Isaac Warden Lewis*
O assassinato do
cidadão negro brasileiro, João Alberto
Silveira Freitas, no dia 19 de novembro de 2020, expõe, de maneira contundente,
a relação COLONIZADORES VERSUS PAÍSES COLONIZADOS, em especial, no Brasil. A
proclamação da independência (1822), a proclamação da abolição e a proclamação
da república (1889) não mudaram o estatuto de país colonizado da nação
brasileira. Isso porque o modo de produção de produtos agrícolas para
exportação continuou sendo o projeto produtivo da sociedade constituída de duas
classes: 1) a classe favorecida (cuja maioria é mameluca), encarregada de administrar e controlar o país como se fosse
uma simples feitoria, produzindo produtos agrícolas e minerais para atender a
demanda dos países colonizadores e 2) a classe desfavorecida, cuja maioria tem
sido obrigada a produzir sob regime de escravidão, de servidão e, agora,
“livremente” em favor das classes favorecidas nacionais colonizadas e das
classes privilegiadas colonizadoras dos grandes centros econômicos europeus e
dos Estados Unidos.
Na
independência, a terra usurpada dos índios pelos colonizadores portugueses não
foi devolvida aos nativos da terra. A exploração da mão de obra dos africanos
escravizados pela força e de seus descendentes não foi devidamente indenizada.
A reforma agrária para possibilitar o seu usufruto pela maioria da população nunca
foi realizada pelas classes favorecidas, que continuaram a aceitar como legais
os conteúdos da bula papal, das ordenações do reino português que consideravam
que a terra e o produto dela era monopólio de europeus e de luso-brasileiros.
Além disso, o sistema político, jurídico, militar e policial brasileiro
continuou perseguindo os nativos dos territórios invadidos da América, da
África e da Ásia, como atestam as invasões continuadas das terras indígenas,
quilombolas, sendo que os referidos invasores acabam adquirindo o direito à
posse dessas terras. Há poucos meses, indígenas e ribeirinhos, moradores na
margem do rio Abacaxis, em Borba, no Amazonas, foram assassinados pela polícia militar. Por
acaso, o governador, o secretário de segurança, os policiais foram punidos? O
estado indenizou as famílias das vítimas pela barbárie e violência cometidas
contra elas e suas comunidades? O sistema político, jurídico, militar e
policial (incluindo empresas de segurança particulares) age como força
mercenária e miliciana a serviço das classes favorecidas que, por sua vez, estão
a serviço das classes privilegiadas de países colonizadores.
A morte de João
Alberto Silveira Freitas, as mortes de favelados no Rio de Janeiro e em São
Paulo, de índios por policiais, o desrespeito aos direitos das mulheres e de
negros nos tribunais mostram que a cultura colonialista prevalece no estado burocrático de direito,
constituído para parecer uma “sociedade civilizada”. A educação dos
profissionais liberais realiza-se para que os egressos das escolas elementares
e superiores assumam cargos para atender as demandas do estado burocrático de
direito. Essa educação (com raras exceções) segue o modelo das escolas
jesuíticas e universitárias medievais (Coimbra e Salamanca) que formavam
letrados (médicos, advogados, engenheiros, policiais, militares, ministros,
políticos) para operacionalizar as leis pré-históricas e medievais contidas nas
bulas papais e nas Ordenações do reino português.
