sábado, 11 de maio de 2019

O PASSEIO


                                                                            Lucilene Gomes Lima
Desde as seis horas da manhã, Ana corria de um lado para o outro, fazendo, às vezes, mais de uma coisa ao mesmo tempo. Dava banho nas crianças enquanto o arroz cozinhava. Não podendo conciliar as duas coisas, precisou sair correndo do banheiro ao sentir o cheiro do arroz queimando. Conseguiu recuperar ainda a metade, mas quando voltava ao banheiro para enxugar as crianças teve a surpresa de encontrá-las brincando no quintal, sujas.
Quando, finalmente, preparou toda a comida para o passeio e aprontou as crianças, sentou-se com a intenção de tomar o café da manhã. Deixou o café e o pão pela metade, pois o marido a chamava aos berros, indignado por ela ter esquecido de acordá-lo às oito horas. Ao vê-la a porta do quarto, ele despejou os costumeiros queixumes do fim de semana: tudo dependia dele; trabalhava a semana inteira para sustentar aquela família e a mulher não lhe demonstrava um mínimo de consideração, pelo menos, lembrando-se de acordá-lo a hora solicitada. Logo em seguida, ele se dirigiu à cozinha com o objetivo de saber se a comida para o passeio já estava pronta. Abriu as panelas e achou a quantidade de comida insuficiente. Após discutirem, Ana rendeu-se e colocou novamente as panelas no fogo para que, como insistia Jorge, “não ficassem morrendo de fome na metade do passeio”.
Para Jorge, passar a semana toda trabalhando era estafante. Assim, um passeio no domingo reconstituiria as forças e a disposição para enfrentar uma nova semana de trabalho. Já respirava um novo ar. O ambiente de trabalho e a semana atribulada ficavam para trás a cada quilômetro de estrada percorrido. Então, como de costume, começou a fazer um levantamento despreocupado das coisas que precisava para o passeio. Colocara as latas de cerveja na caixa de isopor, devidamente acondicionadas entre pedaços de gelo, estavam ali as suas chuteiras para a tradicional pelada no campinho improvisado do balneário, como também estavam seus óculos, sua sunga. Contudo, de repente, veio-lhe a sensação de ter esquecido algo. Mas o que havia esquecido? Lá estavam os potes de plástico com a comida, a churrasqueira, outras coisas miúdas. Restava  a possibilidade de ter esquecido alguma coisa em relação ao carro. Entretanto, lembrava-se de que havia verificado os pneus, colocado gasolina.
A certeza de que esquecera algo e a incerteza do que era começavam a perturbar a tranquilidade e o prazer do passeio. Subitamente, abriu a carteira na esperança de descobrir o que esquecera. Não faltava nada. Documentos do carro, documentos pessoais, tudo estava lá. Lembrou-se de olhar as crianças, no banco de trás do carro. Estavam sentadas e não parecia faltar nada do que geralmente precisavam levar para o passeio.
Não conseguindo certificar-se do que realmente estava faltando, e sempre incomodado por aquela sensação, canalizou seus aborrecimentos para a mulher. Se havia alguém culpado por aquela situação era a mulher. Ele tinha de arcar com todas as responsabilidades daquela família e a mulher não o ajudava. Ela deveria lembrar-lhe as coisas que era necessário trazer. Cabia-lhe ao menos essa responsabilidade. A culpa era de Ana. Ana...era isso o que estava faltando! Ao sair de casa, esquecera a mulher!