sábado, 18 de janeiro de 2020

A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO E DA VIDA SUSTENTÁVEL NA AMAZÔNIA



                                                                                                        Isaac Warden Lewis

Quando os portugueses e espanhóis chegaram  na Amazônia a partir do século XVI, os nativos desse território já adotavam processos de produção e de manutenção de suas vidas de modo que a fauna, a flora, o solo e os recursos hídricos não se deteriorassem. Os europeus ignoraram a sabedoria dos nativos que viviam na região centenas e centenas de anos antes da chegada dos europeus. Os nativos da Amazônia sabiam que todos os elementos da floresta se relacionavam entre si de modo que qualquer alteração drástica em um elemento prejudicava drasticamente outro ou outros elementos que compunham a flora e a fauna da floresta. Na realidade, os nativos da América, África e Ásia sabiam que havia conexão entre o ar, a água, as plantas, os animais e os seres humanos muito antes de os ambientalistas europeus, norte-americanos ou japoneses fazerem tal descoberta a duras penas.
A população nativa, ao reagir à obrigação de atuar danosamente sobre os frutos da terra e sobre a própria terra como trabalhadores escravos, foi considerada preguiçosa pelos colonizadores, que pretendiam viver da escravização da população nativa sem trabalharem, eles, sim, preguiçosos e exploradores  de povos e de terras invadidas.
No século XVI, os reis ou as rainhas de Portugal, os funcionários e os letrados da corte portuguesa insistiram em afirmar hipocritamente que os nativos da América e da África eram preguiçosos, indolentes e selvagens com o objetivo de mascarar suas condições de espoliadores dos habitantes, exploradores das terras invadidas e sua tradicional preguiça em trabalharem para produzir suas próprias condições de vida.
Dessa forma, não nos surpreendemos que um juiz, um procurador, um ouvidor, um secretário de segurança um médico, um advogado, um político, um militar ou um policial da época contemporânea faça declarações preconceituosas contra os nativos da América ou da África e de seus descendentes, como, por exemplo: “Índio não gosta de trabalhar” ou “Negro não gosta de trabalhar”. Na verdade, esses profissionais  tentam mascarar e justificar os crimes perpetrados pelas classes favorecidas de Portugal (no período colonial) e do Brasil (latifundiários, traficantes, senhores e senhoras de escravos e os letrados que serviam os interesses das classes favorecidas) no período do império.
O que os jornais, revistas ou livros deveriam revelar é onde e como esses profissionais se formaram. Revelar as instituições educacionais (públicas, particulares ou militares) que formam profissionais liberais ou militares preconceituosos, racistas e ignorantes. Esses profissionais esquecem que,  no Brasil-Colônia e no Brasil-Império, a maioria dos índios, negros, mamelucos, mulatos, cafuzos não tinha acesso a conhecimentos científicos e os letrados e as classes favorecidas podiam expressar seus preconceitos como se fossem conhecimentos supostamente verdadeiros. Porém, no Brasil contemporâneo, os índios, os negros e os outros elementos das classes desfavorecidas estão reescrevendo a história do país, chamado Brasil, resgatando a sua história coletiva, refazendo a educação de seus filhos e aprofundando o entendimento da realidade natural e social em que vivem. Em suas comunidades, os filhos de índios e de negros podem aprender melhor do que nas escolas comprometidas com projetos de país colonizado, subordinado a países colonialistas. Um provérbio bantu ensina que: “Uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas”. Acrescentamos: Tanto para o bem, como para o mal.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

A VISÃO DE MUNDO NA ARTE

                                                                                                   Isaac Warden Lewis

O apego ao ritmo indica uma opção.
O ritmo é disciplina.
E disciplina é a ordem estabelecida.
A ordem estabelecida é um mundo dado.
É o mundo do homem que explora o homem.
E torna o homem uma coisa, uma mercadoria.

A defesa da pureza define uma escolha.
Tal pureza resulta da sublimação do social.
A sublimação do social é pura alienação.

A alienação é a negação do ser humano.
Nega que ele constrói o mundo,
construindo a si próprio.

A postulação transcendental resulta de uma reflexão.
Pretende ser pura abstração.
Mas abstração não existe sem o concreto humano.

O concreto humano é um ser da práxis.
O ser da práxis produz coisas
E produz ideias sobre as coisas
Através da linguagem e da arte.
A arte é pura mensagem.
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Do livro Sentimento e consciência.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

SONHO DE SER PÁSSARO


                                                               Isaac Warden Lewis
Eu gostaria de ser um pássaro
para voar a todo lugar com as minhas próprias asas,
ao invés de permanecer preso em um lugar.

Eu gostaria de ser um pássaro
para me alimentar do que encontrasse na terra,
ao invés de ser escravo para conseguir alguma coisa para comer.

Eu gostaria de ser um pássaro
para ser capaz de suportar sol e chuva,
ao invés de morar em um abrigo como um prisioneiro.

