quarta-feira, 30 de junho de 2021

A ILHA DAS ARANHAS

 

                                                                    Lucilene Gomes Lima 


Era uma vez uma ilha cujas condições geográficas possibilitavam que as aranhas fossem abundantes. Nessa ilha havia várias canoas motorizadas, várias motocicletas, alguns carros.

A ilha tinha algumas igrejas, um complexo turístico, um clube futebolístico, uma quadra esportiva, um hospital, algumas escolas. Porém, apesar de ter escolas, não tinha uma biblioteca. Nas casas dos habitantes da ilha também não havia livros, mas todas as casas tinham um aparelho de tv e quase todos os habitantes da ilha tinham um telefone celular. Os habitantes da ilha viviam praticamente da mesma forma que os animais que ali existiam. Comiam, bebiam, reproduziam-se e, principalmente, divertiam-se.

Os primeiros habitantes da ilha conheciam o lugar, os animais, as plantas, os lagos, os rios. Por muitos séculos, esses conhecimentos empíricos foram transmitidos a várias gerações. Mas, a nova geração de descendentes que agora se locomovia motorizadamente e utilizava aparelhos modernos para se distrair, desconhecia tudo isso. Não se dedicava em saber o nome dos peixes, dos pássaros, não conhecia as características e as propriedades das plantas. Esses novos descendentes não conheciam o trabalho artesanal, manual, viviam de eflúvios de fora, sem se preocuparem como se originava aquilo que absorviam, o que realmente era.

A ilha das aranhas, como os animais que lhe davam o nome, vivia somente para o interior de sua teia, recebia as coisas de fora, mas nada produzia para fora de sua teia. Era uma ilha no sentido estrito, isolada, cercada pelas águas.

Um dia, a ilha das aranhas foi inundada e submergiu. A sociedade que ali então vivia, sem raízes, solta no ar como as teias das aranhas, desapareceu sem deixar marcas, sem  dar contributo para a humanidade.


terça-feira, 15 de junho de 2021

IDENTIDADE SOCIAL E CULTURAL EM PAÍS COLONIZADO

                                                                                                                    Isaac Warden Lewis*

 

Vamos aceitar o desafio de intelectuais judeus e judias:“É preciso chamar as coisas pelo nome. É chegada a hora, de nós, intelectuais, livres pensadores judeus e judias progressistas, descendentes das maiores vítimas do regime nazista, posicionarmos, como atores sociais, diante do debate público,  sobre o atual momento nacional.. É perceptível que o governo encabeçado por Jair Bolsonaro tem forte inclinação nazista e fascista [....]”...

Desde a diáspora imposta à população judaica pelo imperador de Roma no ano 70 d. C., os judeus e as judias testemunharam o desenvolvimento de instituições e nações europeias que os marginalizaram, os discriminaram e os massacraram impiedosamente.  Tanto indivíduos quanto comunidades judaicas sofreram perseguições na maioria dos países ocidentais e naqueles que seguiram a cultura ocidental. Apesar disso, descobertas, conhecimentos científicos e filosóficos foram produzidos por judeus e judias. O desenvolvimento econômico das nações europeias contou com a participação de judeus, principalmente, na Holanda, Inglaterra, França. Esse desenvolvimento foi construído através da exploração de nativos de todas as partes do mundo, incluindo judeus operários ou camponeses por capitalistas europeus, norte-americanos com apoio incondicional de capitalistas judeus. Sabemos também que o regime nazista (regime pró-capitalista, diga-se de passagem) contou com apoio incondicional de judeus capitalistas. Passados mais de dois anos da eleição de Jair Bolsonaro, a hora de manifestação dos intelectuais judeus e judias do Brasil parece um pouco tardia, pois há mais de quinhentos anos que as classes privilegiadas portuguesas e as classes favorecidas luso-brasileiras administraram o território brasileiro, cometendo genocídios através de forças de segurança, exploração violenta dos nativos da América e da África, com apoio financeiro de capitalistas europeus e judeus. Por que os intelectuais judeus e judias demoraram a se manifestar? Entendemos essa demora por parte dos intelectuais luso-brasileiros como parte da hipocrisia cultural cultivada pelos descendentes das classes favorecidas desse país. O que explicaria a demora dos intelectuais judeus e judias “diante do atual momento nacional” que, afinal, não é tão atual? Além disso, os intelectuais judeus e judias deveriam saber que o governo encabeçado por Jair Bolsonaro não se orienta por ideias e princípios nazistas e fascistas.. Esses princípios surgiram, primeiramente, como reação à dominação imperialista, capitalista inglesa, francesa e norte-americana sobre todos os países e povos do mundo. O Brasil não possui e nunca possuiu uma burguesia moderna. Então, os políticos e as classes favorecidas nunca pensaram em reagir contra ou competir com os principais países capitalistas e imperialistas europeus ou norte-americanos. Todos os princípios ditos democráticos, socialistas, comunistas, nazistas ou fascistas sempre sofreram desvirtuamentos levianos no Brasil devido à pobreza intelectual de seus ideólogos. Talvez isso explique a participação e a colaboração de descendentes de judeus, africanos, japoneses, italianos e portugueses no governo de mentirinha chefiado por Jair Bolsonaro.

