quarta-feira, 28 de junho de 2017

O MENINO QUE ERA VICIADO EM VIDEOGAMES


                                                                                      ISAAC WARDEN LEWIS
Num bairro de uma cidade moderna, vivia uma família constituída do pai, Coriolano; da mãe, Carolina, e de um menino, Paulino.
O menino vivia muito feliz com seus pais. Conversava, ria, chorava e se divertia como todos os meninos de sua cidade. Ele tinha um aparelho de televisão em seu quarto. Todos os dias, ele via seus programas favoritos. Tudo parecia ir muito bem para o Paulino.
Entretanto, um dia, seu pai lhe deu um aparelho de videogame. A partir de então, Paulino passou a viver em seu quarto. Saía somente para ir à escola. Brincava com o videogame de manhã à noite.
Desse modo, quase ninguém o via. Dona Carolina o via todos os dias. Ela lhe levava o café da manhã, as merendas, o almoço e a janta. De vez em quando, o Seu Coriolano costumava passar no quarto para brincar com o filho.
E, assim, passaram-se muitos dias, muitos meses, muitos anos. Paulino não deixava de brincar  com o videogame. Dona Carolina e o Seu Coriolano quase não falavam mais com ele. Por  isso, Dona Carolina e o Seu Coriolano não perceberam que o Paulino já não crescia há algum tempo. Também não perceberam que ele tinha desaprendido a falar, a expressar-se por meio das palavras como a maioria dos seres humanos. Além disso, Paulino deixou de relacionar-se normalmente com as pessoas do mundo real. Seu cérebro estava povoado de personagens e de suas ações nos jogos do vídeo. Dir-se-ia que Paulino estava-se tornando um daqueles personagens. Quando sua mãe falava com ele, Paulino resumia-se a grunhir um sim ou um não. Quando andava, ria ou gesticulava, parecia um boneco mecânico.
Também, na escola, Paulino comportava-se estranhamente. Entrava na sala de aula, não conversava com ninguém. Não entendia o que os professores lhe ensinavam. Não acompanhava as explicações que eram dadas em sala de aula. Como ele se comportava indiferente e passivamente a tudo o que ocorria a sua volta, os professores qualificaram o seu comportamento como exemplar. Daí, todos os anos, ele era promovido para a série seguinte. 
E, assim, foram-se passando os anos, sem que a família, os professores e os vizinhos se dessem conta do que estava realmente acontecendo com o menino.
Paulino, agora, estava-se tornando adolescente. Ocorreu ao Seu Coriolano fazer uma festa de aniversário para seu filho. No dia da festa, havia muitas pessoas e muitas crianças na casa do Paulino. Mais uma vez, ocorreu um fato estranho. Falava-se do aniversariante, comemorava-se seu aniversário, mas Paulino permanecia em seu quarto, brincando com seu videogame, indiferente a tudo e a todos.
Em face disso, o Seu Coriolano começou a perceber que alguma coisa estava errada. Deu-se conta de que aquele menino era um estranho em sua casa. Correu até o quarto do filho. Lá estava ele absorto, brincando com o videogame. Não ouvia nada e ninguém. Seu Coriolano compreendeu tudo imediatamente. Foi à cozinha rapidamente, pegou um machado e voltou ao quarto do menino. Desfechou vários golpes no aparelho de videogame. Choveram faíscas para todos os lados. Paulino levou um susto. Gritou por socorro, chorou, adoeceu, mas já está-se recuperando.
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Do livro, A ILHA DA FANTASIA E OUTRAS HISTÓRIAS 

 

