mesmo pequenos produtores, em feiras locais, de produtos
orgânicos, precisam alardear em seus pregões que o que vendem é natural,
original. Pagamos cada vez mais caro pelo rótulo natural, original, tradicional
ou orgânico em produtos industrializados, pagando, ao mesmo tempo, pelo
beneficiamento e embalagem. Na comida congelada paga-se o preço do produto e do
gelo, na comida dita saudável, paga-se, muitas vezes, apenas a simulação. Há
cada vez mais facilidade na forma de pagar e os produtos estão cada vez mais
caros. Os preços e a dita qualidade são
claramente segmentados por classes. São barbaramente segmentados porque o que
se está demonstrando é que aqueles que não podem pagar mais podem se nutrir mal,
contaminar-se e adoecer. Isso é aceito como normal por alguns que podem
escolher consumir melhores produtos e por muitos que não têm escolha. Mesmo
pagando mais caro, é possível ser enganado pela simulação de produtos, como
falsos ovos caipiras, falsos pães integrais. Marina Colassanti é autora, numa
crônica, de uma frase muito apropriada para esse estado de conformação humana:
“Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia” (In: Eu sei, mas não devia...,
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29.10. 1972).
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