Isaac Warden Lewis
Há estudiosos que
afirmam que as crises possibilitam aos cidadãos desenvolverem sua criatividade.
Se há crise no Brasil, é preciso saber que criatividade está sendo desenvolvida
pelos cidadãos que deveriam contribuir para que a grande maioria da população
possa desenvolver sua criatividade, para não falar do desenvolvimento de sua
inteligência.
No momento presente, é
difícil entendermos o que significam alguns termos usados por cidadãos de
vários setores da sociedade, inclusive intelectuais e profissionais liberais
que são remunerados, em tese, para contribuir para o esclarecimento de todos os
setores da sociedade. Por exemplo: Constituição, direitos constitucionais,
liberdade, democracia, liberdades democráticas, bem do Brasil, república, bem
da república, sigilo, presunção de inocência, estado de direito etc.
Nunca ouvi tanta
manifestação a favor desses termos e conceitos por profissionais que dizem
serem formados para garantir os direitos constitucionais e as liberdades
individuais de todos os cidadãos brasileiros. Isso me faz lembrar pessoas
presas ou sequestradas arbitrariamente pela polícia nas favelas, invasões de
domicílios de trabalhadores nas favelas, escutas telefônicas realizadas nos
telefones dos moradores da favela, moradores presos por cumprimentarem ou
falarem ao telefone com pessoas supostamente ligadas ao crime. Nunca ouvi
clamor de tais profissionais em favor dos direitos e garantias constitucionais,
das liberdades democráticas e individuais contra tais arbitrariedades. São raros
os profissionais liberais e intelectuais que ousam manifestar seu pensamento
contra essas arbitrariedades.
O que gostaríamos de
saber e pensamos que temos o direito de saber numa república, segundo a
Constituição, é quem se beneficia ou se beneficiou com os desvios de dinheiro
público. Se a polícia divulga quem se beneficia ou se beneficiou com o tráfico
de drogas na favela, por que não se há de divulgar quem se beneficia ou se
beneficiou pessoalmente ou através de partidos políticos do desvio de dinheiro
de uma empresa estatal? Por que um presidente de uma comunidade favelada é
condenado por possibilitar que indivíduos comercializassem drogas em sua
comunidade e por que um administrador público não deve ser condenado por
indicar e nomear indivíduos para desviar recursos enormes de empresas públicas?
Se um suposto ou pressuposto bandido pode ser vigiado, preso, por que um
funcionário ou um administrador público não pode ser vigiado, preso, como
qualquer outro cidadão supostamente suspeito? Por que foro privilegiado para um
bandido que desviou ou permite desvio de milhões e até de bilhões de reais ou
de dólares de uma empresa pública? Afinal de contas, a Constituição qualifica
bandido como bandido ou não? Um administrador público que compra uma empresa
estrangeira, sangrando os recursos de uma empresa pública comete ou não
improbidade administrativa? Imaginem se um diretor de uma escola pública
resolve patrocinar um jogador de futebol falido em vez de utilizar os recursos
financeiros para consertar a quadra de esporte da escola para que os estudantes
possam praticar esporte? Esse administrador escolar comete ou não improbidade
administrativa? Esse administrador deve ser ou não punido pela Justiça de nosso
país? Ele deve devolver ou não o dinheiro investido no jogador de futebol
falido?
Por que um morador de
uma favela ou de Maricá ou um porteiro ou um pedreiro, por exemplo, não tem
direito a sigilo e um morador de um sítio ou de um condomínio no Guarujá deve
ter direito a sigilo? Por que este tem direito à presunção de inocência e aquele tem direito à presunção de culpa? Por que a Imprensa livre ou a Justiça imparcial
pode noticiar um suposto desvio de conduta de um morador da favela ou de
Maricá, de um pedreiro ou de um porteiro (segundo à ótica da polícia) e não
pode noticiar um desvio de conduta de um funcionário subordinado de uma empresa
estatal e dos administradores públicos que o indicaram e o nomearam? Preferimos
as Constituições da Tailândia e da China que, em tese, não permitem essa
tolerância, essa elasticidade de interpretações.
Que moral têm as
autoridades políticas desse país para pleitear uma posição no Conselho de
Segurança da ONU, se vigora um apartheid não declarado desde a proclamação do
descobrimento, da independência, da república?
Que imparcialidade
defendem os profissionais liberais e os intelectuais orgânicos que não consideram
o projeto de um partido político, supostamente de esquerda e socializante, que
adota as teorias e ações políticas de investidores internacionais, através do
FMI e do Banco Mundial, em vigor desde 1964? E que, politicamente, adota
medidas autocráticas utilizadas pelos senhores e senhoras escravagistas no
período colonial?
Afinal de contas, o
Brasil passou de colônia portuguesa a país imperial independente sob a direção
dos senhores e traficantes de escravos. Depois, passou de império à república
sob a direção de filhos, filhotes ou afilhados de senhores e traficantes de
escravos. Por isso, ao invés de falar em estado democrático de direito,
deveríamos falar de um estado burocrático de direito. Nesse caso, todas as
confusões e contradições dessa crise provocada por políticos esquerdizantes e
socializantes se explicam.
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