Eu gostaria de ser um pássaro
para ir e vir a qualquer hora,
sem me importar com o significado da palavra “liberdade”.

Eu gostaria de ser um pássaro
para fazer um ninho para os meus filhotes
com os materiais que encontrasse na natureza,
sem ter de pagar por eles.

Eu gostaria de ser um pássaro
para ser igual a todos os pássaros,
sem ser mais rico ou mais pobre do que eles.

Eu gostaria de ser um pássaro
para ter somente o que necessitasse,
ao invés de possuir coisas e mais coisas.

Eu gostaria de ser um pássaro
para viver uma vida fácil e simples,
ao invés de suportar a opressão
e a servidão da vida humana.
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Do livro "Sentimento e Consciência"

 

 

 

 

 

sábado, 11 de maio de 2019

O PASSEIO


                                                                            Lucilene Gomes Lima
Desde as seis horas da manhã, Ana corria de um lado para o outro, fazendo, às vezes, mais de uma coisa ao mesmo tempo. Dava banho nas crianças enquanto o arroz cozinhava. Não podendo conciliar as duas coisas, precisou sair correndo do banheiro ao sentir o cheiro do arroz queimando. Conseguiu recuperar ainda a metade, mas quando voltava ao banheiro para enxugar as crianças teve a surpresa de encontrá-las brincando no quintal, sujas.
Quando, finalmente, preparou toda a comida para o passeio e aprontou as crianças, sentou-se com a intenção de tomar o café da manhã. Deixou o café e o pão pela metade, pois o marido a chamava aos berros, indignado por ela ter esquecido de acordá-lo às oito horas. Ao vê-la a porta do quarto, ele despejou os costumeiros queixumes do fim de semana: tudo dependia dele; trabalhava a semana inteira para sustentar aquela família e a mulher não lhe demonstrava um mínimo de consideração, pelo menos, lembrando-se de acordá-lo a hora solicitada. Logo em seguida, ele se dirigiu à cozinha com o objetivo de saber se a comida para o passeio já estava pronta. Abriu as panelas e achou a quantidade de comida insuficiente. Após discutirem, Ana rendeu-se e colocou novamente as panelas no fogo para que, como insistia Jorge, “não ficassem morrendo de fome na metade do passeio”.
Para Jorge, passar a semana toda trabalhando era estafante. Assim, um passeio no domingo reconstituiria as forças e a disposição para enfrentar uma nova semana de trabalho. Já respirava um novo ar. O ambiente de trabalho e a semana atribulada ficavam para trás a cada quilômetro de estrada percorrido. Então, como de costume, começou a fazer um levantamento despreocupado das coisas que precisava para o passeio. Colocara as latas de cerveja na caixa de isopor, devidamente acondicionadas entre pedaços de gelo, estavam ali as suas chuteiras para a tradicional pelada no campinho improvisado do balneário, como também estavam seus óculos, sua sunga. Contudo, de repente, veio-lhe a sensação de ter esquecido algo. Mas o que havia esquecido? Lá estavam os potes de plástico com a comida, a churrasqueira, outras coisas miúdas. Restava  a possibilidade de ter esquecido alguma coisa em relação ao carro. Entretanto, lembrava-se de que havia verificado os pneus, colocado gasolina.
A certeza de que esquecera algo e a incerteza do que era começavam a perturbar a tranquilidade e o prazer do passeio. Subitamente, abriu a carteira na esperança de descobrir o que esquecera. Não faltava nada. Documentos do carro, documentos pessoais, tudo estava lá. Lembrou-se de olhar as crianças, no banco de trás do carro. Estavam sentadas e não parecia faltar nada do que geralmente precisavam levar para o passeio.
Não conseguindo certificar-se do que realmente estava faltando, e sempre incomodado por aquela sensação, canalizou seus aborrecimentos para a mulher. Se havia alguém culpado por aquela situação era a mulher. Ele tinha de arcar com todas as responsabilidades daquela família e a mulher não o ajudava. Ela deveria lembrar-lhe as coisas que era necessário trazer. Cabia-lhe ao menos essa responsabilidade. A culpa era de Ana. Ana...era isso o que estava faltando! Ao sair de casa, esquecera a mulher!

