sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

ESCOLA SEM/COM PARTIDO

                                                                                            Isaac Warden Lewis

Escola sem partido? Não existe. Nunca existiu. Nunca existirá. Paradoxalmente, os principais defensores da escola sem partido são filiados a partidos. Partidos que defendem interesses hegemônicos dos capitalistas colonialistas dos países desenvolvidos, dos latifundiários, dos capitalistas emergentes e das classes favorecidas dos países colonizados. Partidos que defendem a monopolização da terra, das riquezas minerais e naturais por parte das classes empresariais privilegiadas internacionais e das classes favorecidas nacionais. Partidos coniventes com governos e classes privilegiadas e favorecidas que promovem a injustiça e a desigualdade social nos países colonizados. Partidos que apoiam violência institucional (jurídica e policial) contra homens, mulheres, jovens e crianças pertencentes às classes desfavorecidas; 
Os proponentes da escola sem partido retomam o partido de uma educação jesuítica, catequética (dominante no Brasil, do século XVI ao século XX) que ocultava dos alunos e da população, em geral, as descobertas científicas (Copérnico, Galileu), as discussões filosóficas (Descartes, Francis Bacon), teológicas (anglicanismo, luteranismo), educacionais (Rousseau, Condorcet) e políticas (Revolução Gloriosa, em 1688-1689, na InglateTrra, e Revolução francesa, em 1789), desenvolvidas na Europa a partir da Renascença.
Os partidos que defendem a escola sem partido ignoram ou fingem ignorar que educadores e políticos na Europa e nos Estados Unidos, ao reformarem ou ao criarem seus sistemas educacionais a partir do século XVIII, aboliram a escola confessional, estabeleceram a laicidade do ensino em suas escolas e universidades, com apoio de alunos, pais de alunos, professores e até de religiosos (católicos e protestantes). Isso explica o alto nível de desenvolvimento do sistema educacional desses países.
Em alguns países, houve retrocessos, falhas, rupturas, como na Itália, Alemanha, Espanha, Portugal, onde o fascismo, o nazismo, o franquismo, o salazarismo desestruturaram o desenvolvimento e as experiências educacionais voltadas para a formação plena de seus educandos. Nos Estados Unidos, apesar do esforço de vários educadores para o desenvolvimento de uma formação democrática e política de seus educandos com vistas a construção de uma sociedade democrática, estranhamente milhares de jovens com diplomas universitários tornaram-se pilotos encarregados de lançar bombas e outros artefatos letais sobre populações no Extremo Oriente e no Oriente Médio desde o início do século XX.
No Brasil, por conta da educação jesuítica e catequética de interesse dos colonizadores portugueses (1500-1822) e dos luso-brasileiros colonialistas (latifundiários, empresários, industriais emergentes e classes favorecidas) a partir da proclamação da independência de Portugal, predominou e ainda predomina a formação profissional, utilitária, voltada para o mercado nacional subserviente ao mercado internacional, atendendo principalmente as vaidades das classes emergentes (favorecidas e desfavorecidas), mais interessadas no status e privilégios pessoais do que no bem estar da maioria da população brasileira e sem compromisso com o desenvolvimento científico de sua área de estudo. Evidentemente que há profissionais de nível superior que constituem exceções em todas as áreas, tanto nas profissões liberais quanto nas militares.
Em geral, os proponentes da escola sem partido não estão preocupados em tomar partido em prol de uma educação de qualidade que possibilite aos educandos, em todos os níveis de escolaridade, não só o domínio do conhecimento científico de sua realidade natural, social e histórica como também a capacidade de ler e compreender criticamente textos que se referem a essa realidade.
 

