Lucilene Gomes Lima
Desde as seis
horas da manhã, Ana corria de um lado para o outro, fazendo, às vezes, mais de
uma coisa ao mesmo tempo. Dava banho nas crianças enquanto o arroz cozinhava.
Não podendo conciliar as duas coisas, precisou sair correndo do banheiro ao
sentir o cheiro do arroz queimando. Conseguiu recuperar ainda a metade, mas
quando voltava ao banheiro para enxugar as crianças teve a surpresa de
encontrá-las brincando no quintal, sujas.
Quando,
finalmente, preparou toda a comida para o passeio e aprontou as crianças,
sentou-se com a intenção de tomar o café da manhã. Deixou o café e o pão pela
metade, pois o marido a chamava aos berros, indignado por ela ter esquecido de
acordá-lo às oito horas. Ao vê-la a porta do quarto, ele despejou os
costumeiros queixumes do fim de semana: tudo dependia dele; trabalhava a semana
inteira para sustentar aquela família e a mulher não lhe demonstrava um mínimo
de consideração, pelo menos, lembrando-se de acordá-lo a hora solicitada. Logo
em seguida, ele se dirigiu à cozinha com o objetivo de saber se a comida para o
passeio já estava pronta. Abriu as panelas e achou a quantidade de comida
insuficiente. Após discutirem, Ana rendeu-se e colocou novamente as panelas no
fogo para que, como insistia Jorge, “não ficassem morrendo de fome na metade do
passeio”.
Para Jorge,
passar a semana toda trabalhando era estafante. Assim, um passeio no domingo
reconstituiria as forças e a disposição para enfrentar uma nova semana de
trabalho. Já respirava um novo ar. O ambiente de trabalho e a semana atribulada
ficavam para trás a cada quilômetro de estrada percorrido. Então, como de
costume, começou a fazer um levantamento despreocupado das coisas que precisava
para o passeio. Colocara as latas de cerveja na caixa de isopor, devidamente
acondicionadas entre pedaços de gelo, estavam ali as suas chuteiras para a
tradicional pelada no campinho improvisado do balneário, como também estavam
seus óculos, sua sunga. Contudo, de repente, veio-lhe a sensação de ter
esquecido algo. Mas o que havia esquecido? Lá estavam os potes de plástico com
a comida, a churrasqueira, outras coisas miúdas. Restava a possibilidade de ter esquecido alguma coisa
em relação ao carro. Entretanto, lembrava-se de que havia verificado os pneus,
colocado gasolina.
A certeza de que
esquecera algo e a incerteza do que era começavam a perturbar a tranquilidade e
o prazer do passeio. Subitamente, abriu a carteira na esperança de descobrir o
que esquecera. Não faltava nada. Documentos do carro, documentos pessoais, tudo
estava lá. Lembrou-se de olhar as crianças, no banco de trás do carro. Estavam
sentadas e não parecia faltar nada do que geralmente precisavam levar para o
passeio.
Não conseguindo
certificar-se do que realmente estava faltando, e sempre incomodado por aquela
sensação, canalizou seus aborrecimentos para a mulher. Se havia alguém culpado
por aquela situação era a mulher. Ele tinha de arcar com todas as
responsabilidades daquela família e a mulher não o ajudava. Ela deveria
lembrar-lhe as coisas que era necessário trazer. Cabia-lhe ao menos essa
responsabilidade. A culpa era de Ana. Ana...era isso o que estava faltando! Ao
sair de casa, esquecera a mulher!