quinta-feira, 21 de julho de 2022

A FLECHA E A LANÇA EM PAÍSES COLONIZADOS

                                                                                                   Isaac Warden Lewis

 

O poeta norte-americano Henry Wadsworth Longfellow (1807-1882) escreveu o seguinte poema “The arrow and the song” (A flecha e a canção):

“Atirei uma flecha para o ar/Caiu na terra, Não sei onde;/Pois, tão rapidamente ela voou, a vista/Não pôde segui-la em seu vôo.

Assoviei uma canção para o ar,/ Ela caiu na terra. Não sei onde;/Pois, quem tem visão tão penetrante e forte/Que possa seguir o vôo de canção.

Muito, muito tempo depois em um carvalho/Encontrei a flecha, ainda inteira./E a canção, do início ao fim,/Achei novamente no coração de um amigo.”

Este poema revela um poeta romântico e idealista, o que explica seu poema não dar conta de que no mundo físico , real,  toda ação produz reação contrária igual à força dispendida, o que significa dizer que tudo que é lançado pelo homem retorna a ele de algum modo, independentemente de sua vontade. É verdade que se ele age bem sobre o mundo e os seres no mundo, ele colherá o bem que ele semeou. Por outro lado, se ele age mal sobre o mundo e os seres do mundo, ele estará produzindo males para todos os seres do mundo e também para si mesmo.  

No período colonial, os capitalistas do mundo ocidental estabeleceram que a terra e os produtos dela deveriam ser apropriados por capitalistas e, com isso, têm degenerado a vida sobre a terra para todos. Agora, querem investir na exploração do mundo extraterrestre para fazer a mesma coisa. No Brasil, os portugueses e os luso-brasileiros (classes favorecidas), vinculados aos interesses das classes privilegiadas do capitalismo ocidental, agiram com subserviência, apropriando-se violentamente de terras ocupadas milenarmente por indígenas, escravizaram nativos da América, África e Ásia, devastaram terras e seus produtos naturais para entregá-los ao capitalismo europeu e norte-americano. Inventaram um país semi-independente, mais burocrático do que democrático, para continuar a exploração da terra e a espoliação dos nativos americanos, africanos etc, através da criação de castas políticas, militares, policiais, jurídicas para legitimar a exploração e a espoliação referidas acima.

Os protocolonizadores luso-brasileiros têm dificuldades em entender as leis da natureza que punem os seres humanos que agem mal e estupidamente sobre o mundo e os seres que vivem nele. De qualquer modo, o poema The arrow and the song, de Longfellow, revela um poeta sensível com relação ao mundo em que ele vivia. Do mesmo modo, brasileiros como Bruno Pereira, o inglês Dominique Philips, o religioso Júlio Lancellotti, o ambientalista Leonard Boff têm cumprido o papel de nos alertar sobre os efeitos dos males sobre o mundo e os seres produzidos por seres humanos gananciosos. Desde o início da colonização portuguesa, nativos da América, África, Ásia criticaram e condenaram os crimes contra a sua humanidade produzidos pelos colonizadores europeus e norte-americanos. Os depoimentos de descendentes de luso-africanos têm mostrado que os colonizadores portugueses cometeram os mesmos crimes tanto na África como no Brasil. Por isso, a maioria das classes desfavorecidas brasileiras nada tem a comemorar nos duzentos anos da independência do Brasil de Portugal.

                          

    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 9 de julho de 2022

A MANSÃO

                                                                                                             Isaac Warden Lewis

 

A casa de Roberto Ferreira, mais conhecido como Beto Fera, localizava-se no final de uma longa rua, que subia até uma colina, em um bairro do Rio de Janeiro. Em cima da colina, destacava-se a casa de Beto Fera. Os vizinhos, em geral, trabalhadores pobres, que lutaram arduamente para construir suas casas para abrigar sua família e numerosa prole, chamavam a casa de Beto Fera de mansão. Ninguém conseguia explicar como essa casa, dentre tantas naquele bairro, naquela rua, merecera a distinção, dada pelos vizinhos e vizinhas. O curioso é que essa casa virou referência até para os comerciantes do bairro e de outros bairros adjacentes, pois quando um vizinho ia comprar mercadorias em uma loja que precisasse fazer a entrega das compras, o vendedor perguntava pelo nome da rua, o número da casa: O comprador respondia, com orgulho: “ rua Bela Vista, sem número”. O vendedor pedia, então, uma referência. O comprador respondia quase que invariavelmente: “”A minha casa é a antepenúltima antes da mansão do Beto Ferreira” ou “Minha casa fica ao lado da mansão do Beto Fera” e assim por diante.

