REFORMA
DA EDUCAÇÃO OU EDUCAÇÃO PARA REFORMA?
Isaac Warden Lewis
Falar de reforma da
educação no país chamado Brasil implica falarmos radicalmente sobre muitas outras
reformas necessárias, como, por exemplo, a reforma do serviço de saúde, da
política de segurança e, principalmente, das instituições políticas e jurídicas
que servem os interesses das classes privilegiadas e favorecidas nacionais e
internacionais. Isso nos faz lembrar um velho conhecido, o qual afirmou que
“ser radical é agarrar as coisas pela raiz”
Para reformarmos uma
casa, por exemplo, precisamos, primeiro, avaliarmos as condições dessa casa,
seu alicerce, suas estruturas, sua funcionalidade e até o solo onde a casa está
construída. Para reformarmos uma instituição social, a avaliação tem de ser
mais complexa porque as instituições de uma sociedade são construídas histórica
e socialmente, o que significa dizer que elas são construídas politicamente e
dependem da correlação de forças entre os sujeitos privilegiados e os sujeitos
desfavorecidos da sociedade num determinado momento.
A essa altura, convém
indagarmos se cabe uma reforma dessa ou daquela instituição na sociedade
brasileira ou se cabe revolucionarmos as estruturas sociais e políticas que
sustentam as instituições sociais dessa sociedade. É como se tivéssemos de
decidir se vale a pena remendarmos, retocarmos, pintarmos uma casa velha que
não serve a finalidade de seus moradores ou se é preferível derrubarmos a casa
velha e construirmos uma nova.
Afinal de contas
reformar por reformar já se tornou tradição das classes privilegiadas há
centenas de anos na sociedade brasileira. Temos visto, por exemplo, reformas e
reformas de escolas e universidades públicas, sem que secretários e ministros
da educação se preocupem em discutirem séria e profundamente a filosofia e a
política educacionais implementadas pelas leis 5.692/71 e 5.540/68 pelos
governos militares com assessoria de técnicos norte-americanos a serviço do
Complexo Industrial-Militar dos Estados Unidos.
Os técnicos que elaboraram o Acordo MEC-USAID projetaram a educação
brasileira como espaço de culto à pátria, de prática de esporte, de lazer e
como vestíbulo de Departamentos de Recursos Humanos de empresas capitalistas
nacionais e internacionais.
A preocupação de
governadores, prefeitos e seus secretários de educação passou a ser o
cumprimento dos trâmites burocráticos, estabelecidos pelas leis 5.692 e 5.540 e, quando muito, fechar as escolas para
retocar paredes, ampliar os muros, pintar paredes e muros, mudar o piso,
consertar o telhado e, por fim, inaugurar a reforma de mais uma escola. Às
vezes, o banheiro e a cozinha permaneciam precários.
Não tem sido diferente
a preocupação dos governos civis que sucederam os governos militares. Mantiveram-se
fieis aos Acordos MEC-USAID assumidos pelos governos militares. Retocaram as
leis 5.692 e 5.540 através de decretos, medidas provisórias e resoluções para
aprofundar as propostas e objetivos das referidas leis. Financiaram a
implantação e ampliação do ensino superior privado. Transferiram verbas do
setor público para o setor privado. Sucatearam as instituições públicas de
ensino e precarizaram o processo ensino-aprendizagem em todas as escolas e
universidades públicas e privadas com a justificativa de que era mais
importante aumentar a quantidade de diplomas do que melhorar o nível de
aprendizagem dos educandos.
Todos os ajustes
reformistas na educação, depois de 1984, foram realizados tanto por políticos
de partidos conservadores quanto por políticos de partidos progressistas,
tornando difícil, distinguirmos quem são, na realidade, conservadores ou
progressistas nessa sociedade. Os estudiosos de gabinete, os jornalistas
vinculados a grandes empresas jornalísticas e os políticos espertos rotulam os
conservadores de direitistas e os
progressistas de esquerdistas.
Esquecem de dizer que, no Brasil pós-1984, os esquerdistas, em geral, são
direitistas enrustidos.
Na prática, desde o fim
da ditadura militar no Brasil (1984), os partidos políticos, apesar de portarem
siglas diferentes, são, em sua maioria, partidos sociais democratas, pois
pregam harmonia e conciliação entre capital e trabalho, entre exploradores e
explorados. Por isso, os partidos políticos brasileiros, em sua maioria,
competem entre si para realizarem os projetos políticos, econômicos,
educacionais etc determinados pelos países do Primeiro Mundo para os países do
Terceiro Mundo.
Para não perdermos a
esperança, precisamos retornar às décadas 1940-1960 quando houve intensa
mobilização, participação e discussões para reformar o setor educacional no
Brasil. Para os conservadores, sua luta foi pela manutenção do sistema
educacional criado no período colonial, que considerava a educação como
privilégio de poucos, o objetivo educacional visava formar letrados para
atender os interesses e o deleite das classes privilegiadas e favorecidas. O
ensino-aprendizagem deveria permanecer através de memorização. Para os progressistas,
a reforma da educação deveria democratizar o acesso ao conhecimento a todas
as camadas da sociedade, o ensino deveria ser leigo e possibilitar o
desenvolvimento científico e cultural dos educandos. Os educadores
progressistas condenavam a memorização como processo de ensino-aprendizagem.
Isso nos faz lembrar um outro velho conhecido, o qual afirmou que memorização
de conteúdo não significa necessariamente aprendizagem do conteúdo. Os
educadores progressistas contribuíram enormemente através de seus estudos e
suas pesquisas para implementação de uma pedagogia nacional que criasse
programas e currículos para a formação de educandos comprometidos com um
projeto de país autônomo e livre.
Para a elaboração da
Lei 4.024 – Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1961,
participaram políticos, educadores,
padres, estudantes, pais de alunos, trabalhadores, jornalistas, profissionais
liberais de todo o país desde a década de 1940. Apesar da participação ativa de
setores progressistas, populares e de
educadores que publicaram o Manifesto
dos Educadores a favor do projeto original, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, de 1961, aprovou inúmeras propostas de setores conservadores,
mantendo o caráter elitista da educação para as classes privilegiadas e
favorecidas, principalmente no interior e nas capitais mais atrasadas.
Em várias cidades do
país, a mensagem universal de ensino e de acesso ao conhecimento foi adotada
por algumas escolas públicas e privadas que passaram a preparar os educandos
pobres ou ricos, através de ensino propedêutico para profissões variadas e, ao
mesmo tempo, preparavam-nos para ler e
entender criticamente a história político-social de seu país, levando muitos
jovens a se manifestarem e a lutarem a favor de mudanças na sociedade
brasileira. Foi contra esse projeto
educacional que os técnicos brasileiros do Ministério da Educação juntamente
com os técnicos norte-americanos elaboraram o Acordo MEC-USAID para desmontar
um projeto político educacional construído por brasileiros comprometidos com um
projeto de desenvolvimento autônomo e justo do país.
A proposta educacional
construída através da política e filosofia educacionais contidas no Acordo
MEC-USAID tem mostrado sobejamente que os educandos não aprendem por livre e
espontânea vontade e nem a expedição de mais diplomas e certificados melhora o
nível educacional e intelectual dos educandos.
Aprendemos através da
história das reformas no Brasil que não somente educadores precisam ser educados
para serem educadores, mas também os reformadores precisam ser educados para
fazerem reformas em qualquer setor na sociedade brasileira.