Isaac Warden Lewis*
Não
resta dúvida de que o transplante de valores e concepções culturais europeias
em países colonizados da Ásia, África e América (incluindo os Estados Unidos
que preservaram valores e concepções dos colonizadores do século XIX)
constituiu e ainda constitui distorção e equívoco para compreender o contexto
econômico, político e social dos países colonizados. No Brasil, explicações
equivocadas da realidade social produzem a síndrome
Dorian Gray invertida (ou talvez
a síndrome Dorian Gray invertida produza explicações
equivocadas). O escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900), em sua obra O retrato de Dorian Gray, apresenta um
personagem, fisicamente belo, o qual descobre que seu retrato degenera à medida
que ele comete crimes e iniquidades contra seus semelhantes. Nos países
colonizados, elementos das classes favorecidas cometem crimes e iniquidades
contra os elementos das classes desfavorecidas e se imaginam e/ou se retratam
como pessoas belas, civilizadas, cristãs, europeias.
No
Brasil, em 1822, o príncipe D. Pedro, herdeiro do trono de Portugal, proclamou
a independência do Brasil de Portugal e ainda tornou o Brasil um império.
Império de quê? Transplantaram-se títulos nobiliárquicos europeus para tornar
traficantes, senhores e senhoras escravagistas (ignorantes e analfabetos)
barões, baronesas, duques, duquesas, marquês, marquesas. Em 1889, traficantes,
senhores e senhoras escravagistas falidos proclamaram a república no Brasil. Se
estivessem na França em 1789, esses elementos teriam sido fuzilados ou
enforcados pelos revolucionários franceses. E para acentuar o exotismo de um
país colonizado, seus estudiosos mamelucos transplantaram o lema Ordem e Progresso. Ordem significava, no
Brasil, a manutenção paradoxal de ideias do catolicismo medieval e de propriedade
latifundiária, herdadas do reino feudal de Portugal. Progresso de quê? Para
quem? No contexto da sociedade brasileira, tanto no império quanto na
república, não havia/ não há burguesia, classes medias, proletariados, ou seja,
nunca houve acumulação primitiva do capital para propiciar progresso,
desenvolvimento econômico autônomo, independente, pleno. Houve, sim, há, sim,
homens de negócios que compravam e compram produtos manufaturados de países
altamente industrializados, vendiam e
vendem produtos agrários para as metrópoles europeias. Também compravam
e vendiam escravos, exploravam violentamente trabalhadores livres. Progresso,
portanto, como lema não significava nada. Era e ainda é pura abstração das
classes favorecidas brasileiras colonizadas. Basta lembrar que a expropriação
das terras dos nativos, a monopolização dessas terras, a exploração dos
recursos naturais e minerais, o modo de produção agrário-exportador, a relação
de produção entre as classes favorecidas dos países colonizados e as classes
privilegiadas dos países colonizadores, a relação de produção entre as classes
favorecidas e as classes desfavorecidas nos países colonizados – tudo isso foi
estabelecido pelas classes privilegiadas das metrópoles colonizadoras.
Em
1964, oficiais das Forças Armadas implantaram ditadura militar no Brasil com
apoio do Complexo Industrial Militar dos Estados Unidos e com a anuência das
classes favorecidas brasileiras (empresários emergentes, latifundiários e
católicos conservadores). O golpe militar reafirmou a vocação colonizada e
subordinada das classes favorecidas brasileiras a uma metrópole imperial, no
caso, os Estados Unidos que substituíam a hegemonia das metrópoles europeias
que vigorou até a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Agora, a classe favorecida, portadora da síndrome Dorian Gray invertida,
explicava a necessidade da ditadura, da tortura e até de assassinatos políticos
para implantar a democracia liberal no país.
Somente
o delírio, provocado pela síndrome Dorian
Gray invertida, explica que há no Brasil burguesia, classe média alta,
classe média baixa, proletariado, tal como nos países capitalistas centrais. Os
estudiosos não explicam por que muitos elementos dessas supostas classes se
sentem vocacionados para se subordinarem a países imperialistas (primeiro,
Inglaterra, depois, os Estados Unidos). Entendemos que o transplante de
categorias sociais europeias não explica a mediocridade geral dos estratos
sociais presentes na sociedade brasileira. O que temos no Brasil desde a invasão
dos portugueses são classes favorecidas e classes desfavorecidas, ambas
subordinadas aos interesses das classes privilegiadas dos países
colonizadores.
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Professor
aposentado da Faculdade de Educação/UFAM