Isaac Warden Lewis
No
dia 16 de junho de 1959, Beatrice Robinson, natural de Barbados, foi atropelada
e morta por um ônibus desgovernado da linha Triagem-Leme, na rua General
Severiano esquina com a rua Lauro Sodré, em Botafogo, no Rio de Janeiro. A Sra.
Robinson foi arrastada cerca de 3 metros pelo veículo e esmagada contra o muro.
O motorista do ônibus, Luís Vieira de Melo, foi condenado a 4 anos de prisão.
Um ônibus não se desgoverna, pura e simplesmente, de uma hora para outra.
Talvez o motorista não seja responsável pelo desgoverno do ônibus, a não ser
que ele tenha passado a noite bebendo e sambando em um ensaio de alguma escola
de samba ou não tenha conseguido dormir por sofrer de insônia e, às 5 horas da
manhã, teve de se apresentar para realizar seu trabalho de dirigir um ônibus de
transporte urbano no Rio de Janeiro. Não sabemos se foi verificada a
responsabilidade da empresa ou do mecânico responsável pela manutenção das
condições de trafegabilidade do veículo naquele dia. Também não sabemos se foi
verificada a responsabilidade da Prefeitura do Rio de Janeiro com respeito às
condições de trafegabilidade das ruas e avenidas por onde o ônibus iria passar
e se ela fiscalizava regularmente as condições mecânicas dos veículos de
transporte de passageiros na cidade. Outros ainda querem saber por que a Sra.
Robinson, barbadiana, cidadã inglesa, insistia em aguardar naquela esquina o
sinal abrir para pedestre, estando as ruas completamente vazias, livres de
veículos automotivos, para atravessar só quando o sinal fechasse para os
veículos, tendo morrido porque simplesmente o ônibus desgovernado não parou no
sinal vermelho e avançou sobre a calçada, matando-a. Por que ela insistia em
ser inglesa em um país colonizado? Naturalmente, o juiz da 23ª Vara Criminal
não deve ter feito as reflexões acima.
Um
ônibus não se desgoverna, pura e simplesmente, de uma hora para outra. Isso, é
claro, não é uma fatalidade. Quando um
carro de um músico foi atingido por 80 tiros de fuzil disparados por soldados
do Exército Brasileiro no Rio de Janeiro, um general formado na Academia Militar
das Agulhas Negras, declarou que tal fato fora uma fatalidade. Erros ou
incompetências produzidos por seres humanos não são fatalidades. Também um trem não descarrilha de uma hora
para outra e talvez o maquinista não tenha culpa por seu descarrilhamento. O
que é preciso fazer sempre é apurar as responsabilidades.
Também
um desgoverno de um país não ocorre de um dia para outro, porém é mais fácil
averiguar as causas de tal desgoverno. Vamos ilustrar essa explicação, usando
uma fábula histórica. Suponhamos que o Brasil seja um país governado pela
Cleópatra e que ela tenha sido eleita para administrar e defender esse país. Um
dia, acordamos e ficamos sabendo que Cleópatra se apaixonou por César,
governante de um país imperial implacável, e decidiu alienar-se de seu direito
de governar e entregou a administração de nosso país a César, comprometendo-se
em doar toda a produção de trigo como presente ao seu namorado. Então,
começamos a nos perguntar: Como pôde isso ter acontecido? Nós elegemos
Cleópatra para governar, administrar e defender nosso país. Como pôde ela
cometer essa traição? Em nossas indagações, descobrimos que o país estava
desgovernado, descarrilhado há algum tempo, pois os pais e avós de Cleópatra
haviam permitido que produtores usassem adubos de César nas plantações de trigo
e os produtores haviam aceito essa transação como se fosse a coisa mais natural
do mundo. Descobrimos também que o Ministro das Relações Exteriores do
desgoverno da Cleópatra e os generais do exército eram fãs incondicionais de
César e que os produtores de trigo não viram nada de estranho nessas paixões
doentias e desenfreadas. Bem, de indagações em indagações, os eleitores de
Cleópatra ficaram horrorizados porque descobriram que tinham culpa no
desgoverno e pelas atuais desgraças do país. Mais horrorizados ficaram os
produtores de trigo.