sexta-feira, 2 de junho de 2017

BRASIL E SUA CULTURA POLÍTICA COLONIZADA


                                                                        Isaac Warden Lewis
O colonialismo, de modo geral, legou às populações dos territórios invadidos na Ásia, África e América ideias e práticas difíceis de serem abolidas, se essas populações não se derem conta de que tais ideias e práticas herdadas precisam ser radicalmente abolidas e superadas.
No cotidiano, podemos perceber que filhos e filhas de pais e mães mal educados também podem ser mal educados e eles e elas não se dão conta de que precisam abolir e superar radicalmente a educação, as atitudes, as visões de mundo herdadas de seus pais e avós.
Os colonizadores portugueses, por exemplo, aportaram em terras da Ásia, África e América, dizendo-se cristãos, civilizados e seres humanos superiores. Mas, no cotidiano, suas ideias de cristianismo eram distorcidas, enviesadas, nada tinham a ver com possíveis ideias pregadas por algum sujeito que, por acaso, tivesse vivido, em algum momento, na Palestina ou na Galileia. Em nome de deus, os colonizadores portugueses massacraram e escravizaram povos asiáticos, africanos e americanos. Muitos nativos desses continentes morreram graças às bactérias e aos vírus transportados por tais civilizados.
No Brasil, os colonizadores trouxeram leis, decretos, códigos que os beneficiavam e discriminavam negativamente as populações nativas. Desse modo, os invasores portugueses tornaram-se latifundiários, traficantes e senhores de escravos, governantes, enfim, os mandatários da colônia.
Para se protegerem de possíveis rebeliões das populações nativas, os colonizadores estabeleceram um sistema político, jurídico, militar e policial que conceituava os nativos como perigosos, preguiçosos e primitivos. Esse sistema tinha, portanto, funções pedagógicas: Estabelecia os direitos e privilégios dos colonizadores e os deveres dos colonizados através da violência.
Como coadjuvante do sistema político, jurídico, militar e policial, o sistema educacional preparava alguns estudantes (os filhos dos colonizadores) para estudos maiores, superiores, para terem acesso a cargos privilegiados, e instruía a maioria (os nativos) para os trabalhos produtivos ou artesanais.
Essa estrutura política vigorou na sociedade brasileira, no período colonial, privilegiando senhores de escravos, governantes, padres, políticos, funcionários públicos, juízes, policiais e agregados que, a serviço da metrópole portuguesa, cometiam abusos, arbitrariedades, ações corruptas sem serem jamais julgados ou condenados pelas leis, decretos e códigos do reino português.
No período imperial, a proclamação da independência não mudou a estrutura política vigente no período colonial porque a sociedade monárquica era estruturada e sustentada pelas mesmas classes favorecidas que sustentaram os reis e as cortes portuguesas durante o período colonial.
Para se manterem como classe favorecida, os traficantes e os senhores de escravos assumiram-se como feitores a serviço das classes privilegiadas inglesas que patrocinaram e apadrinharam a independência do Brasil de Portugal, apesar dos interesses conflitantes entre a sociedade agrária escravagista e atrasada dos senhores e traficantes de escravos e a sociedade que se afirmava industrial , moderna, capitalista e antiescravagista das classes privilegiadas inglesas.
Entretanto os mamelucos luso-brasileiros continuavam, em teoria, a se proclamarem europeus, civilizados e cristãos na época em que os europeus começavam a mudar sua compreensão sobre a escravização de seres humanos, a sua visão dos povos não europeus, além de questionarem os dogmas do catolicismo. Portugal, por exemplo, aboliu a escravidão em 1854, porém os lusodescendentes do Brasil (já independente), de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau aferravam-se às práticas escravagistas em seus territórios.
A elite brasileira e seus agregados proclamavam-se classe privilegiada, embora, política e economicamente, subordinassem seus interesses aos interesses das classes privilegiadas europeias. Essa elite brasileira não era, na verdade, uma classe privilegiada e sim uma classe favorecida. Essa dicotomia entre o que a elite política brasileira se proclamava e a sua realidade de subordinação a elites de países avançados explica as atitudes hipócritas, falsas, corruptas, conservadoras não só de políticos e empresários brasileiros, mas também das classes favorecidas de países que emergiram da condição de colônias na Ásia, África e na América (incluindo os Estados Unidos).
É por isso que as teorias e as práticas de políticos dos países periféricos são tão parecidas. Sua preocupação política fundamental é garantir condições de desenvolvimento, segundo os projetos políticos dos países desenvolvidos, permitindo aos empresários desses países o controle e a exploração dos recursos materiais e humanos de seus países periféricos, o que leva a se preocuparem em manter a ordem e o progresso nesses países.
Para execução dos projetos políticos mencionados acima, os políticos dos países periféricos que se tornaram repúblicas, através da instalação de estados burocráticos de direito, reconhecidos e apoiados por estados desenvolvidos – sedes das classes privilegiadas capitalistas internacionais – estabeleceram sistemas políticos, jurídicos, militares e policiais que mantêm privilégios e direitos para as classes favorecidas e negam esses privilégios e direitos para a maioria da população.
Tais sistemas permitem, na realidade, que os indivíduos das classes favorecidas cometam crimes impunemente. Não se constitui surpresa, portanto, que, entre os países mais corruptos do mundo, o Brasil esteja em quarto lugar, precedido pela Venezuela, Bolívia e o Tchad, segundo a pesquisa do Fórum Econômico Mundial.