segunda-feira, 4 de junho de 2018

EDUCAÇÃO E COLONIZAÇÃO NO BRASIL

                                                                                             Isaac Warden Lewis
A ação educativa institucional, vinculada aos interesses hegemônicos de países colonizadores ocidentais,  começou no Brasil com a vinda das ordens religiosas católicas em 1549, tendo os jesuítas se sobressaído nessa ação. A preocupação dos jesuítas e de outras ordens religiosas era transmitir à população luso-brasileira, índia, mameluca, negra, mulata, parda, uma visão de cristianismo, bastante distorcida, apresentando essa visão como se fosse conhecimento essencial de que todo ser humano necessitava para se tornar um ser humano civilizado, quase europeu.
Em forma de catecismo, elaborado com perguntas e respostas para serem memorizadas, a população aprendia ideias distorcidas sobre o mundo, os animais, os seres humanos, a sociedade, as leis, as autoridades, as relações entre homens, entre homens e mulheres, entre adultos e crianças. Além do catecismo, a população devia aprender os conteúdos das leis elaboradas pelas autoridades portuguesas, como as leis manuelinas, joaninas, felipinas, para regular seu comportamento na sociedade colonial. Para que os estudantes pudessem entender as ideias distorcidas sobre o mundo, as coisas, os seres e os conteúdos das leis do reino, os padres ensinavam leitura, escrita e noções de matemática. Nas igrejas, os padres transmitiam aos adultos (a maioria era constituída de analfabetos) as interpretações também distorcidas sobre o mundo, as coisas, os seres e os conteúdos das leis produzidas pelas autoridades reinóis.
Garcilenil do Lago Silva registra que, em 1799, Sousa Coutinho, governador do Estado do Grão-Pará, ao elaborar “Regimento Provisional” para orientar a atividade dos docentes no referido estado, afirmou que a “principal obrigação dos professores era ensinar a mocidade a ler, escrever e contar”, porém “a mais principal” era: “a de imprimir nos tenros coraçoens  da Mocidade que se lhes confia a educar, os verdadeiros princípios da nossa religião Santa, e os da lialdade, obediência, e amor para com o Soberano, e a Pátria” (apud Silva, Educação na Amazônia Colonial, contribuição à história da educação brasileira, 1985, p. 111).
Do século XVI ao século XVIII, os padres procuraram manter a população brasileira ignorante a respeito dos conhecimentos científicos e das críticas negativas à cultura medievalista professada pela Igreja Católica Apostólica Romana, produzidos na Europa por cientistas, filósofos, estudiosos e escritores durante esse período.
A partir do século XVIII, conhecimentos científicos e críticas ao Catolicismo começaram a chegar ao Brasil, porém esses conhecimentos e essas críticas são assimilados muito superficial e distorcidamente porque os conteúdos do ensino religioso e dos códigos reinóis haviam penetrado profundamente na mente da população luso-brasileira, índia, negra, mameluca, mulata e cafuza por três séculos. Essa população tinha dificuldade de compreender profunda e criticamente os conhecimentos científicos e as questões religiosas desenvolvidos a partir da Renascença, de modo que ela não via necessidade de a educação mudar seus currículos e seus métodos.
Essa população aceitava a ação educativa institucional como um  bem  para conquista de status, para uma boa colocação e tinha dificuldade em perceber a prática educativa como esforço de construção e aprofundamento de conhecimentos sobre o mundo, sobre as coisas, os seres vivos, os seres humanos e a sociedade.
A partir do período imperial até o início do período republicano, as propostas de reforma acabaram sendo aplicadas pragmaticamente para manter a educação como privilégio de poucos, atendendo os interesses de empresários do ensino, que concebiam a educação como mercadoria, e os interesses das classes favorecidas que queriam manter a educação como protocolo para conquista de cargos privilegiados.
A partir de 1920, as propostas dos Pioneiros da Educação Nova, em favor da universalização do ensino, da socialização dos conhecimentos científicos, da educação pública e laica, possibilitaram a discussão ampla sobre a política educacional na sociedade brasileira, resultando em várias reformas e movimentos de educação e de cultura populares: ampliou-se o acesso da maioria das crianças às escolas,  redefiniram-se as práticas educativas e administrativas escolares,  criaram-se  universidades e institutos de pesquisa em todo o país, realizou-se alfabetização funcional e crítica de jovens e adultos, professores, estudantes, religiosos e trabalhadores conscientizaram-se de que a educação, em uma sociedade dividida em classes, deve ser sempre uma ação política para a transformação dessa sociedade  para torná-la autônoma, soberana, justa e igualitária.
Na década de 1960, movimentos de “eterno retorno”, ou seja, de garantia da manutenção da educação como doutrinação religiosa ou como comércio de ensino e do projeto de desenvolvimento econômico brasileiro, segundo os interesses de grupos capitalistas hegemônicos ocidentais, estabeleceram ditadura militar para assegurar esses movimentos e esse projeto.
Elenise Scherer, em seu livro Tempo de contra-reforma, argumenta que as reformas realizadas pelos setores privilegiados constituem, na verdade, contrarreformas. Para a autora: “A reestruturação do capitalismo, nos países da América Latina, configura-se por uma tendência avassaladora de remercantilizar os direitos sociais conquistados por meio de incessantes lutas, ao longo da história, pelas classes subalternas [...]” (2000, p. 17).
Os sucessivos governos militares garantiram  segurança para os investidores monopolistas internacionais e adequaram arbitrariamente a política educacional brasileira para esse projeto. Os governos militares reformaram o ensino em todos os seus níveis, tornando-o profissionalizante, preparando os educandos para o mercado de trabalho. Para isso, adotou-se uma política de expansão, privilegiando os grupos empresariais que investiam  no comércio do ensino através de financiamentos públicos e de financiamento de bolsas de estudos para que os estudantes pudessem manter os pagamentos das mensalidades das empresas de ensino.
Essa política educacional, que favoreceu a máxima quantidade de matrículas e a mínima qualidade das atividades de ensino e aprendizagem tanto nas escolas particulares quanto nas escolas públicas, coadunava-se com a prática educativa como instrumental e protocolar para que os educandos alcançassem um cargo no mercado de trabalho. Coadunava-se também com a prática educativa que se resumia em treinar os educandos para operar instrumentos, ferramentas, dispositivos produzidos nos países capitalistas hegemônicos. Coadunava-se também com a prática educativa que visou impedir que os educandos aprofundassem seus conhecimentos científicos e desenvolvessem uma consciência política de crítica à educação que lhes era oferecida e que compreendessem criticamente a sociedade em que viviam.
A política educacional profissionalizante e mercantilista, estabelecida pelos governos militares, a partir da década de 1960, e continuada pelos governos civis, a partir de 1985, encontrou dificuldade de se manter democraticamente porque, nas universidades, escolas, associações, e nos sindicatos, pesquisadores, professores, estudantes, trabalhadores, conscientizados de que a educação constitui uma ação política da luta de classes, desvelaram e desvelam continuamente os objetivos proclamados que atendem interesses de grupos econômicos privilegiados internacionais e de grupos favorecidos nacionais e, por isso, retomam a discussão em favor da universalização do ensino, da socialização dos conhecimentos científicos, da educação pública e laica e lutam cotidianamente por uma sociedade justa e igualitária e por uma educação de qualidade que permita aos educandos construírem seus conhecimentos criticamente.