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

SENTIMENTO DE PLANTA

                                                                                                    Isaac Warden Lewis

Ser como uma planta que, vivendo pacificamente,
tira proveito dos elementos naturais que a rodeiam.
Enfrenta as intempéries calmamente.
Resiste aos predadores.
Luta contra os parasitas.
Abriga os hóspedes.
Trabalha para produzir seu próprio alimento.
Cresce e multiplica-se,
trazendo, assim, benefícios à terra e à vida.
Produz flores para alegrar o mundo.
Produz frutos para que outros possam colhê-los.
Produz sombra para aqueles que procuram o seu abrigo.
Vive tranquilamente, deixando os outros viverem.
Irradia, com a sua cor verde,
a calma e a placidez de uma existência vivida
sem as angústias que caracterizam a vida animal.
E, quando chega a hora da morte, morre,
deixando o espaço vago para as outras plantas que virão,
além de humificar o solo,
tornando-o propício ao renascimento da vida.

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Do livro "Sentimento e consciência"  

sábado, 6 de outubro de 2018

RELIGIÃO VERSUS HUMANIDADE

                                                                                                         Isaac Warden Lewis

                           I
Onde há religião, há preconceito.
Onde há preconceito, há discriminação.
Onde há discriminação, há violência.
Onde há violência, há injustiça.
Onde há injustiça, há desigualdade.
 
Onde há desigualdade, há incompreensão.

Onde há incompreensão, há desumanidade.
 
                               II
Em não havendo religião, haverá consciência. 
Em não havendo preconceito, haverá tolerância.
Em não havendo discriminação, haverá compreensão.

Em não havendo violência, haverá justiça.

Em não havendo injustiça, haverá igualdade.

Em não havendo desigualdade, haverá solidariedade.
 
Em não havendo incompreensão, haverá humanidade.

domingo, 30 de setembro de 2018

A ÁRVORE

                                                                                                           Isaac Warden Lewis
Da semente enterrada na terra, surgiu uma plantinha tímida,
que, ao receber água e raios solares,
cresceu e se fortificou à medida que o tempo foi passando.
 
Depois de viver a sua infância e a sua juventude,
tornou-se uma árvore adulta, forte e frondosa,
dando frutos por muito tempo.
Com o passar dos anos, a árvore parou de desenvolver-se.
Suas folhas pararam de renovar-se.
E, logo, parou de dar frutos.
A árvore, então, vivia tranquila ao sabor do vento e do tempo.
Seus galhos foram-se enfraquecendo e, de vez em quando, caíam.
E, assim, ela foi-se desfolhando e se desgalhando.
A árvore, porém, permanecia de pé
e, ao redor dela, havia, agora, outras plantas
que haviam nascido das sementes de seus frutos.
A árvore mãe que, pouco a pouco, desaparecia do cenário da vida,
deixava a terra cheia de árvores-filhas e árvores-netas,
que, por sua vez, reciclariam a terra de vida.

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Do livro "Sentimento e Consciência"

domingo, 2 de setembro de 2018

A MORTE DA CIGARRA

                                                                                                        Isaac Warden Lewis

As formigas levavam a cigarra morta.
Chovia... Chorava a natureza.
Uma fonte de água cristalina se formara.
O dia despedia-se solenemente.
Era a cigarra mais cantadeira da floresta.
Seu canto era sonoro e sublime.
Encantava todos
que a ouviam naquelas paragens.

As árvores, silenciosas, pareciam tristes.
A chuva caía copiosamente.
A fonte murmurava um lamento.
As formigas, pesarosas, caminhavam.

Pobre cigarra!
Enquanto chorava toda a natureza.
Sua mãe e suas irmãs cantavam. ..
Cantavam um doloroso e saudoso adeus.
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Do livro "Sentimento e consciência".

