segunda-feira, 2 de novembro de 2020

O FEMINICIDA

                                                                                                         Isaac Warden Lewis

Marcos Farias caminhava, com certa apreensão, pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro. Morava nessa cidade há três meses. Fugiu da Bahia, onde morava e se criara. Enquanto caminhava, lembrou-se do tempo em que ia, com seu pai, à igreja católica de sua cidade do interior. Lembrou-se do que ouvia na missa:

“Ave Maria, cheia de graça/Bendita sois vós entre as mulheres/Bendito seja o fruto de vosso ventre...”

“Aleluia, aleluia, aleluia/Aleluia, aleluia, aleluia/Aleluia, aleluia, aleluia...”

“Santa Maria, mãe de deus/Rogai por nós, pecadores/Agora e na hora da nossa morte, Amem”.

Marcos Farias não tinha certeza se essas eram as palavras que ouvia e não sabia o que tais palavras significavam. Ele continuou caminhando. Lembrou-se que seu pai deixou de frequentar a igreja católica e passou a frequentar uma igreja protestante, que todos chamavam de igreja dos crentes. Lembrou-se das histórias que o pastor contava:

“No início, havia  somente o caos. Então, deus resolveu criar o mundo e as coisas que há nele. Em seis dias, ele criou a Terra, o mar, o céu, as estrelas, o sol, a lua, as plantas, os animais e fez o homem a sua imagem. Ele gostou do que ele havia criado e resolveu descansar no sétimo dia. Percebeu que o homem parecia triste e solitário. Então, deus resolveu criar uma mulher para fazer companhia ao homem. Ele fez o homem dormir profundamente e retirou uma costela dele para fazer uma mulher. Quando o homem acordou, ele viu que deus havia lhe dado um presente. A mulher estava deitada ao seu lado. Deus disse ao homem que a mulher fora criada para lhe servir e lhe obedecer. O pastor dizia que essa era a história do nascimento do primeiro homem e da primeira mulher.

 

Marcos Farias nunca entendeu bem essa história, pois se tudo era caos, quem criou deus? Ele perguntou ao pai, que não soube lhe responder. Seu pai continuou a frequentar os cultos na igreja dos crentes e sempre o levava para ouvir aquelas histórias meio esquisitas.  Marcos Farias continuou caminhando. Lembrou-se de outra história relatada pelo pastor.  Nessa história, ele ficou sabendo que:

 “o nome do primeiro homem era Adão e o nome da primeira mulher era Eva. Adão e Eva viviam no melhor dos mundos possível. O mundo era um paraíso. Disse que deus havia falado para Adão viver à vontade e feliz nesse paraíso, porém proibiu ele de comer uma fruta de uma árvore. Disse que Adão e Eva e todos os seus descendentes seriam castigados severamente. O pastor disse que Adão era muito obediente, porém a Eva era diferente. Ela era curiosa, muito curiosa. Então, um dia, uma víbora, percebendo a fragilidade e a instabilidade da mulher e sabendo que deus não queria que o homem e a mulher comessem da fruta da macieira porque eles seriam tão inteligentes e autossuficientes como qualquer divindade, resolveu oferecer uma maçã à Eva, dizendo-lhe que ela teria mais poder do que deus e de qualquer homem. Curiosa, Eva comeu a maçã, gostou da fruta, ficou alegre e resolveu apanhar uma fruta para dá-la ao Adão. O primeiro homem era tão inocente que não percebeu que sua companheira fora enganada pela víbora astuciosa, então, ele comeu a maçã. Logo que deus tomou conhecimento da desobediência de Adão, expulsou ele e sua companheira do paraíso para que a humanidade sofresse para sempre sobre a face da Terra.  Por causa da mulher, o homem sofre até hoje”. 

Marcos Farias ficou com algumas dúvidas. Fez algumas perguntas ao pai: “Queria saber se alguma vez houve um paraíso em algum lugar da terra ou do céu? Também queria saber se alguma vez o homem foi um ser inocente? Por fim, queria saber se era verdade que os homens e as mulheres eram deuses pelo fato de Eva e Adão terem comido a fruta proibida?” Seu pai respondeu que não sabia as respostas para essas perguntas.

Marcos Farias continuou a caminhar e a pensar nas histórias que o pastor da igreja dos crentes contava. Começou a pensar se essas histórias eram verdadeiras ou eram invenções antigas para enganar crianças ingênuas, adultos ingênuos, homens ingênuos, mulheres ingênuas. Quem ganha com essas histórias? Os homens? Quem perde? As mulheres. Em todas as histórias contadas pelo pastor, deus conversa somente com os homens. Ele nunca se dirige às mulheres. Estranho, muito estranho! Será que julguei mal minha mulher? Marcos Farias lembrou-se que conhecia sua esposa desde que eram crianças. Brincaram juntos. Cresceram, começaram a namorar, casaram. Tiveram dois filhos. Há algum tempo, Margarida Moraes começou a querer sair com as amigas, ir a festas, parou de me obedecer, começou a discutir, ela só não me batia porque eu mostrava a ela que eu mandava em casa, que eu era o macho da casa e que ela tinha de me obedecer. Como Eva que se deixou influenciar pela víbora, ela começou a deixar-se influenciar pelas colegas de festas. Cada dia, cada noite, ela me irritava pelo prazer de me irritar. Lembrei-me de outra história contada na escola por uma professora que era crente. Ela não sabia ensinar português, matemática, história, geografia, ciências. Só gostava de contar ou ler histórias da bíblia. Essa professora contou a história de “Sansão e Dalila”. Ela relatou que:

“Sansão era um homem forte, bonito, bom, um grande guerreiro, um herói. Todas as mulheres gostavam dele. Quando seu país entrava em guerra com outros países, Sansão se destacava. Ele derrotava muitos inimigos. Dalila era uma moça muito bonita, astuta, uma víbora, que vivia em um país inimigo. Dalila gostava de Sansão. Ela começou a conversar com ele. Os inimigos convenceram Dalila a descobrir com Sansão o seu ponto fraco. Dalila, então, fingindo gostar muito de Sansão, perguntava a ele qual era o segredo de sua força, de sua virilidade. Sansão sempre dava uma resposta qualquer para Dalila. Ela, então, contava para os inimigos o segredo relatado por Sansão. Uma hora, Sansão dizia que seu segredo estava na sua lança. Os inimigos roubaram a lança de Sansão e atacaram seu país. Surpreendentemente, Sansão continuou com a mesma força e valentia sem a sua lança. Os inimigos ficaram com raiva de Dalila e ela ficou zangada com Sansão. Ela fez a paz com ele quando ele revelou que a sua força estava num bracelete que ele usava. Dalila foi correndo avisar aos inimigos que roubaram seu bracelete. Os inimigos invadiram o seu país e Sansão liderou seus companheiros, lutando como um leão. Os inimigos ficaram decepcionados com Dalila e ela ficou irritada com Sansão. Disse a ele que não gostava mais dele. Para não perder a bela Dalila, ele acabou revelando que sua força estava em seu cabelo que ele deixava crescer. À noite, quando Sansão foi dormir, Dalila cortou o seu cabelo e levou as mechas para mostrar aos inimigos. E disse-lhes que toda a força de Sansão estava em seus cabelos que, agora, pertenciam a ela. Os inimigos invadiram o país de Sansão. Ele e seus companheiros lutaram muito. Sansão foi perdendo sua força durante o combate e os inimigos dominaram o país. Essa desgraça ocorreu porque Sansão se deixou dominar por uma mulher”. 

Marcos Farias já havia ouvido essa história na igreja dos crentes, pareceu-lhe que a história contada pela professora era diferente da história contada pelo pastor. Ele ficou calado, não fez perguntas. Pareceu-lhe que a  professora  apreciava mais as proezas dos homens e menosprezava os esforços das mulheres. Pensou que fora injusto com Margarida. Ela queria se separar e ele não aceitava a separação.  Por que a matou covardemente com onze facadas? Agora os filhos não têm mãe nem pai. O que acontecerá agora? Marcos Farias pensou o que iria fazer:

“ Vou tentar chegar a Roraima ou ao Amapá. Vou atravessar a fronteira, vou trabalhar em algum garimpo. Não sei se vou voltar para Bahia algum dia. Não sei se verei meus filhos novamente. Vou com o Paulo. Ele também tem de fugir. Ele espancou a esposa. Quase a matou. Ela está internada. Somos dois covardes. A religião nos ensina coisas falsas e erradas sobre as mulheres. Os crentes são gentes ignorantes. Pobre Margarida! Me perdoe!”.

 

Manaus, outubro, 2020.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 





SENTIMENT OF PLANT

                                                                                                  Isaac Warden Lewis

 

To be like a plant that, living peaceful,

takes advantage of the elements

which are around it

It faces the inclemencies calmly.

It resists against parasites.

It shelters its guests.

It works to produce its own food.

It grows and multiplies itself,

providing, in this manner, benefices

to the earth and to life.

It bears flowers to gladden the world.

It yields fruits in order that other can gather them..

It produces shade for those who seek its protection.

It lives quietly

and lets others concern themselves with their living.

It irradiates, with its green colour, the calmness

and the placidity of a existence that is lived

without the afflictions that characterize animal life.

COSMIC HUMANITY

 Isaac Warden Lewis

 Originating from the comic dust,

Mankind is just a living being

That crawls upon the Earth.

He is hungry and thirsty.

He defecates and urinates.

He dresses and shelters himself.

He works and rests.

He loves and hates.

He laughs and cries.

He looks after his children.

He teaches his youth.

He takes care of his patients.

He buries his dead.

He looks forward to live among his fellows.

He searches explanations of the universe and life.

He invents and destroys things.

He succeeds and makes mistakes.

He improves his outcomes and corrects his mistakes.

He stores and renews knowledges in his brain.

He believes and doubts.

He thinks and dreams.

He hopes and fears.

He wishes to live forever.

He dies after becoming tired of all these things,

Returning do the cosmic dust

To feed minute living beings.