Se “é preciso chamar as coisas pelo nome”, deveremos chamar as ideias e os princípios confusos seguidos pelo presidente Bolsonaro, pelos militares, ministros, policiais e outros seguidores ignorantes que o apoiam de princípios terroristas, tais como os defendidos e praticados pelos grupos terroristas em várias partes do mundo, os quais cometeram e cometem crimes arbitrariamente em nome de preconceitos religiosos, surgidos na pré-história e ainda mantidos pelos semitas (árabes e judeus) e de seus vis interesses. O atentado sofrido por MalalaYousafzai no Paquistão em 9 de outubro de 2012 e o assassinato da vereadora Marielle Franco no Brasil no dia 14 de março de 2018 demonstram a pertinência dos nomes que devemos dar às ações praticadas pelo grupo político que dirige o país no momento atual. Esperamos que os descendentes das maiores vítimas do regime nazista sejam mais coerentes com a história de judeus e judias progressistas que lutaram e lutam coerentemente por uma sociedade justa para todos os seres humanos.

 

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segunda-feira, 14 de junho de 2021

O FIM DE UM CASAMENTO

                                                                                    Isaac Warden Lewis

I

Kátia Morais e Antônio Gaspar conheceram-seem um baile há doze anos... Eles gostavam de dançar nos finais de semana. Kátia Morais trabalhava como telefonista no setor de Cobrança de uma grande loja no Rio deJaneiro. AntônioGaspar era vendedor numa loja de móveis numa outra loja. Além de dançar, Kátia Morais apreciava as novelas e as fofocas soBre os atores e as atrizes dessas novelas.. Além de dançar, Antõnio Gaspar gostava de acompanhar os jogos de futebol de seu time preferido na televisão ou no estádio do Maracanã.  Kátia Morais e Antônio Gaspar moravam em um bairro da Baixada Fluminense. Estudaram até o ensino médio e começaram a trabalhar. Não aprenderam muita coisa na escola; Kátia Morais estudou o magistério em nível médio, porém parecia saber menos do que sua mâe quefizera somente o ensino primário. Tal como a mãe, Kátia Morais acreditava em forças místicas que governariam os destinos do universo, da sociedade e dos seres humanos. Ela sempre apelava para um ser divino para conseguir algum benefício ou para agradecer algum milagre ou para fazer alguma apelação. De modo geral, ela nunca refletira sobre essas palavras ou  as ideias que proferia automaticamente como costumava fazer a maioria das pessoas analfabetas ou ignorantes. Antônio Gaspar também parecia não ter aprendido muita coisa na escola. Ele gostava de passar várias horas com seus amigos, bebericando cerveja, conversando sobre o nada, a vida alheia ou os jogos do campeonato de futebol do Rio de Janeiro e do Brasil. Kátia Morais e Antônio Gaspar se correspondiam, nunca se preocuparam com os problemas políticos, sociais, econômicos da sociedade em que viviam. Não conheciam a verdadeira história do Brasil ou da religião que diziam professar..Diziam-se cristãos e nunca se perguntaram quem foi o indivíduo real chamado Jesus Cristo”. Tudo o que sabiam sobre tal personagem aprenderam nas conversas dos parentes e dos vizinhos que também falavam frases, como: “Se deus quiser, hoje não vai chover” ou “Graças a deus, meu filho ficou bom da tosse” ou “Meus deus, a polícia matou um menino na favela com sete tiros” e nunca se preocuparam para saber do que ou o que realmente estavam falando. Souberam que as autoridades policiais e políticas colonizadas declararam que a morte do menino fora uma fatalidade. Kátia Morais lembrou-se que sua avé morrera em uma clínica e ninguém nunca soube se ela foi realmente bem medicada ou se foi morta por negligência. Seus parentes louvavam os planos de saúde e de previdência de seus idosos, mas nunca tiveram acesso às dependências das clínicas e dos hospitais para obterem informações sobre o que os médicos e enfermeiros estavam realizando com seus pacientes. Estranharam as faturas que indicavam tratamentos clínicos e remédios receitados a sua avó. O diretor e dono da clínica informou aos parentes que sua avó fora bem tratada e que sua morte fora uma fatalidade. Kátia Morais começou a imaginar que o sistema educacional brasileiro (civil ou militar) formava “especialistas em fatalidades”.