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

O EGOÍSTA E O ALTRUÍSTA


                                                                                                  Isaac Warden Lewis
Você não está me compreendendo ou finge que não me compreende. A coisa é simples. Há dois tipos de indivíduos. Um que só pensa em si. Luta apenas pelos seus interesses. Empreende esforços para atender somente as suas aspirações e necessidades. E quando demonstra carinho e amizade por alguém é pensando exclusivamente em si. Se faz alguma coisa por alguém é com interesse de conseguir alguma coisa para si. É egoísta, insociável e individualista por opção.
Pelo seu sorriso, eu imagino que você esteja pensando em alguém, em especial. Possivelmente você está se analisando também. Mas eu ainda não terminei.
Pois bem, o outro tipo de indivíduo é o antípoda do que acabei de mencionar. Esse parece viver para o próximo. Parece que não pensa em si. Está sempre disposto a lutar pelos interesses alheios. Empreende qualquer esforço para atender as necessidades dos outros. Sempre demonstra lealdade e carinho aos seus amigos. É altruísta, sociável e até socialista por vocação.
Agora, você está sorrindo internamente. Você está se perguntando por que estou fazendo tal charada. Você está pensando que estou falando de nós dois, não é? Você está pensando nos vizinhos? Você está pensando em alguns dos nossos amigos?
Não fique assim tão pensativo. Eu  só estava refletindo sobre aqueles dois indivíduos – o gato e o cachorro.  
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Do livro “A ilha da Fantasia e outras histórias”