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

ESCOLA SEM/COM PARTIDO

                                                                                            Isaac Warden Lewis

Escola sem partido? Não existe. Nunca existiu. Nunca existirá. Paradoxalmente, os principais defensores da escola sem partido são filiados a partidos. Partidos que defendem interesses hegemônicos dos capitalistas colonialistas dos países desenvolvidos, dos latifundiários, dos capitalistas emergentes e das classes favorecidas dos países colonizados. Partidos que defendem a monopolização da terra, das riquezas minerais e naturais por parte das classes empresariais privilegiadas internacionais e das classes favorecidas nacionais. Partidos coniventes com governos e classes privilegiadas e favorecidas que promovem a injustiça e a desigualdade social nos países colonizados. Partidos que apoiam violência institucional (jurídica e policial) contra homens, mulheres, jovens e crianças pertencentes às classes desfavorecidas; 
Os proponentes da escola sem partido retomam o partido de uma educação jesuítica, catequética (dominante no Brasil, do século XVI ao século XX) que ocultava dos alunos e da população, em geral, as descobertas científicas (Copérnico, Galileu), as discussões filosóficas (Descartes, Francis Bacon), teológicas (anglicanismo, luteranismo), educacionais (Rousseau, Condorcet) e políticas (Revolução Gloriosa, em 1688-1689, na InglateTrra, e Revolução francesa, em 1789), desenvolvidas na Europa a partir da Renascença.
Os partidos que defendem a escola sem partido ignoram ou fingem ignorar que educadores e políticos na Europa e nos Estados Unidos, ao reformarem ou ao criarem seus sistemas educacionais a partir do século XVIII, aboliram a escola confessional, estabeleceram a laicidade do ensino em suas escolas e universidades, com apoio de alunos, pais de alunos, professores e até de religiosos (católicos e protestantes). Isso explica o alto nível de desenvolvimento do sistema educacional desses países.
Em alguns países, houve retrocessos, falhas, rupturas, como na Itália, Alemanha, Espanha, Portugal, onde o fascismo, o nazismo, o franquismo, o salazarismo desestruturaram o desenvolvimento e as experiências educacionais voltadas para a formação plena de seus educandos. Nos Estados Unidos, apesar do esforço de vários educadores para o desenvolvimento de uma formação democrática e política de seus educandos com vistas a construção de uma sociedade democrática, estranhamente milhares de jovens com diplomas universitários tornaram-se pilotos encarregados de lançar bombas e outros artefatos letais sobre populações no Extremo Oriente e no Oriente Médio desde o início do século XX.
No Brasil, por conta da educação jesuítica e catequética de interesse dos colonizadores portugueses (1500-1822) e dos luso-brasileiros colonialistas (latifundiários, empresários, industriais emergentes e classes favorecidas) a partir da proclamação da independência de Portugal, predominou e ainda predomina a formação profissional, utilitária, voltada para o mercado nacional subserviente ao mercado internacional, atendendo principalmente as vaidades das classes emergentes (favorecidas e desfavorecidas), mais interessadas no status e privilégios pessoais do que no bem estar da maioria da população brasileira e sem compromisso com o desenvolvimento científico de sua área de estudo. Evidentemente que há profissionais de nível superior que constituem exceções em todas as áreas, tanto nas profissões liberais quanto nas militares.
Em geral, os proponentes da escola sem partido não estão preocupados em tomar partido em prol de uma educação de qualidade que possibilite aos educandos, em todos os níveis de escolaridade, não só o domínio do conhecimento científico de sua realidade natural, social e histórica como também a capacidade de ler e compreender criticamente textos que se referem a essa realidade.
 

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

SENTIMENTO DE PLANTA

                                                                                                    Isaac Warden Lewis

Ser como uma planta que, vivendo pacificamente,
tira proveito dos elementos naturais que a rodeiam.
Enfrenta as intempéries calmamente.
Resiste aos predadores.
Luta contra os parasitas.
Abriga os hóspedes.
Trabalha para produzir seu próprio alimento.
Cresce e multiplica-se,
trazendo, assim, benefícios à terra e à vida.
Produz flores para alegrar o mundo.
Produz frutos para que outros possam colhê-los.
Produz sombra para aqueles que procuram o seu abrigo.
Vive tranquilamente, deixando os outros viverem.
Irradia, com a sua cor verde,
a calma e a placidez de uma existência vivida
sem as angústias que caracterizam a vida animal.
E, quando chega a hora da morte, morre,
deixando o espaço vago para as outras plantas que virão,
além de humificar o solo,
tornando-o propício ao renascimento da vida.

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Do livro "Sentimento e consciência"  

sábado, 6 de outubro de 2018

RELIGIÃO VERSUS HUMANIDADE

                                                                                                         Isaac Warden Lewis

                           I
Onde há religião, há preconceito.
Onde há preconceito, há discriminação.
Onde há discriminação, há violência.
Onde há violência, há injustiça.
Onde há injustiça, há desigualdade.
 
Onde há desigualdade, há incompreensão.

Onde há incompreensão, há desumanidade.
 
                               II
Em não havendo religião, haverá consciência. 
Em não havendo preconceito, haverá tolerância.
Em não havendo discriminação, haverá compreensão.

Em não havendo violência, haverá justiça.

Em não havendo injustiça, haverá igualdade.

Em não havendo desigualdade, haverá solidariedade.
 
Em não havendo incompreensão, haverá humanidade.