Isaac Warden Lewis
Era o ano de mil
novecentos e oitenta e ... , Marisa Campelo e seu irmão, Lourival Campelo,
saíram cedo de casa. Ela era professora primária e ele começaria sua atividade como policial
na cidade de Manaus. Marisa Campelo passara no Sindicato dos Professores para
se reunir com colegas professoras e professores que iriam organizar piquete em
frente de escolas para impedir a entrada de alunos e professores. Lourival
Campelo dirigiu-se ao Quartel da Polícia. Seu plantão começaria às seis horas
da manhã. Ao chegar ao quartel, ele fora informado que todos os soldados
deveriam participar de uma reunião que seria coordenada pelo sargento Jorge
Feliciano. Às seis horas, o soldado Campelo dirigiu-se ao pátio, onde outros
soldados aguardavam a chegada do sargento Feliciano. Ao chegar, o sargento
cumprimentou os soldados e passou a transmitir as ordens do dia. Sob seu
comando, eles deveriam seguir para algumas escolas para determinar que os
professores e alunos suspendessem seu movimento de revolta contra as
autoridades constituídas e caso os revoltosos recusassem obedecer as determinações,
os policiais deveriam atacá-los com seus cassetetes e obrigá-los a se
dispersarem e caso alguns baderneiros, que se dizem professores, reagissem, os
policiais deveriam usar suas armas para prendê-los. O sargento encerrou
informando que nenhuma passeata dos professores deveria se aproximar do Palácio
do Governo ou do Quartel da Polícia. Por fim, disse que essas eram as ordens
dadas pelo Coronel Teixeira, comandante daquele quartel. Pediu que todo soldado
cumprisse as ordens com bravura e valentia. A seguir, o sargento dividiu os
soldados em grupos, designando um deles para o comando e informando as ruas e
as escolas para onde cada grupo deveria seguir. Ele dirigiu-se ao soldado
Campelo, designando-o para comandar um grupo de soldados e informando a rua e a
escola para onde ele deveria seguir com sua tropa. O soldado Campelo solicitou
permissão ao sargento para falar. Ele declarou que não iria cumprir a ordem de
acossar, atacar e combater professores e alunos que estavam lutando por
melhores salários, melhores condições de trabalho e melhores condições de vida.
O sargento Feliciano ficou perplexo com a audácia de um soldado que começava
sua atividade policial naquele momento e disse:
– “Então, temos um soldado que quer nos ensinar
o nosso ofício já no primeiro dia de sua apresentação nesse quartel. Isso é bem
típico para um filho de um comunista que não respeita as leis de nossa
sociedade. Afinal de contas, o que o senhor pretende, soldado Campelo? O senhor
quer que a revolta dos vagabundos comunistas comece nos quartéis, é isso? Pois,
eu lhe dei uma ordem e você vai cumpri-la, como determinam as normas dessa
corporação, está bem claro, soldado Campelo?”
– “Senhor, eu não vou cumprir uma ordem para
atacar, agredir, combater a população desse país. Eu pressuponho que o senhor
sabe que, no período colonial, a Força Policial atendia os interesses das
classes favorecidas nacionais e das classes privilegiadas internacionais e os
policiais brasileiros e luso-brasileiros eram meros capitães de mato que perseguiam
os nativos da América, África e da Ásia Penso que o papel da Polícia não é
exatamente esse.”
– “Qual é, soldado Campelo, o papel da Polícia
para o senhor? Isso está ficando muito interessante. Agora temos um soldado que
quer ensinar seus superiores qual é o verdadeiro papel da Polícia. Vamos
encerrar esse lero-lero. O senhor vai ou não vai cumprir as ordens que todo
mundo recebeu?
– “Eu não sou todo mundo. Eu me nego a cumprir
uma ordem para combater os meus concidadãos em nome da lei e da ordem”.
– “Muito bem,
soldado Campelo. O senhor ficará preso nesse quartel por se recusar a cumprir
as ordens que recebeu de seus superiores.”
A seguir, o
sargento Feliciano virou-se para o grupo que seria comandado por Lourival
Campelo e designou outro soldado para comandar o grupo. Depois, ele comandou
que todos os grupos partissem para a sua missão. Lourival Campelo permaneceu no quartel, refletindo sobre sua atitude.
Lembrou que seu pai, agora aposentado, comandara muitas greves de sua categoria
profissional. Lembrou que sua irmã estava em alguma escola continuando a luta
por melhores condições de vida para todos os seres humanos. Ele levantou-se, saiu
do quartel, foi a uma papelaria, comprou papel e envelope. Escreveu sua carta
de demissão de soldado de polícia, entregou-a na Seção de Protocolo da
Secretaria de Segurança e foi para casa, sentindo-se bem.
Naquele dia, as
professoras, os professores, os alunos e as alunas fizeram uma passeata pela
cidade, dirigiram-se ao Palácio do Governo. Um batalhão da Polícia esperava os
grevistas. De repente, ouviu-se um tiro. Um tenente da Polícia atirou para o
alto em sinal de alerta. Alguns policiais usaram seus cassetetes, batendo e
surrando covardemente jornalistas, professores, professoras, alunos e alunas.
Alguns grevistas conseguiram adentrar ao Palácio do Governo. O governador,
acompanhado de seguranças, ordenou que os policiais se retirassem para seus
quartéis. Concordou em receber uma Comissão constituída de mestres, estudantes
e jornalistas. Os grevistas permaneceram em frente do Palácio do Governo.
Depois de uma hora, o governador e a Comissão dirigiram-se aos grevistas. O
governador anunciou que concordava com a maioria dos itens da pauta de
reivindicação dos mestres e dos estudantes e que continuaria a dialogar com os
grevistas para o bem da educação. Os grevistas se confraternizaram e se retiraram para suas casas. O sargento
Feliciano tentou processar o soldado Campelo, porém a Secretaria de Segurança
lhe informou que Lourival Campelo não poderia ser processado porque não era
membro da Corporação Policial.
...................
Abril 2021.