segunda-feira, 4 de junho de 2018

EDUCAÇÃO E COLONIZAÇÃO NO BRASIL

                                                                                             Isaac Warden Lewis
A ação educativa institucional, vinculada aos interesses hegemônicos de países colonizadores ocidentais,  começou no Brasil com a vinda das ordens religiosas católicas em 1549, tendo os jesuítas se sobressaído nessa ação. A preocupação dos jesuítas e de outras ordens religiosas era transmitir à população luso-brasileira, índia, mameluca, negra, mulata, parda, uma visão de cristianismo, bastante distorcida, apresentando essa visão como se fosse conhecimento essencial de que todo ser humano necessitava para se tornar um ser humano civilizado, quase europeu.
Em forma de catecismo, elaborado com perguntas e respostas para serem memorizadas, a população aprendia ideias distorcidas sobre o mundo, os animais, os seres humanos, a sociedade, as leis, as autoridades, as relações entre homens, entre homens e mulheres, entre adultos e crianças. Além do catecismo, a população devia aprender os conteúdos das leis elaboradas pelas autoridades portuguesas, como as leis manuelinas, joaninas, felipinas, para regular seu comportamento na sociedade colonial. Para que os estudantes pudessem entender as ideias distorcidas sobre o mundo, as coisas, os seres e os conteúdos das leis do reino, os padres ensinavam leitura, escrita e noções de matemática. Nas igrejas, os padres transmitiam aos adultos (a maioria era constituída de analfabetos) as interpretações também distorcidas sobre o mundo, as coisas, os seres e os conteúdos das leis produzidas pelas autoridades reinóis.
Garcilenil do Lago Silva registra que, em 1799, Sousa Coutinho, governador do Estado do Grão-Pará, ao elaborar “Regimento Provisional” para orientar a atividade dos docentes no referido estado, afirmou que a “principal obrigação dos professores era ensinar a mocidade a ler, escrever e contar”, porém “a mais principal” era: “a de imprimir nos tenros coraçoens  da Mocidade que se lhes confia a educar, os verdadeiros princípios da nossa religião Santa, e os da lialdade, obediência, e amor para com o Soberano, e a Pátria” (apud Silva, Educação na Amazônia Colonial, contribuição à história da educação brasileira, 1985, p. 111).
Do século XVI ao século XVIII, os padres procuraram manter a população brasileira ignorante a respeito dos conhecimentos científicos e das críticas negativas à cultura medievalista professada pela Igreja Católica Apostólica Romana, produzidos na Europa por cientistas, filósofos, estudiosos e escritores durante esse período.
A partir do século XVIII, conhecimentos científicos e críticas ao Catolicismo começaram a chegar ao Brasil, porém esses conhecimentos e essas críticas são assimilados muito superficial e distorcidamente porque os conteúdos do ensino religioso e dos códigos reinóis haviam penetrado profundamente na mente da população luso-brasileira, índia, negra, mameluca, mulata e cafuza por três séculos. Essa população tinha dificuldade de compreender profunda e criticamente os conhecimentos científicos e as questões religiosas desenvolvidos a partir da Renascença, de modo que ela não via necessidade de a educação mudar seus currículos e seus métodos.
Essa população aceitava a ação educativa institucional como um  bem  para conquista de status, para uma boa colocação e tinha dificuldade em perceber a prática educativa como esforço de construção e aprofundamento de conhecimentos sobre o mundo, sobre as coisas, os seres vivos, os seres humanos e a sociedade.
A partir do período imperial até o início do período republicano, as propostas de reforma acabaram sendo aplicadas pragmaticamente para manter a educação como privilégio de poucos, atendendo os interesses de empresários do ensino, que concebiam a educação como mercadoria, e os interesses das classes favorecidas que queriam manter a educação como protocolo para conquista de cargos privilegiados.
A partir de 1920, as propostas dos Pioneiros da Educação Nova, em favor da universalização do ensino, da socialização dos conhecimentos científicos, da educação pública e laica, possibilitaram a discussão ampla sobre a política educacional na sociedade brasileira, resultando em várias reformas e movimentos de educação e de cultura populares: ampliou-se o acesso da maioria das crianças às escolas,  redefiniram-se as práticas educativas e administrativas escolares,  criaram-se  universidades e institutos de pesquisa em todo o país, realizou-se alfabetização funcional e crítica de jovens e adultos, professores, estudantes, religiosos e trabalhadores conscientizaram-se de que a educação, em uma sociedade dividida em classes, deve ser sempre uma ação política para a transformação dessa sociedade  para torná-la autônoma, soberana, justa e igualitária.
Na década de 1960, movimentos de “eterno retorno”, ou seja, de garantia da manutenção da educação como doutrinação religiosa ou como comércio de ensino e do projeto de desenvolvimento econômico brasileiro, segundo os interesses de grupos capitalistas hegemônicos ocidentais, estabeleceram ditadura militar para assegurar esses movimentos e esse projeto.
Elenise Scherer, em seu livro Tempo de contra-reforma, argumenta que as reformas realizadas pelos setores privilegiados constituem, na verdade, contrarreformas. Para a autora: “A reestruturação do capitalismo, nos países da América Latina, configura-se por uma tendência avassaladora de remercantilizar os direitos sociais conquistados por meio de incessantes lutas, ao longo da história, pelas classes subalternas [...]” (2000, p. 17).
Os sucessivos governos militares garantiram  segurança para os investidores monopolistas internacionais e adequaram arbitrariamente a política educacional brasileira para esse projeto. Os governos militares reformaram o ensino em todos os seus níveis, tornando-o profissionalizante, preparando os educandos para o mercado de trabalho. Para isso, adotou-se uma política de expansão, privilegiando os grupos empresariais que investiam  no comércio do ensino através de financiamentos públicos e de financiamento de bolsas de estudos para que os estudantes pudessem manter os pagamentos das mensalidades das empresas de ensino.
Essa política educacional, que favoreceu a máxima quantidade de matrículas e a mínima qualidade das atividades de ensino e aprendizagem tanto nas escolas particulares quanto nas escolas públicas, coadunava-se com a prática educativa como instrumental e protocolar para que os educandos alcançassem um cargo no mercado de trabalho. Coadunava-se também com a prática educativa que se resumia em treinar os educandos para operar instrumentos, ferramentas, dispositivos produzidos nos países capitalistas hegemônicos. Coadunava-se também com a prática educativa que visou impedir que os educandos aprofundassem seus conhecimentos científicos e desenvolvessem uma consciência política de crítica à educação que lhes era oferecida e que compreendessem criticamente a sociedade em que viviam.
A política educacional profissionalizante e mercantilista, estabelecida pelos governos militares, a partir da década de 1960, e continuada pelos governos civis, a partir de 1985, encontrou dificuldade de se manter democraticamente porque, nas universidades, escolas, associações, e nos sindicatos, pesquisadores, professores, estudantes, trabalhadores, conscientizados de que a educação constitui uma ação política da luta de classes, desvelaram e desvelam continuamente os objetivos proclamados que atendem interesses de grupos econômicos privilegiados internacionais e de grupos favorecidos nacionais e, por isso, retomam a discussão em favor da universalização do ensino, da socialização dos conhecimentos científicos, da educação pública e laica e lutam cotidianamente por uma sociedade justa e igualitária e por uma educação de qualidade que permita aos educandos construírem seus conhecimentos criticamente.