Por sua vez, que
setor da sociedade francesa a empresa Carrefour representa, de fato? Vale
lembrar que, na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), franceses combateram tanto
o fascismo (a Itália) quanto o nazismo (a Alemanha). Os empresários franceses não deveriam
desconhecer o nível inferior civilizatório do estado brasileiro, cujas
lideranças políticas e empresariais estão sempre propensas a atenderem os
interesses das classes privilegiadas de
países colonizadores e imperiais, perpetuando, desse modo, barbáries,
discriminações racial e de gênero contra os nativos de origem indígena e
africana. Afinal de contas, os colonizadores franceses invadiram os continentes
americanos, africanos e asiáticos adotando as mesmas barbáries e discriminações
contra os nativos desses continentes em nome da “civilização” e do
“cristianismo”, além de insinuar que estavam propagando os princípios de
“liberdade, igualdade e fraternidade”, elaborados pelos revolucionários
populares franceses de 1789. Também os empresários franceses sabem que países
colonizados, como o Brasil, não possuem burguesia como essa categoria social é
entendida na Europa. Esse país tem, na verdade, empreendedores emergentes que
se apresentam como burgueses, sem terem a noção de suas responsabilidades como
agentes sociais, fundadores de uma nação realmente burguesa. Classe média, por
isso, é uma categoria social inexistente, funcionários públicos se intitulam classe média. O alto número de supermercados de propriedade de
empresas estrangeiras, os quais comercializam os produtos agrícolas e
industriais na maioria das cidades brasileiras demonstra a incapacidade dos
empreendedores emergentes brasileiros para assumirem responsabilidade pelo controle
e administração da atividade comercial nacional. A atitude dos administradores
franceses em querer reparar o irreparável é até louvável, mas tal atitude seria
desnecessária se os empresários franceses (e outros estrangeiros, de modo geral),
agissem civilizadamente nos países colonizados, contrapondo-se às atitudes
colonialistas pré-históricas e medievais das classes favorecidas
luso-brasileiras. Há pouco, autoridades políticas francesas declararam que os
terroristas islâmicos eram bárbaros, desumanos e impiedosos. O que essas
autoridades teriam a declarar com relação aos colonizadores e colonos cristãos
franceses que invadiram territórios da América, da África e da Ásia, praticando
barbáries e genocídios?
Vale ressaltar
que nos países colonizadores (do século XVI ao XX), como o Reino Unido, a França
e os Estados Unidos da América (país frankenstein que adota política externa imperialista e
política interna colonizada), setores significativos da população têm
manifestado sua oposição a intervenções militares e empresariais
desonestas em países colonizados. Vale
lembrar que, desde a década de 1950, intelectuais e escritores franceses
apoiaram corajosamente as lutas anticoloniais realizadas pelos povos
americanos, africanos e asiáticos. Nos Estados Unidos, desde a década de 1960,
estudantes, professores e intelectuais norte-americanos têm-se manifestado
contra a política imperialista e armamentista de seu país.
O assassinato de
João Alberto é um episódio lamentável (no dizer do general Hamilton Mourão,
formado pela Academia Militar das Agulhas Negras e em academia norte-americana).
Na verdade, esse episódio é recorrente e conhecido por índios, negros, brancos,
mulatos, mamelucos e cafuzos despossuídos criminosamente pelos colonizadores portugueses
e seus descendentes luso-brasileiros. O episódio João Alberto acabou levando
parcela significativa da população brasileira às ruas para manifestar sua discordância
de práticas racistas, xenofóbicas e de gênero realizadas por setores políticos,
jurídicos, empresariais, militares, policiais, desmentindo as declarações do
general Hamilton Mourão e do capitão do mato Sérgio Camargo de que, no Brasil,
não há racismo, não há crimes ambientais, não há incompetência política e
administrativa. Esses senhores seriam capazes de dizer o que, no Brasil, não
foi importado? Afonso Henriques Lima Barreto, em seu romance “Triste fim de
Policarpo Quaresma”, criou um personagem que queria resgatar a cultura original
do Brasil. Efetivamente, somente os conhecimentos indígenas (inclusive, a
cultura do banho) são originais e foram desenvolvidos muito antes de os
europeus chegarem a esse país. Sabemos que, afora a cultura indígena, os mitos
gregos, os mitos romanos, os mitos hebraicos, os mitos europeus, os mitos
africanos, as igrejas evangélicas, o culto ao militarismo, a falsa política,
tudo isso e muito mais foram importados. Na França, os médicos que atendem
africanos, costumam humildemente ouvir e respeitar os conhecimentos dos xamãs
africanos antes de realizar procedimentos médicos em seus pacientes africanos.
No Brasil, os antropólogos brasileiros têm dialogado com os indígenas e quilombolas
sobre seus conhecimentos tradicionais.
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