Tal como os pais e vizinhos, descendentes de africanos, Kátia Morais e Antônio Gaspar acreditavam que o Brasil era um país democrático, mas nunca estudaram a origem da ideia de “democracia” ou sobre a história da revolução francesa ocorrida em 1789. Apesar dessa ignorância, consideravam-se felizes.. Acreditavam que poderiam continuar felizes, se casassem. Kátia Morais queria casar--se na igreja com véu e grinalda e convidar suas amigas. Antônio Gaspar queria fazer uma grande festa e convidar seus amigos para beberem livremente para comemorar o maior evento de sua vida.

 

II

 

Passaram-se dez anos de casados. Kátia Morais e Antônio Gaspar discutiram muito, fizeram a paz, xingaram-se mutuamente inúmeras vezes.. Ele a chamava de vadia, vagabunda, galinha, puta. Ela retrucava, dizia que ele era vagabundo, vadio, sem vergonha, filho da puta, machista e imprestável. Ele e ela sentiam profundamente os golpes dessas palavras de baixo calão, porém sobreviveram para celebrar os dez anos de casados do mesmo modo que outros casais da sociedade brasileira, tanto das classes desfavorecidas quanto os das classes favorecidas, tanto os das favelas quanto os dos ditos luxuosos condomínios das zonas privilegiadas... Afinal de contas, a educação brasileira, latifundiária e escravista, moldou todos os cidadãos nascidos numa sociedade colonizada que se jacta de ser ocidental, católica, cristã, civilizada, fundada segundo as normas medievais das Ordenações das cortes portuguesas do século XVI.

Três meses depois do grande evento da festa de dez anos de casados, Antônio Gaspar chegou em casa de madrugada. Bêbado, trôpego, dirigiu-se para o quarto para dormir. Nessa noite, a filha do casal, Catarina, não estava em casa. Ela fora dormir na casa da avó, que ficava numa outra rua do mesmo bairro. Kátia Morais decidiu entrar no quarto para xingar fundamente seu marido por chegar em casa de madrugada. Mal ela começara os xingamentos, ele sentou-se e pronunciou pouquíssimas e inéditas palavras que ela jamais ouvira dele:

- O que você quer, sua feia, horrorosa? Saia daqui, suma da minha frente”. Repetiu as palavras fatais: “Sua feia, horrorosa”.

Kátia Morais ficou chocada, atordoada.. Não conseguiu articular uma palavra para se defender ou atacar seu marido. De repente, ela começou a chorar, a gritar, a urrar horrivelmente, saiu do quarto do casal, entrou no quarto da filha, gritou desesperadamente, chorou, urrou por vários minutos e parecia que não iria parar nunca. Chorou e urrou até as seis horas da manhã. Em seu quarto, Antônio Gaspar não entendia o que estava acontecendo com a sua esposa e adormeceu como se não tivesse feito mal algum a sua mulher.. Por fim, Kátia Morais parou de chorar, levantou-se, dirigiu-se ao quarto do casal. Pegou suas roupas, colocou-as em uma sacola, dirigiu-se à porta, abriu-a, saiu de casa e nunca mais foi vista naquele bairro.

 

                                             F I M

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Maio de 2021