 

 

 

segunda-feira, 2 de abril de 2018

LIVRE INICIATIVA


                                                                                                Isaac Warden Lewis
Roberto Cardoso começou a trabalhar quando ainda era criança. Para se sustentar, trabalhou em muitas empresas e fez todos os tipos de serviços, como de auxiliar de escritório, porteiro, faxineiro e escriturário. Com quase quarenta anos, decidiu que era preciso iniciar seu próprio negócio para viver uma vida mais folgada.
Com essa disposição, acordou, certo dia, com uma grande ideia. Pensou em vender os espinhos da árvore do tucumã como palitos de dentes. Decidiu colocar, então, uma média de duzentos espinhos numa caixinha fabricada numa gráfica de um amigo e oferecê-las a restaurantes, mercearias e supermercados pela metade do preço das caixas de palitos de madeira. Surpreendentemente, seu empreendimento obteve enorme sucesso no mercado e, logo, ele estava exportando caixas e mais caixas de espinhos para outras cidades.
Inicialmente, Roberto Cardoso colhia espinhos de tucumãzeiros silvestres. Depois, passou a plantar árvores de tucumãs em grandes porções de terras para ter a sua disposição, de maneira racional, espinhos suficientes para atender o mercado. Com essa medida, ele tornou-se um empresário vitorioso. Algum tempo depois, ele foi premiado como empresário do ano pela Associação Comercial de sua cidade.
Tendo-se tornado um exemplo de empreendedor bem sucedido, Roberto Cardoso começou a ser imitado por outras pessoas, que desejavam se tornar independentes economicamente. Logo, essas pessoas começaram a produzir caixinhas contendo em média trezentos espinhos e ofereceram-nas a restaurantes, mercearias e supermercados pela metade do preço que o Roberto Cardoso vendia suas caixinhas de espinhos.
A cada momento, surgiam dezenas de concorrentes que ofereciam caixinhas de espinhos a preços cada vez menores. Roberto Cardoso sentiu o peso da concorrência, mas teve a ideia de vender o seu produto ao mercado internacional. Confiou na globalização. Foi um sucesso. Por mais algum tempo, a sua empresa vendeu milhões de caixinhas de espinhos em toda a parte do mundo. Entretanto alguns países conseguiram importar sementes de tucumã e, logo, Roberto Cardoso viu diminuírem os pedidos de caixinhas de espinhos. É que esses países tornaram-se grandes produtores e exportadores de caixinhas de espinhos a preços bem abaixo do preço cobrado pela empresa de Roberto Cardoso. Era o resultado da globalização.
Dessa vez, ele viu a sua empresa falir definitivamente. Não havia mais compradores para as suas caixinhas de espinhos. As suas propriedades foram confiscadas para saldar as dívidas financeiras. Roberto Cardoso ficou pobre novamente. Devido a sua idade, cinquenta anos, não conseguiu qualquer emprego. Por isso, ele continua vendendo as suas caixinhas de espinhos. Nas ruas movimentadas da cidade, vários vendedores ambulantes tentam vender os seus produtos aos transeuntes. Numas dessas ruas, Roberto Cardoso possui uma mesinha portátil na qual ele coloca algumas caixinhas de espinhos para vender aos pedestres que passam por ali. Ao lado dele, outro falido empresário de caixinhas de espinhos faz a mesma coisa. Ao lado deste último, outro falido empresário...
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Do livro “A ilha da Fantasia e outras histórias”

