segunda-feira, 1 de agosto de 2016

A FAVELA E A DIALÉTICA


                                                                              Isaac Warden Lewis
A favela é, na sociedade brasileira,
      [um sistema de apartheid disfarçado:
      [gueto, bantustão, campo de concentração.
      [de negros, brancos, índios e mestiços espoliados.

Os brancos alienados, racistas,
       [sempre gostaram de morar e viver bem
       [na sociedade da democracia racial,
       [fundada em ideologias colonialistas.

O negro é inferior.
O negro é bandido.
O negro não presta.
O negro deve morrer.

Os brancos alienados pensaram que
          [poderiam praticar violência contra os negros sutilmente
          [sem que os negros resistissem malandramente;
          [poderiam encerrar os negros nas favelas
          [sem favelizar as residências dos brancos.

Os brancos alienados imaginaram que
            [poderiam negar direitos aos negros,
            [sem negar direitos aos próprios brancos;
            [poderiam discriminar os negros
            [sem discriminar os próprios brancos.

O branco é inferior.
O branco é bandido.
O branco não presta.
O branco deve morrer.

Os brancos alienados utilizaram o Estado
             [para perseguir, violentar e assassinar negros.
A ideologia do apartheid jamais concebeu que:
              [os negros poderiam aprender, algum dia,
              [a perseguir, violentar e assassinar brancos, negros e índios.
A ideologia do apartheid ensina o ódio ao outro.


Os negros alienados aprenderam a ser racistas,
Assumem inconscientemente as ideologias colonialistas.
Valorizam a cultura europeia em detrimento da africana e indígena.
Discriminam brancos, índios, mestiços e os próprios negros.

Negros, brancos, índios e mestiços são inferiores.
Negros, brancos, índios e mestiços são bandidos.
Negros, brancos, índios e mestiços não prestam.
Negros, brancos, índios e mestiços devem morrer.

Os brancos colonialistas estimulam a guerra entre  povos.
A guerra entre  povos  rende-lhes dividendos, lucros.
Negros, brancos, índios e mestiços fardados invadem a favela
       [para matar negros, brancos, índios e mestiços paisanos.
A ideologia do apartheid considera isso absolutamente normal.  

É a guerra total, é a solução final, haitiana.
Os órgãos do Estado justificam tais estratégias.
Os jornais louvam tais providências.
Os brancos alienados aplaudem tais massacres.
Os negros alienados aprovam tais matanças.

Já os negros e brancos revolucionários ou bandidos
          [resistem e opõem-se a tais atrocidades e sofismas.
Os negros e  brancos de consciência violam as fronteiras do apartheid.
Lutam por uma sociedade realmente justa e democrática,
           [pois somente haverá paz quando negros e brancos se
                                                              [respeitarem mutuamente.

Muitos negros e brancos já violaram a fronteira do apartheid.
Apreciam ópera e música clássica brasileira ou europeia.
Cantam e dançam samba, lundu, chorinho e bumba-meu-boi.
Pregam a teologia da libertação e a reforma agrária.
Participam dos rituais do candomblé.
Fazem do apartheid um carnaval.
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Do livro "Um pássaro que canta"
 

A FEIRA DAS VAIDADES


                                                                   Isaac Warden Lewis
Alguns animais reuniram-se para discutir qual era o animal que se distinguia de todos os demais. O primeiro a se manifestar foi o pavão. Depois de exibir a sua plumagem pela milésima vez, declarou:
– Um pavão distingue-se de todos os outros animais por suas penas lindas e vistosas.
Um leão dirigiu-se para um ponto alto, olhou para o norte, olhou para o leste, olhou para o sul e, por fim, olhou para o oeste. Enquanto olhava para cada um desses pontos, exibia a sua juba. Declarou, então:
– Um leão distingue-se de todos os outros animais por sua juba grandiosa e pujante.
Uma zebra caminhou alguns passos e ficou de frente para o grupo, virou-se para o lado direito, ficou de costas e, depois, virou-se para o lado esquerdo e declarou:
– A zebra distingue-se de todos os outros animais por suas listras perfeitas e inconfundíveis. 
Um elefante afastou-se do grupo, moveu a sua tromba para o alto e para baixo, girou-a, foi até o rio, encheu a tromba de água, voltou para perto do grupo, esguichou a água sobre os outros animais para refrescá-los. Então, declarou:
– Um elefante distingue-se de todos os outros animais por sua tromba singular e de mil e uma utilidades.
Uma girafa dirigiu-se até uma árvore alta, tirou algumas folhas, mastigou-as, olhou para o mar a leste, olhou para o planalto a oeste, olhou para as montanhas ao norte, olhou para a planície ao sul e comunicou ao grupo que iria chover mais tarde. A seguir, declarou:
– A girafa distingue-se de todos os outros animais pelo seu pescoço majestoso e belo.
Um rato levantou-se, aspirou o ar, fingiu tossir, disse que o tempo estava mudando e declarou:
– Um rato distingue-se de todos os outros animais pela sua capacidade de sobreviver a todas as doenças e condições de vida desfavoráveis. 
Um índio americano levantou-se e começou a se pintar. Utilizou-se de vários tipos de tintas para dar coloridos diferentes às diversas partes do seu corpo. Depois, declarou:
– O homem distingue-se dos outros animais pelas magníficas pinturas que faz no seu corpo.
Um negro africano levantou-se e começou a exibir as suas vestes feitas de penas de aves variadas e declarou:
– O homem distingue-se dos outros animais por causa de suas vestes feitas de formosas penas.
Um inglês, que primordialmente se dizia inglês, secundariamente se dizia homem e, em último caso, europeu, exibiu seus trajes ocidentais e declarou:
– Um cavalheiro ou uma dama distingue-se dos outros animais por sua vestimenta elegante.
Um macaco, que comia sua milésima banana, saltou numa árvore, pulou de um galho para  outro, subiu no ramo mais alto, olhou para além do horizonte percebido pelos outros animais, olhou em todas as direções, desceu da árvore, aproximou-se do grupo e disse:
– Cada animal exibe suas idiossincrasias.
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Do livro Educação no reino de Banan e outras fábulas.