Isaac Warden Lewis
Falar
de racismo, preconceito, discriminação, intolerância religiosa em sociedades
colonizadas da Asia, África ou América implica compreender o processo de
construção ideológica realizada pelos colonizadores capitalistas e
imperialistas, no século XVI, os quais planejaram a invasão desses continentes
com o objetivo de explorar seus recursos naturais e humanos. Para isso, os
colonizadores preestabeleceram que esses continentes eram terras de ninguém e
que os povos, por ventura, existentes nelas, seriam animais inferiores,
destituídos de inteligência, naturalmente sujos e preguiçosos.
Os
europeus, seus descendentes (incluindo os mestiços), os nativos das terras
invadidas passaram a acreditar nas construções ideológicas das classes
capitalistas europeias. Escritores, como Luís de Camões (português) e José de
Alencar (brasileiro), em seus textos, enalteceram as ações selvagens e atitudes
hipócritas dos colonizadores e dos colonos portugueses nas terras invadidas e desqualificaram
as atitudes heróicas e dignas dos nativos dessas terras sem ressaltar que os
nativos foram covardemente submetidos às condições de vida e de trabalho
inferiores através da força das armas e de legislações escravocratas feudais
herdadas de sociedades escravagistas antigas, como a grega e a romana. Ainda na
contemporaneidade, políticos, juízes e advogados brasileiros referem-se às leis
gregas e romanas orgulhosamente como a fonte do direito português e brasileiro,
abstraindo o fato de que a sociedade brasileira nunca foi um império.
As
ordenações afonsinas (1446), manuelinas (1514) e filipinas (1603) continham
explicitamente discriminações negativas contra os índios, negros, judeus,
árabes, ciganos, ateus e a todas as religiões não católicas romanas. Essas
discriminações eram práticas institucionais do estado português e referendadas
pela Igreja Católica Apostólica Romana através de suas ordens e da Inquisição,
responsáveis pelo cumprimento das normas estabelecidas nas legislações do reino
português e nas bulas papais.
Em
consequência disso, todos os indivíduos pertencentes aos grupos discriminados
viviam na sociedade colonial como segregados e apartados, embora houvesse
indivíduos (judeus, negros, índios, mestiços) que se destacaram em cargos
importantes da administração colonial, como, por exemplo, Antônio Gonçalves
Dias (1823-1864), Cristovão Vieira, pai do padre Antônio Vieira (1608-1697). Em
Portugal, vários judeus exerceram atividades importantes na sociedade. Mesmo
assim, foram perseguidos, sofreram violências étnicas e expulsos a partir de
1497. Levaram seus conhecimentos, suas técnicas e capacidades produtivas e
financeiras para Inglaterra, Holanda e a outros países, contribuindo para o
desenvolvimento econômico, social, político e intelectual desses países. A
ideologia capitalista e colonialista do racismo, do preconceito, da
discriminação permeou todos os setores da sociedade colonial brasileira de tal
sorte que brancos discriminavam brancos, negros, índios e mestiços. Negros
discriminavam negros, brancos, índios e mestiços. Mestiços discriminavam mestiços,
brancos, negros e índios. Ìndios discriminavam índios, negros, brancos e
mestiços. Inúmeros/as escritores/ escritoras e ensaístas negros/as, índios/as, mestiços/as
têm analisado, em seus textos, as relações pessoais e interpessoais entre os vários
grupos étnicos das sociedades colonizadas ou têm explicitado as ações iníquas e
as atitudes hipócritas dos colonizadores e de seus descendentes tanto nos
continentes invadidos como nas metrópoles coloniais. A lista desses escritores
é longa: Maria Firmina dos Reis. Machado de Assis, Lima Barreto, Luiz Gama,
Abdias Nascimento, Frantz Fanon, Albert Memmi, Angela Davis, Bell Hooks, Kabengele
Munanga, Iray Carone, Maria Aparecida Silva Bento, Grada Kilomba, Djamila
Ribeiro. Patricia Hill Collins. Também escritores e ensaístas brancos têm
contribuído para a compreensão e o desvelamento do racismo, do preconceito
étnico e da intolerância religiosa tanto nos países colonizados quanto nos
países capitalistas ocidentais.
Outrossim,
desde o início da colonização europeia nos continentes da Ásia, África e
América, nativos desses territórios contradisseram as falsas opiniões de que
eram inferiores, preguiçosos e incapazes de raciocínio lógico e inteligente. No
Brasil, uma professora negra, Maria Firmina dos Reis (1822-1917), em seu
romance “Úrsula”, publicado em 1859, criou personagens negros que refletiam
sobre as selvagerias, as barbaridades, as iniquidades, as hipocrisias, as
falsidades e a desumanidade cristã dos traficantes, senhores e das senhoras de
escravos.
Em
síntese, o racismo, o preconceito étnico contra os/as outros/outras, a intolerância
religiosa constituíram e ainda constituem práticas sociais imperantes na
sociedade brasileira colonizada, uma vez
que os europeus e seus descendentes luso-brasileiros, de mentalidade feudal,
nunca refletiram que os nativos dos continentes não os convidaram para se
instalarem nos seus territórios e nem os africanos saíram da África voluntariamente
para serem explorados como escravos na América. No Brasil, as classes favorecidas
apresentam o país como uma democracia racial, isso porque suas legislações não
mencionam algum tipo de segregação ou de discriminação, porém suas instituições
(principalmente as jurídicas, militares e policiais) praticam ações semelhantes
às do sistema de apartheid que vigorou
na África do Sul de 1948 a 1994. Pode-se concluir, então, que o Brasil tem sido
um país de apartheid não declarado,
enquanto que a África do Sul foi um país de apartheid
declarado.
A melhor maneira de os povos colonizados
(brancos, negros, índios, mestiços) lutarem contra o racismo, o preconceito, a
intolerância religiosa é aprofundarem o conhecimento das práticas ideológicas
que orientaram e orientam a invasão dos continentes asiáticos, africanos e
americanos para a exploração de seus recursos naturais e humanos.