sexta-feira, 2 de março de 2018

A PEDAGOGIA DAS ESCOLAS ... DE SAMBA*

                                                                                                                   Isaac Warden Lewis

Os desfiles das escolas de samba, no Rio de Janeiro, vêm se constituindo em verdadeiras obras de arte. E como toda obra de arte, os desfiles das escolas de samba são também educativos. Por isso os enredos dessas escolas devem não somente ser apreciados, mas também analisados criticamente.
Os desfiles das escolas de samba proporcionam aos espectadores e aos telespectadores uma oportunidade para apreender um fato da história e/ou da sociedade brasileira. E como ato educativo, refletem uma concepção pedagógica que pode praticar a educação a favor de uma minoria privilegiada ou da maioria desfavorecida.
As concepções pedagógicas geralmente refletem as posições políticas dos trabalhadores e dos administradores escolares. Do mesmo modo, em sua prática avaliativa, os inspetores e os supervisores escolares não são neutros ou imparciais em relação à ideologia da classe privilegiada ou da utopia da classe desfavorecida.
Os primeiros sambistas foram perseguidos pela polícia, no Rio de Janeiro, no final do século XIX e início do século XX. Aos ouvidos europeizados da classe privilegiada, de então, o samba era uma música exótica, africana, que não somente ameaçava o domínio das músicas eruditas europeias, como também agradava muito mais às camadas populares da sociedade.
Apesar da perseguição, o samba tornou-se a música popular brasileira, por excelência. Tornou-se não somente a música da diversão, da festa, mas também a música do protesto, da resistência, das camadas mais perseguidas e exploradas da sociedade. Talvez, por isso, os temas dos desfiles das escolas de samba tenham sido censurados, ao longo da História, principalmente, os temas que apresentavam o sofrimento e a exploração do trabalho do negro brasileiro ou que exaltavam os líderes e mártires negros.
Por muito tempo, as escolas de samba fizeram desfilar na avenida negros fantasiados de reis, imperadores, barões ou condes e negras fantasiadas de madames, condessas, baronesas ou princesas. Personagens que nada têm a ver com as lutas e os interesses maiores dos africanos negros, nascidos no Brasil.
O desfile da Vila Isabel, em 1988, foi, portanto, uma verdadeira revolução, quando apresentou um tema crítico sobre a luta da resistência negra no Brasil: “Kizomba, festa da raça”, cantando os heróis e guerreiros negros, como Zumbi dos Palmares e as heroínas negras como Anastácia e Clementina de Jesus, além de ressaltar a contribuição cultural negra na sociedade brasileira.
Valeu Zumbi/O grito forte dos Palmares (...) Zumbi valeu/Hoje a Vila é Kizomba/É batuque, canto e dança/Jongo e Maracatu/Vem menininha pra dançar caxambu/Ôôôô negra mina/Anastácia não se deixou escravizar/Ôôôô Clementina/O pagode é o partido popular.(1)
Também em 1988. A Beija-Flor, com o tema: “Sou negro, do Egito à Liberdade”, procurou resgatar a cultura negra, denunciando, ao mesmo tempo, as injustiças sociais sofridas pela coletividade negra na sociedade brasileira:
Eu sou negro, e hoje enfrento a realidade/E abraçado à Beija-Flor, meu amor/Reclamo a verdadeira liberdade (...) Liberdade raiou, mas a igualdade não, não, não, não.(2)
Os desfiles das escolas de samba do primeiro grupo, no Rio de Janeiro, em 1989, refletiram bem as concepções políticas e ideológicas dos trabalhadores e administradores das escolas de samba (carnavalescos e presidentes) e dos inspetores e supervisores (julgadores dos desfiles).
Enquanto alguns trabalhadores, administradores e julgadores entendiam que as escolas de samba deviam apresentar tema que refletisse sobre a realidade sentida e sofrida pela maioria do povo brasileiro, outros entendiam que as escolas de samba deviam, em seu enredo, divertir, distrair o público, desviá-lo da sua realidade.
A Imperatriz Leopoldinense, a primeira colocada, no desfile do ano de 1989, apresentou o enredo “Liberdade! Liberdade! Abras as asas sobre nós”, tratando acontecimentos da História do Brasil ingênua e superficialmente. Reviveu ainda negros fantasiados de duques e barões e negras fantasiadas de madames e princesas:    
