A
ação educativa institucional, vinculada aos interesses hegemônicos de países
colonizadores ocidentais, começou no
Brasil com a vinda das ordens religiosas católicas em 1549, tendo os jesuítas
se sobressaído nessa ação. A preocupação dos jesuítas e de outras ordens
religiosas era transmitir à população luso-brasileira, índia, mameluca, negra,
mulata, parda, uma visão de cristianismo, bastante distorcida, apresentando
essa visão como se fosse conhecimento essencial de que todo ser humano
necessitava para se tornar um ser humano civilizado, quase europeu.
Em
forma de catecismo, elaborado com perguntas e respostas para serem memorizadas,
a população aprendia ideias distorcidas sobre o mundo, os animais, os seres
humanos, a sociedade, as leis, as autoridades, as relações entre homens, entre
homens e mulheres, entre adultos e crianças. Além do catecismo, a população
devia aprender os conteúdos das leis elaboradas pelas autoridades portuguesas,
como as leis manuelinas, joaninas, felipinas, para regular seu comportamento na
sociedade colonial. Para que os estudantes pudessem entender as ideias
distorcidas sobre o mundo, as coisas, os seres e os conteúdos das leis do
reino, os padres ensinavam leitura, escrita e noções de matemática. Nas
igrejas, os padres transmitiam aos adultos (a maioria era constituída de
analfabetos) as interpretações também distorcidas sobre o mundo, as coisas, os
seres e os conteúdos das leis produzidas pelas autoridades reinóis.
Garcilenil
do Lago Silva registra que, em 1799, Sousa Coutinho, governador do Estado do
Grão-Pará, ao elaborar “Regimento Provisional” para orientar a atividade dos
docentes no referido estado, afirmou que a “principal obrigação dos professores
era ensinar a mocidade a ler, escrever e contar”, porém “a mais principal” era:
“a de imprimir nos tenros coraçoens da
Mocidade que se lhes confia a educar, os verdadeiros princípios da nossa
religião Santa, e os da lialdade, obediência, e amor para com o Soberano, e a
Pátria” (apud Silva, Educação na
Amazônia Colonial, contribuição à história da educação brasileira, 1985, p.
111).
Do
século XVI ao século XVIII, os padres procuraram manter a população brasileira
ignorante a respeito dos conhecimentos científicos e das críticas negativas à
cultura medievalista professada pela Igreja Católica Apostólica Romana,
produzidos na Europa por cientistas, filósofos, estudiosos e escritores durante
esse período.
A
partir do século XVIII, conhecimentos científicos e críticas ao Catolicismo
começaram a chegar ao Brasil, porém esses conhecimentos e essas críticas são
assimilados muito superficial e distorcidamente porque os conteúdos do ensino
religioso e dos códigos reinóis haviam penetrado profundamente na mente da
população luso-brasileira, índia, negra, mameluca, mulata e cafuza por três
séculos. Essa população tinha dificuldade de compreender profunda e
criticamente os conhecimentos científicos e as questões religiosas
desenvolvidos a partir da Renascença, de modo que ela não via necessidade de a
educação mudar seus currículos e seus métodos.
Essa
população aceitava a ação educativa institucional como um bem
para conquista de status, para uma boa colocação e tinha dificuldade em
perceber a prática educativa como esforço de construção e aprofundamento de
conhecimentos sobre o mundo, sobre as coisas, os seres vivos, os seres humanos
e a sociedade.
A
partir do período imperial até o início do período republicano, as propostas de
reforma acabaram sendo aplicadas pragmaticamente para manter a educação como
privilégio de poucos, atendendo os interesses de empresários do ensino, que
concebiam a educação como mercadoria,
e os interesses das classes favorecidas que queriam manter a educação como protocolo para conquista de cargos
privilegiados.
A
partir de 1920, as propostas dos Pioneiros
da Educação Nova, em favor da universalização do ensino, da socialização
dos conhecimentos científicos, da educação pública e laica, possibilitaram a
discussão ampla sobre a política educacional na sociedade brasileira,
resultando em várias reformas e movimentos de educação e de cultura populares:
ampliou-se o acesso da maioria das crianças às escolas, redefiniram-se as práticas educativas e
administrativas escolares, criaram-se universidades e institutos de pesquisa em todo
o país, realizou-se alfabetização funcional e crítica de jovens e adultos,
professores, estudantes, religiosos e trabalhadores conscientizaram-se de que a
educação, em uma sociedade dividida em classes, deve ser sempre uma ação
política para a transformação dessa sociedade
para torná-la autônoma, soberana, justa e igualitária.
Na
década de 1960, movimentos de “eterno retorno”, ou seja, de garantia da
manutenção da educação como doutrinação
religiosa ou como comércio de ensino
e do projeto de desenvolvimento econômico brasileiro, segundo os interesses de
grupos capitalistas hegemônicos ocidentais, estabeleceram ditadura militar para
assegurar esses movimentos e esse projeto.
Elenise
Scherer, em seu livro Tempo de
contra-reforma, argumenta que as reformas realizadas pelos setores
privilegiados constituem, na verdade, contrarreformas. Para a autora: “A
reestruturação do capitalismo, nos países da América Latina, configura-se por
uma tendência avassaladora de remercantilizar os direitos sociais conquistados
por meio de incessantes lutas, ao longo da história, pelas classes subalternas
[...]” (2000, p. 17).
Os
sucessivos governos militares garantiram segurança para os investidores monopolistas
internacionais e adequaram arbitrariamente a política educacional brasileira
para esse projeto. Os governos militares reformaram o ensino em todos os seus
níveis, tornando-o profissionalizante, preparando os educandos para o mercado
de trabalho. Para isso, adotou-se uma política de expansão, privilegiando os
grupos empresariais que investiam no
comércio do ensino através de financiamentos públicos e de financiamento de
bolsas de estudos para que os estudantes pudessem manter os pagamentos das
mensalidades das empresas de ensino.
Essa
política educacional, que favoreceu a máxima quantidade de matrículas e a
mínima qualidade das atividades de ensino e aprendizagem tanto nas escolas
particulares quanto nas escolas públicas, coadunava-se com a prática educativa
como instrumental e protocolar para que os educandos alcançassem um cargo no
mercado de trabalho. Coadunava-se também com a prática educativa que se resumia
em treinar os educandos para operar instrumentos, ferramentas, dispositivos
produzidos nos países capitalistas hegemônicos. Coadunava-se também com a
prática educativa que visou impedir que os educandos aprofundassem seus
conhecimentos científicos e desenvolvessem uma consciência política de crítica
à educação que lhes era oferecida e que compreendessem criticamente a sociedade
em que viviam.
A
política educacional profissionalizante e mercantilista, estabelecida pelos
governos militares, a partir da década de 1960, e continuada pelos governos
civis, a partir de 1985, encontrou dificuldade de se manter democraticamente
porque, nas universidades, escolas, associações, e nos sindicatos, pesquisadores,
professores, estudantes, trabalhadores, conscientizados de que a educação
constitui uma ação política da luta de classes, desvelaram e desvelam
continuamente os objetivos proclamados que atendem interesses de grupos
econômicos privilegiados internacionais e de grupos favorecidos nacionais e,
por isso, retomam a discussão em favor da universalização do ensino, da
socialização dos conhecimentos científicos, da educação pública e laica e lutam
cotidianamente por uma sociedade justa e igualitária e por uma educação de
qualidade que permita aos educandos construírem seus conhecimentos
criticamente.