Ninguém conseguira entender também porque aquela rua se chamava Bela Vista, dado que a rua não apresentava vista bela ou coisa parecida. Mais surpreendente era o nome específico da quadra de ruas daquele bairro. Geralmente os moradores acrescentavam que a rua Bela Vista ficava no “Jardim da Felicidade”. Que felicidade poderia haver naquele bairro?, se levarmos em consideração que aquele bairro era tranquilo antes da chegada dos portugueses no século XVI. Ali, viviam os índios Tupinambá, que foram massacrados pelas tropas de Mem de Sá, o qual viera da Bahia para combater os franceses que pretendiam fundar uma colônia francesa na Baía da Guanabara. Como os Tupinambá eram aliados dos franceses e odiavam os portugueses, eles se tornaram alvos preferenciais dos portugueses, os quais gostavam de descarregar suas armas de fogo contra índios que lutavam com arco e flecha. Isso é a história colonial.  Essa tradição covarde se perpetuou no Brasil república. As polícias, as forças armadas, sob o comando de oficiais luso-brasileiros, continuaram invadindo bairros pobres, operários, comunidades quilombolas e indígenas, descarregando suas armas de fogo, em nome da “ordem e progresso” contra populações desarmadas, com apoio de juízes, políticos e da lei republicana.

A população testemunhava esses fatos históricos que aconteciam como se fosse uma fatalidade, um destino, um fato natural ou normal. Um aviso ou alerta percorria a comunidade, informando que, naquele dia, haveria abordagem policial e todos os homens, todas as mulheres e crianças deveriam ficar alertas. Os moradores ficavam mais preocupados do que alertas. Às dez ou às onze horas, um carro com um oficial e alguns soldados montados em uma camionete, fortemente armados, ao lado de uma potente metralhadora, subia a rua em direção à colina. Meia hora depois, o veículo descia. A vida voltava ao normal. Não houve nenhuma abordagem. Era apenas uma visita de negócios entre os policiais e o Beto Fera em sua mansão. Os policiais foram visitá-lo para receber a propina que ele lhes devia. Beto Fera era conhecido como poderoso comerciante de drogas pelos policiais, juízes e outras autoridades políticas que permitiam o seu monopólio comercial e de tráfico de drogas naquela comunidade. O comunicado que circulara de manhã cedo na comunidade não fora endereçado aos pobres moradores e sim para o Beto Fera, que deveria ficar alerta para atender bem os policiais em sua missão pacificadora.

E, assim, por muitos anos, Beto Fera reinou em sua mansão, situado na rua Bela Vista, no Jardim da Felicidade e bairros adjacentes. Ele se tornou também uma espécie de delegado nessas comunidades. Ele não permitia roubos, assassinatos, crimes em sua jurisdição. Quando algum morador se sentia violentado por algum criminoso, ele se dirigia ao Beto Fera que mandava investigar a procedência do delito e punia severamente o causador do crime. Todo morador sabia, de antemão, que não adiantava se dirigir à delegacia de polícia do bairro, a qual, geralmente, ignorava as reclamações dos moradores pobres.

Um dia, os moradores foram surpreendidos com a morte de Beto Fera. Ao voltar para casa à tarde no dia anterior, um carro aproximou-se de seu carro e dois pistoleiros saíram e atiraram em Beto Fera, que não teve tempo de se defender. À noite, o corpo foi velado na mansão. Que mansão? Os moradores perceberam que as paredes da mansão não era embuçadas, assim como não eram as paredes internas, o piso era terra batida, os dois banheiros eram precários. A viúva, a segunda mulher de Beto Fera, declarou que ele pretendia terminar de fazer os acabamentos da casa. “Agora, não sei o que fazer. A primeira esposa me comunicou que quer vender a casa, alegando que tem direito ao espólio do ex-marido. Todo dinheiro que ele ganhou foi entregue aos policiais e juízes corruptos dessa cidade, embora a vizinhança imaginasse que vivíamos bem. Que vida miserável.. Essa mansão é tão precária quanto foi a vida de Beto Fera. Ele vivia com medo. Afinal, não sabemos se ele foi morto a mando de algum comparsa do crime ou de alguma autoridade policial”.

 

________________

Manaus, Maio de 2022.