Da guerra nunca mais/Esqueceremos do patrono, o duque imortal/A imigração floriu de cultura o Brasil/A música encanta e o povo canta assim (...)Pra Isabel, a heroína, que assinou a lei divina/Negro dançou/comemorou o fim da sina/Na noite quinze reluzente/Com a bravura, finalmente/O marechal que proclamou/Foi presidente.(3)  
A Beija-Flor, a segunda colocada, apresentou o tema “Ratos e Urubus...larguem a minha fantasia”, revolucionando a concepção de desfile das escolas de samba, ao proclamar a dialética entre a fantasia e a realidade, entre o lixo e o luxo, entre o sagrado e o profano:
Reluziu...É ouro ou lata/Formou a grande confusão/Qual areia na farofa/E o luxo e a pobreza/No meu mundo de ilusão.
Xepa de lá pra cá xepei/Sou na vida um mendigo/Da folia eu sou rei.
Sai do lixo a nobreza/Euforia que consome/Se ficar o rato pega/Se cair urubu come...(4).
A União da Ilha, a terceira colocada, apresentou o enredo “Festa Profana”, em que contou e cantou a história do carnaval, sem preocupaçôes maiores, a não ser a de promover diversão para os brincantes e para o público:
O rei mandô/Cair dentro da folia/Eh! Lá vou eu/O sol que brilha nessa noite vem da Ilha/Lindo sonho que é só meu (...) Eu vou tomar um porre de felicidade/Vou sacudir, eu vou zoar toda a cidade (5).
A Vila Isabel, a quarta colocada, apresentou o tema: “Direiro é direito”, tratando e retratando questões que precisam ser lembradas aos brasileiros todos os dias do ano, inclusive nos dias de carnaval, tais como: liberdade, igualdade, saúde, educação e moradia. Nem por isso a Vila Isabel deixou de fazer carnaval:
É hora da verdade/A liberdade ainda não raiou/Queremos o direito de igualdade.
Viver com dignidade/Não representa favor.../A Declaração Universal/Não é um sonho, temos que fazer cumprir/A justiça é cega mas enxerga quando quer...
Clareou/Despertou o amor que é fonte da vida/Vamos dar as mãos e lutar/Sempre de cabeça erguida...(6).
Pela ordem das colocações das escolas de samba, podemos dizer que as escolas classificadas em primeiro e terceiro lugares refletem a concepção tradicional e conservadora de alguns julgadores e o segundo e quarto lugares refletem a posição mais afinada e comprometida com os interesses populares de outros julgadores.
Contudo o grande juiz e educador é ainda o povo que, na hora da verdade, transforma o luxo em lixo e o lixo em luxo.
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1 – Kizomba, festa da raça, de Rodolpho, Jonas e Luiz Carlos da Vila/2 – Sou negro, do Egito à Liberdade, de Ivancué, Cláudio Inspiração, Marcelo Guimarães e Aloísio Santos/3 – Liberdade! Liberdade! Abra as asas sobre nós, de Niltinho Tristeza, Preto Joia, Vicentinho e Jurandir/4 – Ratos e urubus... larguem minha fantasia, de Betinho, Glyvaldo, Zé Maria e Osmar/5 ´Festa Profana, J. Brito e Bujão/6 – Direito é direito, de Jorge King, Serginho Tonelada, Fernando Partideiro, Zé Antônio e J. C. Couto.

·         Do livro “Educação ou desvelamento".

sábado, 20 de janeiro de 2018

A VIDA E A REALIDADE


                                                                                  Isaac Warden lewis
Eu sou sua realidade
Você é minha realidade. 
Eu sou o outro para você.
Você é o outro para mim.
                                   Meu mundo é também seu mundo.
                                   Seu mundo é também meu mundo.

                                   Minha vida se ampara na sua vida.
                                   Sua vida se ampara na minha vida.

                                   Minha doença pode ser sua doença.
                                   Sua doença pode ser minha doença.

                                   Minha morte é parte da sua morte.
                                   Sua morte é parte da minha morte.

                                   Minha história é parte da sua história.
                                   Sua história é parte da minha história.

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Do livro “Um pássaro que canta